Jane"s Addiction encerram com estrondo: sex, drugs & rock"n"roll

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Perry Farrell, o vocalista andrógino e provocador dos Jane"s Addiction fotos: miguel manso

No último dia, sábado, os Jane"s Addiction encarnaram o lado marginal do rock e uns vorazes TV On The Radio deram um dos melhores concertos do festival, juntando-se aos de James Blake, Grinderman, Fleet Foxes ou Primal Scream

A enchente provocada pelos Coldplay, como seria de esperar, não se repetiu. Ao longo de quatro dias, a organização do Optimus Alive estima que tenham passado pelo Passeio Marítimo de Algés 160 mil pessoas, abaixo das 170 mil previstas. A banda de Chris Martin foi, porém, um caso à parte, qual concerto isolado no contexto do festival. Naquele primeiro dia, quarta-feira, foi como se nada mais existisse que os autores de Clocks. Depois, o Optimus Alive entrou na normalidade, apesar de o público ter decrescido lentamente em número até ao último dia, sábado, esse em que os Jane"s Addiction, banda maldita do rock, fez do palco um cerimonial de sexo e provocação, e em que os TV On The Radio, vorazes como nunca os víramos, deram um dos grandes concertos do festival.

Mas reformulemos. Normalidade depois do dia dos Coldplay? A presença generosa de gente vinda de outras paragens, sinal do carácter internacional do Alive, manteve-se como em edições anteriores. Continuou também a política de equilibrar consagrados apelando às massas, os nomes cimeiros do palco principal, com a aposta em nomes relevantes ou em ascensão do panorama actual, nos secundários. Mas a edição 2011 ficará marcada pelo cancelamento de três concertos no palco principal, sexta-feira, depois de terem sido detectados problemas numa viga, o que punha em risco a segurança de músicos e público. Desesperaram os fãs adolescentes dos 30 Seconds To Mars, que só a minutos da actuação se iniciar, já com duas gruas montadas para suportar a estrutura de palco, tiveram como certo que veriam mesmo Jared Leto. Surgiram depois os Chemical Brothers, para devolver uma sensação de normalidade a um dia anormal. Mas, provavelmente, muitos demoraram tantas horas a aperceber-se do problema, quantas esperaram pelo início do concerto os fãs dos 30 Seconds To Mars.

Isto porque, depois dos Coldplay, o público dividiu-se pelos três palcos para acompanhar os concertos que seleccionara entre as centenas disponíveis. Entre eles, destacaram-se James Blake e Anna Calvi, no primeiro dia, Primal Scream, Iggy & The Stooges e Seasick Steve, quinta-feira, Fleet Foxes e Grinderman, sexta. Quase todos aconteceram no Palco Super Bock, que, quanto à história do festival, é tudo menos um espaço secundário (daí escrevermos que muitos só se terão apercebido tardiamente dos cancelamentos). Aumentado e com som melhorado nesta edição, uma necessidade óbvia perante as enchentes transbordantes dos anos anteriores, nele vimos aquilo que maioritariamente aconteceu de mais relevante (falta agora, nas próximas edições, isolá-lo do som das tendas e palcos em redor). No dia de encerramento do festival, porém, não se colocou a questão do isolamento - o alcance dos décibeis impediu a violação do espaço sonoro.

Os Wu Lyf estiveram longe de deslumbrar, mas aguçaram curiosidade para um concerto em nome próprio, os Linda Martini mostraram que são hoje uma máquina imparável ao vivo, equilibrando um certo sentido trágico com catarse eléctrica empolgante, os Foals vieram de Oxford para transformar o legado pós-punk em festim exuberante, quais !!! que preferem os Cure ao funk, e os Diabo Na Cruz, convocados à última hora para substituir Dizzee Rascal (perdeu o voo e não embarcou até Lisboa), puseram largas centenas a "virar" o contagiante rock"n"popular de Os loucos estão certos ou Bom tempo. Antes deles, os TV On The Radio deram o melhor concerto que já lhes vimos em Portugal.

A música da banda de Brooklyn, dita cerebral pelo cruzamento inusitado de referências - são funk futurista e punk feroz, são pregação soul sem religião e electrónica nublada, são um trombone em espirais afrobeat e as guitarras de Kyp Malone e Dave Sitek em turbilhão Sonic Youth -, essa música, rejuvenescida no último Nine Types Of Light, ganhou ali, guiada pelo expressivo vocalista Tunde Adebimpe, um carácter visceral, urgente, que acabou com clareiras de mosh abrindo-se entre a plateia quando a inevitável Wolf like me se anunciou para a despedida.

Fugas

No outro centro da acção, o palco Optimus, os White Lies mostraram que, depois de pilhar descaradamente a memória dos Joy Division, apontam agora aos Interpol e aos Killers. Os Kaiser Chiefs, sem outras ambições que não serem fiéis representantes da longa tradição britânica, passaram por I predict a riot ou My God e recordaram-nos a distinção de uma linhagem que inclui The Who, Kinks, Undertones, Blur ou Oasis. Não é uma questão de criatividade - não se espere deles que nos deslumbrem com a excitação da descoberta -, mas de celebração descomprometida. À inglesa: a meio do concerto, o vocalista Ricky Wilson fintou os seguranças, saltou a vedação e correu até à barraca de cerveja mais próxima, numa fuga ao guião bonita de se assistir.

O grande momento, porém, chegaria com todo um outro tipo de homenagem. Às 23h30, duas mulheres em lingerie bondage desceram da estrutura superior do palco, suportadas por ganchos presos à pele. Pouco depois, Perry Farrell, o vocalista andrógino e provocador, e Dave Navarro, o guitar-hero muito másculo, davam arranque à viagem pelo wild side da LA de todos os excessos em que a banda nasceu no final dos anos 1980. Farrell, mefisto sedutor, deu goladas abundantes da garrafa de vinho que o acompanhava e cantou naquele registo próximo do falsete que é o ying para o yang de Navarro, os riffs e os solos de hard-rocker contaminado por groove funk. Tocaram os clássicos, de Been caught stealing a Stop!, de Ocean size a Sex is violent, e apresentaram o primeiro single do álbum que sairá nos próximos meses, End to the lies.

O lado marginal da vida

Um concerto dos Jane"s Addiction é uma passagem directa para o universo mitificado de sex, drugs & rock"n"roll. Uma parada de excessos liderada por esse inigualável Perry Farrell que apalpa o baixista, que abraça as bailarinas bondage, que lança a uma rapariga do público: "não, ela não quer o meu vinho, quer o meu cachecol" - "e quer-me a mim". Magnífico poseur que salta, rasteja e sorri um sorriso diabólico, acabaria o concerto, depois do encore com a acústica Jane says, com outro tipo de sorriso. Sincero. Farrell estava felicíssimo por estar ali, personalidade cantando o lado marginal da vida no palco principal de um grande festival de Verão.

Ainda faltavam os Duck Sauce de Armand Van Helden e A-Trak e o inevitável hit de Verão Barbra Streisand, mas o fogo-de-artifício já fora lançado. Chamava-se Jane"s Addiction e rebentara com estondo. Os Duck Sauce foram apenas o penoso apanhar das canas.

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