Oprah - E agora, a quem vamos nós contar a nossa vida?

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A guerra contra a obesidade: conseguiu ir dos 107 para os 72 kg, mas os problemas emocionais e de saúde fizeram-na engordar outra vez MIGUEL RIOPA/Afp

Sim, há um próximo capítulo. De noite, em vez de dia. Com celebridades, em vez de gente comum. E fora do estúdio, que era tão acolhedor. O Oprah Winfrey Show, no ar há 25 anos, termina na quarta-feira. Os americanos - as americanas - vão fazer o luto pela perda, que é tremenda. E ela começa uma segunda vida, esperando que o "factor Oprah" ainda lhe pertença.

Oprah vai-se embora. Quem convidou para a festa de despedida? As celebridades favoritas, Tom Cruise, John Travolta, Will Smith e Jennifer Aniston? Talvez os presidentes: Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama. Ou os Black Eye Peas, que entupiram Chicago.

Servirão eles para a rainha da auto-estima americana dizer adeus. Oprah é única, e única - rara, histórica, irrepetível - terá de ser a sua despedida, no dia 25 de Maio. Os programas já foram gravados, num palco montado num estádio de Chicago e vamos manter a surpresa e não revelar.

Uma ideia possível seria juntar os homens e as mulheres que fazem o mesmo que ela, que apresentam talk shows emocionantes e emocionais em horário diurno e que são, na medida do possível, os seus rivais. Phil Donahue, Ricki Lake, Montel Williams, Geraldo Rivera, Sally Jessy Raphael. Mas esse momento histórico já aconteceu, em Novembro do ano passado, para celebrar o 24.º aniversário do programa. "Só 110 pessoas tiveram o seu próprio programa. Poucos foram os que conseguiram instalar-se na casa das pessoas. E nunca tínhamos estado juntos numa sala", disse Oprah, que brindou com champanhe junto às vedetas da televisão americana - ela é uma estrela.

É mesmo, é um dado incontornável. O seu programa está no ar há 25 anos, não há quem lhe negue uma entrevista, ganhou 32 Emmy, 12 deles consecutivos, e só uma vez, uma única vez, os casos do tribunal de Judge Judy lhe passaram à frente.

Facilmente poderia estar no ar mais cinco, seis, dez anos. Mas vai-se embora porque "os ossos e a alma" - lhe disseram que era "o momento certo". Não é bem assim, mas já lá iremos. Para já, desmontemos Oprah e a complexa teia emocional que a tornou numa personagem planetária.

Oprah deu origem a uma palavra no dicionário urbano ("oprahização"), deu origem a uma expressão ("o factor Oprah") e ganhou o título de ícone máximo da cultura popular americana. A frase aparece nos livros, artigos e teses universitárias (encontrámo-las por todo o lado, do mundo hispânico a Israel) que se escreveram sobre esta personagem. Terá algum significado?

É uma frase cliché, explica à Pública Howard French, jornalista do diário The New York Times, fotógrafo e professor na Faculdade de Jornalismo da Universidade de Colombia, em Nova Iorque. Mas que quer dizer que "ela é vista como a incarnação de uma história de sucesso que só pode acontecer na América, e que é mais ou menos reconhecida universalmente por isso".

Dos vários livros sobre Oprah - e todos têm um lado biográfico porque o seu percurso de vida é muito relevante para o seu sucesso -, talvez o que melhor explique este fenómeno mediático seja Oprah, Celebrity and Formations of Self, de Sherryl Wilson, professora de media e identidade cultural na Universidade do West of England. O que Wilson estuda é a personagem Oprah e a forma como beneficiou da cultura popular para criar uma identidade própria. É essa identidade e a projecção da sua normalidade junto da audiência que explicam o êxito estrondoso que conseguiu desde que apareceu nos ecrãs, numa estação local de televisão de Baltimore, em 1985.

Oprah - diz Sherryl Wilson à Pública via email - apresenta-se como uma pessoa banal, normal, que partilha experiências e faz pequenas confissões. Esse todo fá-la ter, aos olhos do seu público, um ar "autêntico", como escreve Wilson. Oprah oferece confiança, portanto.

