O país mais longe do final da crise

Passos confirmou que o estado do país se agravou. A luta contra a crise é hoje uma luta contra o colapso

Ontem pela hora do jantar o país assistiu a uma das mais importantes e dramáticas mensagens políticas dos últimos anos. Não se ouviu uma declaração de guerra, mas, num ar compungido, o primeiro-ministro confirmou aos portugueses que a batalha com que se confrontam vai muito além da simples superação de uma crise financeira; o que agora está em causa, como Passos Coelho sublinhou, é uma tentativa de impedir o "colapso do país". Há meses que o Governo nos avisara para a situação de "emergência nacional" em que vivíamos, mas em todas as oportunidades foi deixando passar a ideia de que o pior aconteceria até Dezembro e que, a seguir, se começaria a tal "vida nova" com que todos os políticos do século XX tentaram calar o protesto. Ontem, Passos acabou com as ilusões. O suplício da austeridade não só não acaba em 2012, como se vai agravar; a perda dramática de rendimentos não só não se suspende, como é acentuada; o ataque do fisco aumenta, a degradação da protecção social acelera-se, e nesta paisagem desoladora os cidadãos terão de trabalhar mais por menos.

O "ajustamento muito mais profundo" que o primeiro-ministro anunciou é um sintoma de desespero e de impotência. Depois de um ano de dificuldades, os portugueses não viram nem verão tão cedo os resultados que Cavaco Silva aponta como indispensáveis para se tolerarem os sacrifícios. A menos que a presunção europeia (ou alemã) de que a punição da austeridade tudo cura se altere pela força dos factos, Portugal caminhará a passos rápidos da recessão para a depressão e daí para o tal colapso que Passos quer a todo o custo evitar. Todos sabemos que, na qualidade de país com soberania limitada pela assistência financeira da troika, não há muitas alternativas além do cumprimento das metas do défice aí inscritas. Mas a partir de agora podemos também ficar a suspeitar de que tudo não passa de uma encenação para ganhar tempo. A crise não se resolve, tenta-se iludi-la com apertos sucessivos.

Ainda que os salários perdidos pelos trabalhadores do Estado façam baixar o défice, tudo o resto será mais difícil de obter. Uma economia na qual a procura interna cai tão acentuadamente está condenada ao estado vegetativo. Será sempre incapaz de gerar dinâmicas para instigar o emprego e as receitas fiscais. Não será com menos feriados e com mais meia hora de trabalho por dia que as empresas privadas conseguirão conquistar ganhos de competitividade para ganharem quotas no mercado externo. Sem mais palavras nem medidas para o crescimento, para a ousadia e para a esperança, Passos limitou-se a convocar-nos para a resistência passiva. Com sangue, suor e lágrimas, como no discurso de Churchill, mas sem confiança de que, no final, o país vai superar no ar, na terra e no mar as dificuldades que o esperam.

Claro que ontem foi possível vislumbrar em Passos as qualidades da frontalidade e da transparência que tanto faltaram ao anterior Governo. Mas esse é um dever básico. O que lhe falta são alternativas. Na estratégia de desespero que anunciou, Passos sabe que joga as últimas cartas. Não terá outra oportunidade para pedir tanto em troca de tão pouco. Porque se tiver de o fazer, estaremos já todos muito perto do colapso que quis evitar.

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