Teresa Villaverde, uma despedida

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Teresa Villaverde auto-produziu o seu filme ENRIC VIVES-RUBIO

Produziu e realizou "Cisne". Um filme que é uma despedida e junta universos dos seus filmes anteriores. Com liberdade, poesia e música. Isabel Coutinho

Cisne

Festival de Veneza

de 31 de Agosto a 10 de Setembro, secção Horizontes

Quando estava a escrever o guião de "Cisne", Teresa Villaverde leu o verso do poeta grego do século VII a. C., Álcman: "O Cisne com as suas asas canta isto...". O que este cisne cantou ninguém sabe porque o resto do texto não chegou até nós, mas talvez "Cisne", que estreia em Lisboa e Porto na mesma altura em que está presente no Festival de Veneza, a 8 de Setembro, venha deste verso. "São sempre pequenas coisas que aparecem ou pequenas frases que leio aqui ou acolá, qualquer coisa que me chamou a atenção e de que eu não me dei sequer conta", explica Teresa Villaverde.

Às vezes a realizadora de "A Idade Maior" (1991) e de "Três Irmãos" (1994) acha que o Cisne é a personagem Vera, uma cantora que sofre de insónias interpretada por Beatriz Batarda. Outras vezes, parece-lhe que é o miúdo Alce, que vive com as galinhas e acaba por se libertar do que lhe faz mal (Sérgio Fernandes). Ou então: são os dois, juntos, quando a suas vidas se cruzam.

Quando começou a escrever este argumento, que conta a história de pessoas que se cruzam, Villaverde ainda não sabia quem interpretaria Vera. Mas nas últimas duas versões do argumento já tinha na ideia Batarda, o que mudou tudo. "Muda a maneira de escrever, porque imaginamos logo a cara da pessoa, a voz. De todos os meus filmes, este foi o mais reescrito na rodagem. Por estar a filmar um argumento que tinha sido escrito há imenso tempo, algumas coisas pareciam-me já velhas."

Escreveu "Cisne" a seguir a "Transe", mas o filme teve problemas de produção e financiamento. Decidiu autoproduzi-lo, com cerca 600 mil euros. Acácio de Almeida, que fotografou "Os Mutantes" (1998), regressa. "Sabia que a imagem tinha de ficar impecável, mesmo com menos meios. Quando se vê o filme não se nota que não tínhamos tudo e mais alguma coisa." Novidade na obra é Beatriz Batarda ("Peixe Lua" e "Quaresma" de José Álvaro Morais). "Os grandes papéis que Beatriz fez no cinema foram com o Zé Álvaro [1943-2004]. E ele era o meu melhor amigo do cinema e fora do cinema. Por isso foi comovente trabalharmos juntas neste filme, de cada vez que nos corria muito bem lembrávamos sempre dele. Eu tinha-lhe dedicado o "Transe" por isso não lhe dediquei este. Claro que é dedicadíssimo pelas duas."

À medida que os dias iam passando, e Teresa e Beatriz se iam conhecendo melhor, surgiam outras frases no argumento e a personagem ia fazendo outras coisas. "A Beatriz é uma actriz que ajuda muito e neste filme contracena com não actores", explica a realizadora, referindo-se, por exemplo, ao artista plástico Israel Pimenta, que interpreta Sam, o homem a quem Vera escreveu cartas noites a fio. As crianças também não são actores, vivem em regime interno no Instituto dos Ferroviários do Barreiro. Pablo, a personagem que Vera contrata para ser seu motorista e a acompanhar durante os dias em que está em tournée em Lisboa, é interpretado por Miguel Nunes que fez televisão - série "Morangos com Açúcar" - e é aluno do Conservatório.

Dois mundos

Em "Cisne" juntam-se os universos dos filmes anteriores de Villaverde. No mundo dos adultos podemos ver um prolongamento de "Água e Sal" (2001) e nas crianças, ecos das infâncias dos primeiros filmes da cineasta, que agora tem 45 anos. "Se calhar o que junta tudo isso sou eu. Vou mudando mas sou a mesma. Há coisas recorrentes mas sou a última pessoa a dar conta disso." Como já está a escrever o guião do próximo filme, está a sentir que "Cisne" é uma despedida de certos temas. "Dou-me conta que é a primeira vez que estou a escrever sobre crianças que falam como crianças, que são tratadas como crianças e que não carregam o peso do mundo às costas. Se calhar "Cisne" é uma despedida de uma série de coisas." Neste filme há também uma escrita mais poética, que surge através dos diálogos, dos tempos e da música. As canções - uma antiga e outra inédita, interpretadas por Ana Moura - são de Chico Buarque. Teresa enviou o guião ao brasileiro (que foi actor em "Água e Sal") e pediu-lhe três canções. Acabou por só receber uma inédita, "Nina" - interpretada por ele no útimo disco, "Chico".

À medida que os anos passam Teresa sente-se mais à vontade para encontrar o tempo que acha ser o do filme. "O lado poético está nas palavras, está nos silêncios e está na cara das pessoas e nos olhares. É também o tempo calmo que o cinema às vezes tem e que este filme tem." A maneira como são filmadas as casas e os seus espaços lembra o cinema de Michelangelo Antonioni. "Tanto a parte urbana como a natureza estão tratadas pela câmara da mesma forma, com a mesma atenção, o mesmo cuidado. Quis que as pessoas, as coisas, os animais fossem todos tratados com igual respeito. As personagens talvez se sintam mais atraídas para o espaço da natureza mas também não se sentem fechadas na cidade. Como grande parte do filme se passa de noite, tudo parece maior".

Neste filme, rodado em Lisboa ou perto da capital, as personagens têm insónias. "À noite é tudo mais calmo e há menos gente. As personagens são livres de irem para onde quiserem, não têm nem limitações das regras sociais, nem limitações financeiras. Fazem o que querem." Todos têm um desequilíbrio, "uma coisa interna de cada um deles", que estão a viver no momento em que se passa o filme. "Mas ajudam-se uns aos outros só por se terem conhecido e terem tido tempo de olhar uns para os outros".

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