Além disso, puxa pelos seus milhões de espectadores, chama-lhes a atenção para o que é importante, diz-lhes o que mais ninguém lhes diz numa sociedade rápida e material. Que é para o ser interior de cada um de nós que devemos olhar, é por ele que devemos agir, é dele que advêm as mudanças e os sucessos. O que quer dizer que Oprah também oferece consolo.

Confiança e consolo - é por causa deles que o psiquiatra Ned Hallowell disse à estação de televisão ABC que a nação americana vai ter de passar por um período de luto. "As pessoas apaixonaram-se por este programa... associam-no a um tempo de estabilidade e [a falta dele] vai abalar as suas vidas. E as pessoas vão precisar de fazer o seu luto."

Ned Hallowell não exagerou, com o fim do Oprah Winfrey Show, a quem é que vamos contar as nossas vidas? A nação americana vai entristecer-se e nunca conseguiremos, em Portugal, perceber o impacte da decisão da rainha da conversa (outra frase para a definir), porque vemos o programa, que passa na SIC Mulher, fora do seu contexto social e cultural.

"Ela é um modelo a seguir não só para mim, mas para milhões em todo o mundo. Ela é o modelo do que podemos ser se o quisermos mesmo ser. Ela é o zénite do que podemos ser enquanto seres humanos", disse uma seguidora fiel, Marianne Douglas, que teve a sorte de receber um bilhete para a gravação do último programa, que lhe foi enviado porque fundou uma associação anti-bullying depois de ver um episódio temático de Oprah. A Harpo - a produtora, que em parte pertence à apresentadora - recebeu milhares de pedidos de bilhetes e deu perto de 150 mil.

20 milhões de espectadores

Oprah diz aos que a vêem - uma média de 20 milhões por episódio só nos EUA; o programa passa em 132 países -, sobretudo mulheres, que devem sentir-se bem. Puxa pela auto-estima, ensina-lhes a gostar do que têm, dá-lhes a receita para se sentirem bem. E, durante um par de horas, os espectadores sentem-se realmente bem, sentem-se inspirados, acreditando que tudo é realmente possível, se tiverem tempo, energia, vontade. E preenchem, nesse sonho, um bocado do vazio que mais um dia desperdiçado lhes deixou - não é por acaso que o Oprah Winfrey Show começa às quatro da tarde, a hora em que já se foi buscar os filhos à escola ou que, insatisfeitos, sabemos que a escuridão vai chegar e passar mais um dia igual aos outros.

O estilo Oprah é inigualável e nasceu com ela - é um habilidade natural saber jogar com a nossa circunstância para provocar as emoções certas nos outros.

Oprah Gail Winfrey nasceu no Mississípi rural a 29 de Janeiro de 1954. Foi educada pela avó, que a ensinou a ler aos três anos, e chamavam-lhe "a pregadora" porque recitava com habilidade fragmentos da Bíblia. A miúda cresceu num tempo que foi mau e bom para ela. Era pobre, mas o fim da segregação dos negros, na década de 1960, permitiu-lhe ir estudar para um dos melhores liceus do Wisconsin. E, por ser aplicada na escola, foi escolhida para preencher a quota de alunos negros de uma escola da classe média-alta.

Os colegas brancos e endinheirados gostavam de ter aquela "amiga" negra.

A rapariga pobre ia jogando a cartada da raça e avançava por entre a mancha branca - pertenceu ao grupo de teatro da Faculdade do Tennessee e entrou no grupo de animadores de rádio da escola.

Voltou a jogar as mesmas cartas para frisar a sua luta: "Fui uma criança negra que se sentia isolada e não amada. O sentimento que mais tinha em criança era a solidão", disse à revista online Slate. Não amada, mas popular porque era "giro" ter amigos negros; com solidão, mas participativa, porque era "giro" ter negros nas actividades, como escreveu Kitty Kelly na biografia de Oprah Winfrey. Experimentou drogas, engravidou aos 14 anos (a criança morreu pouco depois de nascer), foi enviada para o pai e acabou numa estação de rádio de Baltimore, onde fez sucesso pela forma fácil como se expressava e se relacionava com os ouvintes, e dali saltou para a televisão.

