Do fanatismo

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Quando Bin Laden foi morto há uns meses atrás, muitos notaram que ele vivia praticamente como convidado do Exército paquistanês. Alguns escreveram-no. Mas ninguém, ou quase, registou o significado por detrás desse facto, a saber: que a imagem do terrorismo com que tínhamos vivido durante uma década não batia certo com a realidade.

Essa imagem era a de que a Al-Qaeda inaugurava um tipo de terrorismo novo, até então apenas visto nos filmes: o de uma organização não-estatal espalhada pelo mundo que usava o terror para atingir objetivos geopolíticos - o estalar de uma "guerra de civilizações" ao instaurar de um "novo califado". Acreditámos nisso e, crucialmente, os seguidores da Al-Qaeda acreditaram também.

Na verdade, Bin Laden era um terrorista muito mais tradicional do que fomos levados a crer. Se virmos bem, ele sempre se instalou e trabalhou com a conivência de Estados e potências internacionais, servindo colateralmente os seus interesses. No Afeganistão, com apoio da Arábia Saudita e dos EUA, contra a URSS. No Sudão, cujo regime o aceitou e depois repudiou. No Afeganistão, com a cumplicidade ativa do mullah Omar. E, finalmente, no Paquistão, trabalhando para desestabilizar o Afeganistão e chantagear os EUA.

Anders Behring Breivik, o terrorista que fez explodir edifícios do Governo norueguês como manobra de distração para poder chegar a uma ilha e massacrar dezenas de pessoas num acampamento de jovens de esquerda, tencionava ser o contrário de Bin Laden. Num vídeo e num manifesto de baixa categoria que nunca teriam chamado a atenção de ninguém, caso o seu autor não tivesse massacrado dezenas de filhos de outras pessoas, Breivik clamava contra os muçulmanos e declarava-se "monoculturalista". Na verdade, o mesmo fanatismo de Bin Laden, organizado de maneira diferente.

Este terrorismo também não é novo (lembrem-se de Oklahoma), mas diferentemente de Bin Laden não precisa da conivência de um Estado ou parte dele. Uma organização terrorista grande dificilmente escapa à atenção de um Estado - para a apoiar ou para a perseguir. Um atentado destes, a não ser planeado numa grande solidão ou num grupo muitíssimo restrito, dificilmente poderia passar sem ser descoberto.

Estas precisões são importantes para nos preparar para o debate necessário, mas recorrente, que aí vem.

Só mantendo a calma poderemos identificar as soluções que permitem salvar centenas ou milhares de vidas. Se tivéssemos avaliado corretamente a Al-Qaeda, teríamos percebido que para a resolver não precisaríamos de invadir dois países, mas de entender melhor um: o Paquistão. E se as polícias adaptarem os seus protocolos ao que aconteceu na Noruega (por exemplo, prestando mais e não menos atenção aos alertas aparentemente secundários, quando um primeiro ataque terrorista poderá estar a servir de manobra de distração), podem salvar-se muitas vidas, sem custo para a democracia e as liberdades.

O resto compete a cada um de nós. O discurso intolerante e fanático encontra um solo fértil na negação da diferença e nas acusações que fomentam o medo. Na última década, o discurso anti-imigrante, anti-multiculturalismo e antiesquerda usou e abusou de metáforas de risco e destruição ("querem destruir a Europa", "estão a abusar da nossa paciência", "são totalitários") expressas em linguagem absolutista.

É preciso regressar ao espírito do pluralismo, que nos diz: eu prefiro uma sociedade em que estão todos um pouco errados do que a sociedade em que pelo menos uma pessoa detém a verdade absoluta.

Deputado independente do Parlamento Europeu (http:/twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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