A consagração vinícola de uma casa com história

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O imponente e belíssimo edifício da Casa da Calçada, em Provezende, no concelho de Sabrosa, foi mandado construir no final do século XVII pelo desembargador Jerónimo da Cunha Pimentel, tornando-se, a partir daí, o centro administrativo de uma fortuna colossal que se estendeu no século seguinte do Douro ao Minho, passando pelo Porto, Beiras e Lisboa. Hoje, há um outro Jerónimo da Cunha Pimentel à frente da casa, jornalista de profissão (foi um dos fundadores do PÚBLICO, TSF e semanário Sol), que partilha a tarefa com o sobrinho Manuel Villas-Boas (primo do treinador do Chelsea). Mas a riqueza já não é a mesma.

A história da casa confunde-se com a própria história da região duriense, reflectindo, igualmente, a cíclica alternância entre apogeu e crise que tem marcado o "país vinhateiro". Os tempos são novamente de crise e, sem as propriedades e os foros de antigamente, a Casa da Calçada tem sido um fardo demasiado pesado para os actuais herdeiros, os irmãos Jerónimo e Maria da Cunha Pimentel Cabral Peixoto Villas-Boas. No entanto, apesar da conjuntura menos favorável, a Casa da Calçada tem procurado libertar-se do limbo da história e ganhar alguma da notoriedade perdida, para se tornar, de novo, num ponto de referência do Douro. No início da década passada, lançou os Encontros da Casa da Calçada (debates em torno das grandes questões da região que pretende retomar futuramente); tirou dos sótãos milhares de documentos, reunindo-os num arquivo (aberto à comunidade académica) que guarda uma boa parte da memória dos últimos quatro séculos do Douro; e lançou o seu próprio vinho, Morgadio da Calçada, recorrendo a uma parceria com Dirk Niepoort. Dentro de algumas semanas, a Casa vai abrir-se ao enoturismo, com a inauguração de um pequeno pólo de turismo rural - oito quartos construídos a partir das antigas casas dos caseiros e de alguns armazéns, um dos quais foi parcialmente demolido para acolher uma piscina deslumbrante.

A conclusão do projecto de turismo rural traz Jerónimo e Manuel num frenesim e o negócio do vinho mais entusiasmados do que nunca, sobretudo depois de terem visto o crítico João Paulo Martins eleger o Morgadio da Calçada Reserva Branco de 2010 como um dos melhores quatro vinhos brancos nacionais provados em 2011 (já agora, os outros três são o Anselmo Mendes Alvarinho Curtimenta 2009, o Condessa de Santar 2010 e o Primus 2010).

A eleição do crítico acontece apenas seis anos depois de a Casa da Calçada ter lançado o seu primeiro vinho, na sequência de uma parceria estabelecida no final da década de 1990 com Dirk Niepoort. A Niepoort trata de tudo: granjeia a vinha (4,5 hectares planos situados a cerca de 600 metros de altitude), faz os vinhos (brancos e tintos de mesa e algumas categorias de vinho do Porto) e ainda vende uma parte; a Casa da Calçada paga os custos de granjeio e recebe uma percentagem sobre as vendas totais. "Tem sido um casamento perfeito", diz Jerónimo Pimentel.

A vinha, anexa à casa, é totalmente murada e a sua localização, aliada à antiguidade de alguns talhões (alguns têm mais de 80 anos), confere-lhe um grande potencial para a produção de vinhos complexos e frescos. "É uma das melhores vinhas do planalto de Sabrosa", diz Manuel Villas-Boas.

Os primeiros vinhos, o Branco 2005 e o Grande Escolha Tinto 2004 (no ponto ideal para ser bebido, com taninos ainda bem vivos, grande frescura e boca apimentada), já deixavam evidenciar esse potencial. Mas com o Reserva Branco 2010 o Morgadio da Calçada atingiu a consagração. Feito de Códega, Viosinho, Rabigato e Arinto, entre outras castas, é um vinho que confirma a grande aptidão das zonas altas do Douro para a produção de vinhos brancos de excelência. Claro que uvas boas, por si só, não garantem um bom vinho. Mas uvas boas nas mãos de Dirk Niepoort e do seu braço-direito Luís Seabra, dois verdadeiros alquimistas, só podem originar grandes vinhos. É o caso.

Em comparação com o Morgadio da Calçada "corrente" do mesmo ano, o reserva até perde ligeiramente na amplitude. O colheita enche um pouco mais a boca, associando uma bela frescura e fruta ácida e exótica a deliciosas notas fumadas. E é também bastante comprido. Mas o reserva é mais fino e complexo. Cheio de fragrâncias frescas e delicadas no aroma (citrinos, flores de jardim), possui uma mineralidade muito impressiva que casa muito bem com a componente mais quente da madeira. Graças precisamente a essa mineralidade, e não tanto à acidez, que é apenas bem proporcionada, o vinho parece ganhar vida na boca, terminando de forma muito fresca. Um belíssimo branco para beber desde já e guardar algumas garrafas. Agora encanta, mas daqui a dois ou três anos, ou até um pouco mais, é capaz de nos deixar nas nuvens. Morgadio da Calçada Branco Reserva 2010

Niepoort

Provezende, Sabrosa

Castas: Códega, Viosinho, Rabigato, Arinto e outras

Graduação: 13% vol

Região: Douro

Preço: 24€

Nota de prova

8,5/9

Relação Qualidade

/Preço

8/8,5

Escala de 1/2 (mau)

a 9/10 (excelente)

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