A América em mudança

1968. É o ano charneira no percurso de Oprah Winfrey, segundo os especialistas em cultura americana. Foi o momento em que começou a nascer a que seria a sua futura audiência, o ano da morte de Bob Kennedy e de Martin Luther King, da eleição de Richard Nixon, dos protestos estudantis e da alvorada das correntes que defendiam a descoberta do ser interior, do autoconhecimento, da espiritualidade. O ano em que a estrutura tradicional da sociedade americana - o pai, a mãe e os filhos - se começou a desfazer. Kitty Kelly conta o percurso dela no seu livro Oprah.

De Baltimore, Oprah parte para Chicago e com um objectivo: vencer na televisão e ultrapassar o programa de Phil Donahue, o seu modelo. "Se não tivesse existido o Phil Donahue Show, não teria havido o Oprah Winfrey Show", disse no programa em que o entrevistou.

Phil Donahue começou numa estação de televisão do interior da América. Sem os recursos dos apresentadores de Nova Iorque e Los Angeles - sobretudo sem entrevistados ou artistas de impacte nas imediações que pudesse convidar -, criou um modelo de programas temáticos. Aos espectadores, explicaria o que o incomodava, entrevistaria especialistas, poria as questões relevantes em debate, do nuclear aos direitos dos consumidores. Quando transitou para Chicago, manteve o formato.

Donhaue, segundo uma análise da Slate comparando o paradigma de ambos os apresentadores, "respeitava a audiência", que era principalmente formada por mulheres que viam televisão durante o dia. Com Oprah, a temática mudou, passou a ser a pessoa - o self . "A diferença entre mim e Donahue sou eu", disse Oprah.

Nos anos de 1980, reinventava-se a televisão, até aí protagonizada por homens e mulheres bonitas - alguém viu o filme Anchorman: The Legend of Ron Burgundy? Oprah era mulher, era negra e, ainda por cima, sofria de outro mal: era rechonchuda e não especialmente bonita. O que fez? Pegou no modelo de Phil Donahue e ajeitou-o à imagem da nova sociedade que emergia, onde as mulheres lutavam para criar o seu próprio mundo - interior e exterior -, avançavam pelo mercado de trabalho não por necessidade mas para terem uma profissão e uma carreira que as realizasse, onde a família tradicional entrava em decadência porque as pessoas procuravam a felicidade e em que os grupos minoritários (os negros, os homossexuais) exigiam espaço para se fazer ouvir.

"Ela surgiu na altura certa, a meio dos anos de 1980. O programa estava em sintonia com o tom da era Reagan - pós-direitos cívicos, pós-feminismo; e, com uma mensagem de autodeterminação, e de sarar as feridas, redenção através da auto-ajuda e da confissão/desabafo, ajustou-se perfeitamente a esses tempos", explicam por email Janet McCabe e Kim Akass, co-fundadoras do site Critical Studies in Television e ambas académicas na Universidade de Londres.

Temas marginais

Onde Donahue falava de direitos dos consumidores, Oprah falaria de homossexualidade, de mães adolescentes, de orgasmos, de transsexualidade... e de si, em pequenas doses e sobre alguns assuntos bem planeados. Se ela o fazia, por que não o convidado corresponder, emocionar-se, expor-se, chorar, se fosse o caso? E começou a "oprahização" da América, que se estendeu à política, à justiça, a todos os sectores. O programa que apresentava em Baltimore tornou-se no maior êxito da estação local, pelo que Oprah fez as malas e avançou para Chicago para repetir a receita.

"Para mim, o que o estilo "confessional" dela fez foi dar voz aos que, antes, não tinham oportunidade de se fazer ouvir - as mulheres trabalhadoras, as mulheres de cor, os que tinham diferentes orientações sexuais. Claro que uma das maiores críticas aos programas como este é a exploração social dos "marginais" e usá-los em proveito próprio. A diferença de Oprah é que gostava destas pessoas", explicam Janet McCabe e Kim Akass. E disse-lhes que não estavam sozinhas, reforça Wilson.

A sua narrativa de vida, explicam as especialistas da Universidade de Londres, mistura opressão e história pessoal e está fortemente enraizada na tradição autobiográfica da América africana; veja-se os casos de Maya Angelou ou Alice Walker. O que Oprah fez com grande brilhantismo, prosseguem as especialistas em media e cultura popular, foi trazer essa tradição (sobreviver com harmonia e perdão) para o mainstream sem alienar as audiências, conseguindo passar uma série de valores tradicionais e aplicá-los a tudo o que se faz, "seja a fazer um bolo ou a salvar crianças em África".

