Ennahda garante "democracia para todos" os tunisinos

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Rachid Ghannouchi passou 22 anos no exílio antes de regressar à Tunísia, em Janeiro LIONEL BONAVENTURE/afp

Vencedores querem governar em coligação e dizem-se "determinados a proteger o Estado"

O Ennahda já tinha começado a celebrar e até iniciara consultas para formar um executivo de coligação, mas só agora ficou a saber que peso vai ter na Assembleia eleita pelos tunisinos para redigir a nova Constituição e governar interinamente o país. "A democracia é para todos", assegurou Rachid Ghannouchi, depois de anunciados os resultados que dão 41% dos votos e 90 lugares em 217 aos islamistas moderados do seu partido.

Habib Bourguiba não hesitava em retirar com as suas próprias mãos os lenços que cobriam os cabelos das mulheres que o saudavam na rua. Foi o primeiro Presidente da Tunísia independente que decidiu que o país seria laico, mesmo que essa laicidade tivesse de ser imposta à força. Zine El Abidine Ben Ali continuou esse legado. Nos anos 1980 e 1990, muitas tunisinas viram os seus lenços islâmicos arrancados e foram forçadas a assinar declarações em que prometiam não usar "roupas sectárias".

O que o partido fundado por Ghannouchi em 1981 - e perseguido por Ben Ali - promete agora é que nenhuma tunisina será obrigada a cobrir os cabelos, ao mesmo tempo que nenhum tunisino voltará a ser considerado suspeito por ir demasiadas vezes à mesquita ou deixar crescer a barba.

"Pedimos aos nossos irmãos, quaisquer que sejam as suas orientações políticas, para participarem na criação de um regime democrático", disse ainda Ghannouchi, numa conferência de imprensa em Tunes. Desde a campanha que os responsáveis do Ennahda garantem não querer governar sozinhos, independentemente do seu peso na Assembleia Constituinte.

O Congresso para a República (CPR, esquerda nacionalista), que obteve 30 lugares (13,82%), e o Ettakatol (Fórum Democrático para as Liberdades e o Trabalho, social-democrata), que ficou em terceiro, elegendo 21 deputados (9,68%), já se disseram disponíveis para integrar um Governo com o Ennahda. Posição contrária teve o Partido Progressista Democrático (social-democrata), que conseguiu 17 lugares (7,83%) e escolheu fazer oposição.

"A revolução não aconteceu para destruir um Estado, mas um regime. Estamos determinados a proteger o Estado tunisino", assegurou Ghannouchi. A Tunísia é um país muçulmano com um Estado civil, expressão com que os tunisinos descrevem o seu modelo de laicidade, onde as mulheres gozam do melhor estatuto jurídico do mundo árabe (depois das libanesas).

Sobre as conquistas das tunisinas, Ghannouchi prometeu que não haverá recuo. "O Ennahda reafirma o seu compromisso com as mulheres da Tunísia para reforçar o seu papel no processo de tomada de decisões políticas", disse o líder do novo maior partido do país, antes de lembrar que das 49 deputadas eleitas, 42 são do Ennahda. As mulheres, disse ainda, terão lugares na coligação de Governo, "usem ou não véu".

Nem todos os tunisinos acreditam nestas garantias e alguns episódios de violência promovida por grupos de radicais deixaram alguns inquietos. Já em campanha, a televisão Nessma foi atacada por emitir o filme Persepolis, uma animação em que Deus surge num diálogo com uma menina. O Ennahda condenou a violência, mas alguns, incluindo o Partido Progressista Democrático, consideraram a condenação frouxa.

Direita conservadora

"O terreno está aberto à violência dos salafistas", disse ontem à AFP Zeineb Farhat, que dirige uma companhia de teatro. Há grupos ortodoxos minoritários, mas muito activos desde a queda do regime. O Ennahda nega que integrem a sua base de apoio.

Yassine Ayari, blogger que chegou a ser preso em 2010 e que se candidatou à Assembleia na lista Sawt Mostakel (Uma Voz Independente), formada por ciberactivistas, não gosta da palavra islamista. "Ganhou uma conotação muito pejorativa. Trata-se da direita conservadora, o Ennahda é um pouco como os democratas-cristãos [CDU, de Angela Merkel] da Alemanha e a UMP [partido de Nicolas Sarkozy]", disse numa entrevista por email. "Para além disso, os tunisinos nunca foram laicos, a questão da laicidade não se coloca. Somos um povo muçulmano conservador e os resultados provaram-no."

Os analistas atribuem os bons resultados do Ennahda à sua campanha, passada no terreno a ouvir as pessoas, e dizem que o mais difícil ainda não começou. Agora que votaram, os tunisinos vão ser exigentes com o próximo Governo, mesmo que seja ainda interino. O Ennahda fez promessas, incluindo criar 590 mil postos de trabalho nos próximos cinco anos, e, pela primeira vez, terá de prestar contas.

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