PS à procura de uma esquerda
"Igualdade, Liberdade, Solidariedade." Estas as palavras que estavam escritas no primeiro pano que fazia o fundo do palco do Congresso, que voltou a decorrer num cenário vermelho e a ter como lema "as pessoas estão primeiro". Os sinais eram claros e indiciavam a intenção de António José Seguro de recolocar o partido à esquerda. Agora na oposição de novo, o PS tem que reaprender o seu lugar. E o tom de debate e de abertura à diversidade de opiniões e de propostas, que tinha sido prometida, concretizou-se.
Foi possível ver o PS a iniciar o caminho da tentativa de redefinição política e ideológica. Um início de debate ainda confuso, ainda hesitante, mas em que foi notória a diversidade de posições sobre o modelo de organização social a defender e de proposta política a apresentar à sociedade. E foram visíveis já linhas de clivagem nítidas na forma de pensar a social-democracia.
Uma mais socioliberal, ainda herdeira da Terceira Via introduzida por António Guterres, continuada por Ferro Rodrigues e potenciada por José Sócrates. Outra linha, fiel à tradição social-democrata, subiu ao palco do Congresso, logo na manhã de sábado pela voz de Maria de Belém Roseira, a presidente do partido, que fez questão de afirmar que "o progresso nunca é irreversível", pelo que se vive um risco de "retrocesso de civilização", numa época em que "o homo economicus pretende absorver o homo sapiens", colocando "a pessoa humana ao serviço da economia" e desconstruindo os Direitos Humanos.
A mesma crítica ao neoliberalismo teve mais três momentos altos. Manuel Alegre subiu ao palco para um importante discurso de defesa da igualdade, enquanto valor central da esquerda, e a necessidade de não esquecer que o socialismo nasceu para combater "a injustiça inerente ao capitalismo". Ana Gomes centrou-se na corrupção e na crise europeia, defendeu o regresso do papel regulador da política sobre a liberdade de mercado. Pedro Nuno Santos fez a intervenção mais ideológica e mais à esquerda de todo o congresso, lembrando que a "direita já ganhou há muito tempo" no plano do debate de ideias, convencendo "até alguns socialistas". E fez uma veemente defesa de que a social-democracia e a esquerda passam pela defesa do Estado-Providência. Mas também pela defesa da igualdade e dos direitos e pelo papel central da organização do trabalho e pela defesa dos direitos laborais. Para rematar: "O maior combate do PS é derrotar a direita no campo das ideias, antes sequer de pensar em voltar ao poder."
Do lado socioliberal e da herança de Sócrates, posicionou-se a maioria dos oradores. É certo que todos falam em esquerda e em socialismo, mas num socialismo assente na defesa do que consideram ser o Estado Social: Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde e escola pública. Os discursos mais estruturados e mais ideológicos vieram de figuras proeminentes no PS de Sócrates: Francisco Assis, António Costa, Pedro Silva Pereira e Vieira da Silva. E ideia central foi a da necessidade de seguir "by the book" o Memorando da troika.
Já Seguro manteve o compromisso de cumprir o Memorando da troika e defendeu o Estado-Providência. Mas foi mais longe. Falou de "verdadeira social-democracia" e não deixou de fora a defesa dos direitos laborais. Mais: foi explícito a pedir o aprofundamento do federalismo europeu, a revisão dos tratados e soluções como as eurobonds.
Os alinhamentos ideológicos deste congresso nem sempre coincidiram com os grupos partidários e as tendências em que se inserem os militantes e dirigentes socialistas. Exemplo disso é Vieira da Silva, que surgiu na lista para a comissão nacional de Seguro. Mas este congresso foi o da arrumação da herança de Sócrates também em termos de direcção. E é clara a organização de um grupo de herdeiros de Sócrates em torno de Assis e de Costa. Um reagrupar que beneficia até do regresso do clima de liberdade que se viveu neste congresso.
Mas era notória nas conversas de bastidores a expectativa sobre o que será o "novo ciclo" do PS. Até em termos de duração. Ou seja, quanto durará e como acabará a crise europeia e até que ponto uma implosão do euro fragmentará os poderes na Europa e em Portugal, no Governo e na oposição?
Jornalista (sao.jose.almeida@publico.pt)