Os americanos - as americanas - olhavam para Oprah e viam-se na televisão, como se a apresentadora reunisse nela todos as lutas sociais. "Ela veio de um meio socialmente desvantajoso, foi vítima de abuso sexual, batalhou contra o peso e contra a baixa auto-estima. Mas, através da educação, da determinação e da fé, superou-se. Ela corporiza a narrativa do sobrevivente. E é nessa sobrevivência e através dela que somos convidados a ganhar consciência de nós próprios e dos problemas dos outros. Unimo-nos através da compreensão e da empatia", explicam as duas especialistas britânicas em cultura e televisão.

Testemunhos retirados do site do Oprah Winfrey Show: "Por que chegaste ao meu coração tantas vezes e de tantas formas, ofereço-te parte do meu coração"; "Oprah, muito obrigada pelos muitos anos de crescimento e aprendizagem... [o programa] é o momento de serenidade que tenho todos os dias e onde readquiro o meu equilíbrio."

"A sua ascensão moldou o tom do programa. Do tom confessional à aceitação do bem-estar espiritual, deste a uma líder guru, professora (particularmente nos temas da raça e da política racial), o programa pegou nos temas e tornou visível a nova ideia do sonho americano numa nova era", dizem Janet McCabe e Kim Akass.

O drama do peso

O que se vê no programa, hoje, é uma sofisticação dos princípios iniciais. Oprah entrevista vítimas de violação, pedófilos (vítima ela própria, faz as perguntas que todos têm na cabeça), mulheres famosas traídas pelos maridos (como é que conseguiste perdoar?), actores apaixonados (Tom Cruise saltou em cima do sofá no palco, perdido de amores por Katie Holmes), actores favoritos (pôs John Travolta a dançar com a assistência, um sonho). Fala com pessoas que tiveram iniciativa e criaram programas comunitários - da jardinagem ao anti-bullying). Oferece prendas - num programa ofereceu um carro a cada pessoa na plateia - e reforma casas.

Uma convidada frequente é Kirstie Alley, a actriz que decidiu ser gorda para poder comer e, agora, obesa, se esforça por perder peso. Oprah partilha esta luta - ultimamente parece ter-se rendido e, ao longo dos anos, foi-se vendo como o seu belíssimo guarda-roupa (para já não falar nos sapatos Louboutin que ficam bem na TV porque se vê a sola vermelha) foi alargando.

Uma capa da sua revista, O, mostrava o antes e depois e perguntava: como é que eu deixei isto acontecer outra vez? "Em 1992, atingi o meu peso máximo, 107 quilos. Tinha 38 anos. Decido perder peso e, em 2005, consegui ficar com 72,5 quilos. Pensei que tinha acabado, para mim, a luta contra o aumento de peso. Tinha conseguido. Tinha tanto a certeza que até fiquei vaidosa. Tive a lata de dizer a amigos que continuavam a sua luta que tudo o que tinham a fazer era trabalhar no duro e comer menos", escreveu na revista que tem a particularidade de ter sempre a apresentadora na capa, o que explica em parte que venda 2,4 milhões de exemplares por ano.

Oprah falou sempre muito claramente sobre o seu peso, sobre a necessidade de se reconfortar com comida - batatas fritas são a sua perdição - e, aos 57 anos, anunciou que, além das questões emocionais com que se debateu, teve problemas de saúde que fizeram a balança voltar a subir até aos 90 quilos.

Além da obesidade, Kirstie Alley tinha outro problema que Oprah fez desaparecer: desleixo. A sua casa, mostrada ao pormenor num dos programas, era literalmente um galinheiro. Os bichos passeavam pelas assoalhadas, a sala era medonha, a cozinha problemática. Oprah enviou-lhe uma das suas últimas descobertas, o decorador Nate Berkus. É possível que Nate - que percorre o país decorando casas de famílias que têm a sorte de ser escolhidas por Oprah - esteja na grande despedida. Assim como o dr. Phill (o "psiquiatra da América", um dos primeiros colaboradores do talk show), o dr. Oz (o "médico da América"), Bob Greene (o treinador de Oprah e das milhares de pessoas que participaram nos seus planos de emagrecimento e exercício), Lisa Ling (a repórter de Oprah), Suze Orman (a consultora) e Gail King (a amiga).

