Lada prepara entrada nos tempos modernos com a ajuda da Renault

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Cuba era um dos grandes mercados da marca russa DESMOND BOYLAN/REUTERS

A marca que foi um símbolo da indústria automóvel soviética durante a Guerra Fria quer recuperar o terreno que perdeu para a concorrência. O objectivo é duplicar as vendas até 2020

"O que é um Lada no cimo de um monte? Um milagre. E o que são dois Ladas no cimo de um monte? Ficção científica." Esta é uma das muitas piadas associadas à Lada, marca soviética dos tempos da Guerra Fria que sobrevive até hoje nas mãos da Avtovaz, e se prepara agora para lançar no esquecimento esse vasto património de anedotas e entrar nos tempos modernos, com a ajuda da Renault. O objectivo, para já, é combater a concorrência estrangeira na Rússia, com o lançamento de sete modelos nos próximos três anos.

A Renault tornou-se dona de 25 por cento da Avtovaz em 2008 - quando o governo de Putin desistiu de aguentar sozinho a decadência do fabricante automóvel - e está a colaborar no desenvolvimento dos novos modelos. Alguns irão replicar automóveis anteriores à era Gorbachov, num apelo saudosista.

Em causa está um investimento que ronda os 3500milhões de euros, que inclui o desenvolvimento de uma plataforma de baixo custo e que servirá para ajudar a marca soviética a defender a liderança no país-natal - onde representa 24 por cento do mercado, mas está seriamente ameaçada pela concorrência de marcas como a Ford e a General Motors.

Isto quando se prevê que a Rússia se poderá transformar no líder das vendas automóveis na Europa, dentro de poucos anos, e em 2010 terá registado vendas na ordem dos 67.2 00 milhões de dólares (47.100 milhões de euros). A meta da Avtovaz é duplicar a venda de veículos até 2020, face aos 564.000 em 2010.

Mas apesar das dificuldades que a casa-mãe da Lada continua a enfrentar, já são distantes os anos de maior decadência da marca nascida no final dos anos 1960, na altura em aliança com a Fiat. O primeiro modelo copiava o Fiat 124 e foi o congénere soviético do "carro do povo" da Volkswagen para os países que ficavam para lá da Cortina de Ferro. O maior sucesso deu-se nos regimes comunistas, em países como Cuba ou a Alemanha de Leste, mas vendeu um pouco por todo o mundo, e um dos grandes atractivos era precisamente o preço. [Outro motivo de piadas sobre a marca: "Como se duplica o valor de um Lada? Enche-se o tanque de combustível."]

Havia outras contrapartidas menos simpáticas: modelos que foram ficando cada vez mais fora de moda, nada de vidros electrónicos ou tecnologias modernas, manchas de ferrugem que surgiam em poucos meses. Mas apesar destes handicaps, até 1990 construiram-se quase 20 milhões de Ladas e mais de metade venderam-se fora da União Soviética. A marca chegou à Europa, à Austrália, ao Canadá. E também a Portugal, onde, em meados dos anos 1990, a Lada Comércio de Automóveis era o importador e distribuidor oficial.

A decadência terá começado com a implosão do império soviético, em 1991. Mas agravou-se com o colapso da indústria russa, as directivas europeias mais apertadas, e também o acesso fácil ao crédito automóvel.

Em meados dos anos 1990, recorda o Washington Post, a fábrica de Togliatti, ao pé do rio Volga, só se mantinha de portas abertas porque trocava carros já montados por peças de fornecedores ou alimentos e roupa para os operários. Os apoios de Estado, superiores a mil milhões de dólares, foram ajudas preciosas.

Fãs portugueses

Também em Portugal, onde se vendiam os modelos Niva (todo-o-terreno) e Samara, as receitas foram caindo. Em 1992, a Lada tinha comercializado mais de 1000 veículos. Já em 2000, último ano em que há registo de vendas de novos automóveis da marca, contabilizam-se apenas dez Ladas, dos quais oito todo-o-terreno (Niva). O importador português também encerrou.

No entanto, mais de dez anos depois, ainda se mantém activo um clube português de fãs do Lada Niva, que organiza encontros regulares e tem um fórum na Internet. Este património "nivista" motivou também o aparecimento, em 2006, de uma empresa distribuidora de peças da Lada em Portugal, a Magerit. E apesar de não ser representante oficial do fabricante russo, esta firma da Guarda também vende carros da marca se houver procura.

O problema, admite o director da Magerit, José Rodriguez, é que os preços hoje são muito mais elevados do que há 15 anos, quando um Lada custava menos do que 5000 euros. "Em Portugal, venderam-se muitos Nivas e Samaras, mas acabaram porque já não era rentável". Hoje, o imposto automóvel sobre estes veículos faz com que, segundo este responsável, um custo de 8000 euros para o distribuidor se transforme num preço final de venda de 24.000 euros.

Mas aos poucos, a Avtovaz prepara o regresso aos tempos áureos. Muitos fãs, dentro e fora da Rússia, esperam que a Lada (que significa "amada") não se transforme num Dorian Grey dos tempos modernos, trocando a alma por uma aparência rejuvenescida.

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