O soldado que regressou como herói nacional

Era uma vez um peixe e um tubarão que decidiram tornar-se amigos, contrariando a sua própria natureza e as suas rivalidades passadas. A história foi escrita por Gilad Shalit quando tinha 11 anos e tornou-se simbólica: podia muito bem falar de israelitas e palestinianos. Hoje, depois de ter passado cinco anos e quatro meses nas mãos do Hamas, conseguiria o sargento defender algo parecido?

Quando foi capturado era um soldado que tinha insistido em combater. As fotografias mostram um Shalit de 19 anos jovem e relativamente tímido antes de ser capturado pelo Hamas. A sua vida mudou irremediavelmente no dia 25 de Junho de 2006, um dia de domingo que mal tinha começado.

Faltava pouco para as seis da manhã quando um grupo armado palestiniano conseguiu atravessar a fronteira de Gaza para Israel através de um túnel perto de Kerem Shalom. Bastou entrar 100 metros no território israelita para lançar a operação. Primeiro contra um tanque parado - e vazio. Depois, um segundo grupo atacou um posto do Exército com explosivos e metralhadoras, ferindo três soldados israelitas. Ao mesmo tempo era disparado um rocket e várias granadas contra outro tanque. Dos quatro militares que lá estavam, dois morreram, um ficou gravemente ferido e outro, Shalit, foi capturado. Terá ficado com alguns ferimentos no ombro, mas foi assim que o levaram para Gaza.

A acção foi reivindicada por três grupos armados palestinianos: as brigadas Ezzedine Al-Qassam, o braço armado do Hamas, o Comité de Resistência Popular (que inclui membros da Fatah, Jihad Islâmica e Hamas), e o Exército do Islão.

A cara de Shalit começou a chegar em bandeiras, autocolantes e cartazes a todo o país e a sua libertação tornou-se uma causa nacional. Nas últimas legislativas, em Fevereiro, soldados escreveram o seu nome nos boletins de voto para exigir ao Governo que se esforçasse mais pela sua libertação.

Foram poucas as notícias vindas do local secreto onde Shalit esteve cativo estes anos todos. A sua primeira carta aos pais foi escrita três meses depois da captura: "Shalom [paz] para vocês. O meu estado de saúde degrada-se de dia para dia, em particular no plano moral, o que me torna depressivo. Espero que este pesadelo insuportável acabe e que eu seja libertado desta cela onde estou detido em estado de isolamento depois do meu 20º aniversário, que espero celebrar convosco".

Em Junho de 2007 - um ano depois da captura - foi passada uma mensagem a provar que ainda estava vivo. Em Fevereiro, Abril e Junho de 2008 a mesma coisa.

A última prova pública foi dada em Outubro de 2009. Um vídeo de dois minutos e 40 segundos foi passado a Israel a troco da libertação de 20 prisioneiros palestinianos. Todos os israelitas puderam então ver Shalit, com ar pesado mas em relativa boa forma física, com cabelo curto, falando do seu "sonho de ser libertado".

Durante este tempo o Comité Internacional da Cruz Vermelha pediu várias vezes para o visitar. O Hamas recusou sempre, argumentando que isso colocaria em risco o secretismo do seu cativeiro.

Gilad nasceu em Nahariya, uma estância balnear no Norte de Israel, em 1986, mas desde os dois anos que vivia em Mizpe Hila, uma localidade da Galileia onde os pais têm uma residencial - as férias escolares eram dedicadas a ajudá-los. A sua biografia refere ainda que estudou Ciências e gosta de desportos - é bom jogador de básquete e um fã da Volta à França em bicicleta, que seguia regularmente pela televisão.

Começou o seu serviço militar no final de Julho de 2005. Pediu para ser colocado numa unidade de combate, apesar de a sua avaliação médica lhe ter permitido ocupar uma função de menor risco. Mas quis seguir Yoel, o irmão mais velho, que terminara o serviço militar um ano antes. Antes de ser capturado estava encarregue da segurança de colonatos à volta da Faixa de Gaza.

O seu sequestro trouxe consequências pesadas. Telavive respondeu com um reforço do bloqueio económico ao território e com a entrada em Gaza: prendeu 60 responsáveis do Hamas e nas operações para resgatar Shalit e acabar com os lançamentos de rockets matou 400 palestinianos, incluindo um elevado número de civis. Francisca Gorjão Henriques

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