Gail é hoje a directora da O. Numa das poucas entrevistas que alguma vez deu, perguntaram a Oprah em quem confiava. Em Stedman Graham, o companheiro, em Gail e em mais duas ou três pessoas que manteve anónimas. Mais uma acha no rumor sobre a verídica versão da relação da apresentadora com Gail e Stedman - um companheiro de fachada e gay para uma relação lésbica.

"Acredito de todo o coração que se não fosse uma mulher com excesso de peso esse rumor nunca teria começado. Se eu fosse esbelta e bonita, ninguém teria dito uma coisa dessas. O que as pessoas estavam realmente a dizer era: por que razão estaria um homem bonito e heterossexual com ela? Foi um período muito difícil", disse numa entrevista à apresentadora Barbara Walters.

"Gail é a mãe que eu nunca tive, a irmã que eu nunca tive. É a amiga que toda a gente merece ter", explicou, contando que a história lhe provocou ataques de pânico: "Acordava a meio da noite com dores no peito." Stedman, explicou, ficou triste e zangado, ele que definiu como o homem que nunca lhe partiu o coração - outros três, anteriores, partiram.

Ferir Oprah é, nos Estados Unidos, quase um acto político. Ela é uma das mulheres mais influentes - com frequência está no topo da lista da revista Forbes das mais ricas, poderosas, influentes - do país. No que Oprah toca, acontece um efeito. Repare-se no seu Clube de Livros, que transforma qualquer obra num best seller.

O preconceito de Frazen

"Ela começou por perceber que existiam nichos por preencher na televisão americana. Primeiro percebeu a vontade dos negros e a receptividade dos brancos para que surgisse uma personalidade negra que conseguisse ter um programa do género talk show que agradasse às grandes audiências. Mais tarde, percebeu quão pouco era o espaço dado aos livros pela cultura popular, e tornou-se numa presença poderosa da literatura através do Clube de Livros", diz Howard French.

Mas se a maior parte dos autores se sentiu agradecido por uma menção, alguns não gostaram de ter, literalmente, um selo do clube de livros da Oprah colado na capa dos seus livros. Jonathan Frazen escreveu um texto argumentando que o selo iria dissuadir os homens de comprarem o seu livro Correcções: "Preocupo-me - ou melhor lamento -, mas eu tinha alguma esperança de chegar ao público masculino e ouvi em várias sessões para autógrafos dizerem-me: "Se não o tivesse ouvido, nem teria pegado no seu livro porque é uma das escolhas de Oprah"." Recebeu um convite para o programa, recusou e a polémica tornou Correcções num dos livros mais vendidos da década passada nos EUA, com Frazen a acabar a agradecer a Oprah pelo "entusiasmo" com que endossou o seu livro.

Outro exemplo: os produtores de carne de Amarillo processaram-na, em 1996, por ter dito num programa que não comeria carne devido à doença das vacas gordas. O prejuízo, disseram os queixosos, vai ser imenso: "Um comentário negativo de Oprah Winfrey pode abalar a nação e afastar os consumidores da carne de vaca", disse o advogado, mas os produtores perderam a acção.

Uma mulher política

Ao contrário do que é comum ouvir-se - esta é uma história de sucesso porque se manteve à margem de tudo o que é político. Janet McCabe e Kim Akass consideram que, ao longo dos anos, Oprah tornou o programa mais e mais político. "Sempre foi (no fazer mais do que no dizer), só que agora ela é uma opinion maker altamente respeitada (pela esquerda) que pode ajudar (até salvar) carreiras, mudar a forma como a América pensa sobre alguns temas (desde filmes que lidam com temas de raça, por exemplo Precious, até à eleição de Barack Obama)", explicam as duas académicas.

Publicamente, Oprah desvaloriza o que a liga à palavra "poder". "Há tantas definições de poder como mulheres para o exercer", disse. "Para mim, não há verdadeiro poder sem poder espiritual. Um poder que nasce de dentro de nós e que reflecte tudo aquilo que somos. Um poder que está ligado à fonte de tudo. Quando vemos este poder, que faz brilhar uma pessoa, é irresistível, inspirador, eleva-nos. Às vezes, consigo senti-lo em mim, quando partilho um pensamento que sei que terá impacte na vida de outra pessoa e que é interiorizado. E tenho verdadeiro prazer em ajudar outras pessoas a ter momentos em que se espantam. É aí que o meu poder reside", escreveu Oprah na O, pondo os 2,7 mil milhões de dólares que vale no seu lugar (em 1984, recebeu 31 mil dólares, o seu salário é hoje dez vezes mais). É uma verdadeira magnata da comunicação, com a produtora Harpo e os seus imponentes estúdios, a estação de rádio Oxygen e, agora, uma estação de televisão. E uma filantropa: com a Angel Network, dá bolsas de estudo a alunos carenciados e, preferencialmente, negros; com a Academia de Liderança que construiu na África do Sul quer dar educação às raparigas e ensiná-las a ter um lugar numa sociedade em mudança.

Agora, a guru vai partir. Partir não é desaparecer, entenda-se. Porque o corpo lhe pedia e porque chegou a hora de se ajudar a si própria - o seu canal de televisão, nascido no dia 1 de Janeiro de 2011 e que não está tão bem como devia. O nome de Oprah não chega para fazer audiências. É preciso ter a estrela no ecrã para se conseguir o "factor Oprah", o que faz best sellers e ajuda a eleger presidentes.

Salvar a OWN

O programa diário, explicou a própria à revista Time, deixava-lhe dez por cento do tempo de trabalho para dedicar à OWN, uma associação com a Discovery Communication. Agora, estará a cem por cento e com um show novo, Oprah"s Next Chapter, e estreia-se no horário da noite. A apresentadora andará pelo mundo e levará amigos e celebridades com ela, para os entrevistar. "Ter a Oprah no canal é muito importante", disse David Zaslav, o CEO (presidente executivo) do Discovery. Por enquanto, o canal que nasceu de uma conversa com Stedman é um fracasso. Contou a apresentadora que estava a conversar, em casa, com o marido sobre a "porcaria" que a televisão é. "Ele respondeu: por que é que não crias a tua própria estação? E nessa noite [anos 1990] escrevi pela primeira vez no meu diário "OWN - Oprah Winfrey Network"."

Os índices de audiência dizem que é visto diariamente por 216 mil pessoas nos Estados Unidos, o que é uma insignificância.

E o que pensaram os directores da CBS, a casa-mãe do Oprah Winfrey Show? "É um golpe", disse Leslie Moonvers, directora executiva, mas adiantando que o impacte só será sentido em 2012.

"Oprah é uma força da comunicação social e não há uma única pessoa de quem possamos dizer "esta é a sucessora"", disse Larry Gerbrandt, um analista de médiada Media Valuation Partners de Los Angeles. "Vai ser um rombo menor do que seria há dez anos, mas a concorrência está a lamber os dedos", acrescentou, explicando que os outros canais obrigavam-se a construir as suas grelhas tendo em conta a existência diária do programa de Oprah.

"Sim, sempre soube que era um fenómeno. Mas não foi planeado. Os resultados do programa estão muito além do meu poder", disse a apresentadora recentemente, talvez advertindo os directores da OWN de que o futuro pode não ser fácil e que 32 Emmy não é coisa que se repita.

"O êxito dela explica-se pela sua inteligência, por acreditar nela própria e pelo momento em que apareceu", reforça Howard French. A televisão é, hoje, um mundo diferente e a televisão de qualidade que Oprah quer dar aos espectadores pode não pegar.

Na próxima quarta-feira, Oprah Winfrey começa uma segunda vida. A festa, essa, encerra a primeira, que começou no gabinete do director da televisão de Baltimore: "És um desastre. A tua carreira vai ser um desastre. Não tens o que é preciso - you don"t have what it takes. És mulher, és negra... E tens um nome forgettable - "esquecível". Suzy, experimenta Suzy. Suzy Winfrey."

E isso foi há 26 anos.

agferreira@publico.pt

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