O Rivoli também é café-teatro

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Está num teatro, por isso não admira que lhe tenha adoptado o nome. Quer ter um papel cultural e quer, sobretudo, marcar a diferença na noite da Baixa portuense. Pelo requinte, em versão restaurante e bar. Andreia Marques Pereira (texto) e Paulo Pimenta (fotos) andaram pelo Café-Teatro Rivoli para lhe conhecer a nova fisionomia - que é também uma nova filosofia

Mudou de nome porque "sim", mudou de rosto porque mudou de filosofia - e esta sim é a mudança verdadeiramente importante. De Café-Concerto Rivoli passou a Café-Teatro Rivoli e é fácil até entender o porquê, afinal está situado no quinto andar do Rivoli, teatro emblemático (e nos últimos anos, polémico) bem no coração da cidade do Porto. Café-teatro, portanto, mas é quase indiferente esta nomenclatura, diz Gonçalo Pontes, um dos responsáveis pelo "novo" espaço: antes e agora o que as pessoas dizem é "Vamos tomar algo ao Rivoli" e já está. Porém, ir agora tomar algo "ao Rivoli" é distinto e a responsabilidade cabe inteiramente ao novo espírito do local.

Entramos e custa-nos a visualizar o "antes". Não pela estrutura geral, que se mantém - as janelas que abrem para a Praça D. João I, o mezanino que se ergue no centro do espaço por debaixo da clarabóia quadriculada -, até o piano de cauda continua, elegante, a ocupar um lugar de destaque. Mas a decoração é outro universo e imediatamente se percebe que este café-teatro tem vocação mais noctívaga e que para trás ficaram as tardes a preguiçarem no espaço discreto de madeiras e crus e ambiente lounge. Agora, o negro, branco e cinza compõem a paleta de cores, a madeira quase desapareceu dando lugar aos couros, superfícies brilhantes de design irredutivelmente contemporâneos. E, como dissemos, não é uma questão (apenas) de forma; é uma questão de valores.

"Isto não é um desafio, isto é surreal", conta Gonçalo Pontes, que dois meses passados sobre a abertura (em Março) continua a contas com (quase) tudo - da programação ao restaurante, que deveria ter aberto em Abril, mas que de Maio não passará. Em princípio. Está a demorar, explica, pela dificuldade em coordenar o restaurante com o espírito do local. "Não podemos abrir para servir tripas ou rojões." "Tem de ser algo mais intimista." E, sobretudo, requintado, supomos, porque "requinte" é a palavra de ordem na boca de Gonçalo Pontes quando fala do "seu" café-teatro - ele e o sócio foram convidados a dinamizar o espaço. O que vemos foi feito à sua imagem, assume-o: "Se resultar, muito bem, se não..."

Não são neófitos nestas andanças, os dois sócios: Paulo Leonardo está há dez anos envolvido no negócio da restauração; Gonçalo Pontes, o nosso anfitrião, começou quase por carolice, para ganhar uns trocos enquanto estudava, e acumula seis anos de experiência com passagens por casas como o Bela Cruz, o Shu (vida curta no Edifício Transparente), Cerveja Viva, Estado Novo. Quando pensou que tinha "pendurado as botas" foi chamado, o Verão passado, ao Uluwatu, o "Sasha do Norte", diz, na praia de Leça da Palmeira, e este Verão sabe que não vai voltar lá ("vai repetir-se tudo, menos eu") - vai estar aqui, ao leme, do Café-Teatro Rivoli, a tentar impor um "conceito diferente" na Baixa do Porto.

"Aqui tínhamos de fazer algo diferente de toda a gente", afirma, "se não, abríamos um bar numa esquina e vendíamos cerveja a um euro" [a saber, a cerveja aqui custa 2,50?]. Esse algo de diferente tem laivos de missão - a de dar o tal "requinte" à Baixa. "Não tem muitos espaços assim", reflecte Gonçalo. O que não o impede de considerar "espectacular" o fenómeno que varreu esta zona da cidade. "Lá fora, vou aos centros das cidades e fico maravilhado", afirma, "aqui, agora, é igual". "E foi um movimento que começou de noite e já arrastou o dia", sublinha.

Contudo, diz, há muita gente (como ele próprio, reconhece-o) que não gosta do circular constante que este modelo de noite implica. "Há quem goste de estar sentado, a ouvir música." E, claro, é aqui que entra o novo "Rivoli". Em ambiente sofisticado e com um nível cultural que se pretende apurado - esperem-se espectáculos de stand-up comedy, exposições de artes plásticas (estas já começaram), concertos (já são regulares - esta noite: Happy Mess, às 23h30), apresentações de livros e outros eventos literários (em parceria com a editora Edita-me). Já aconteceram desfiles de moda (por isso, e pelos concertos, há "robots" de luz), outros já vêm a caminho. O resto virá lentamente, um pouco ao sabor da procura, do feedback dos clientes - por exemplo, não está colocada de parte a hipótese de o café abrir durante as tardes, unindo o horário dos almoços (será das 12h00 às 15h00) e dos jantares (a partir das 20h00).

Por enquanto, o horário é nocturno e em dois andamentos - prolonga-se ao fim-de-semana, quando entra ao serviço o DJ residente, Mário Kitty. Na verdade, já começa a dar música na quinta-feira à noite (que já se ponderou tornar-se "noite de estudantes"), que começa a ser "uma noite forte", numa cidade que durante a semana "é uma aldeia", na opinião de Gonçalo Pontes, logo, "difícil de trabalhar".

Se há então um DJ da casa a partir de quinta-feira, nos outros dias a música é uma espécie de "play list", a passear pela bossa nova, jazz, em típico ambiente de café ("música sempre a tocar, mas sem se perceber que a há"). Ao fim-de-semana, o café-teatro solta o cabelo - e isto aqui significa que o primeiro andar se transfere em parte para o mezanino (onde irá nascer o restaurante), deixando espaço para uma pista de dança informal - "Somos, queremos ser, um restaurante-bar, não um bar-discoteca, mas se a festa animar e se houver dança, não o impedimos" - animada pelas sonoridades-assinatura da casa, a saber, o pop, disco e os "flashbacks" de house comercial. "Não fechando a porta a uns eventos diferentes", salvaguarda Gonçalo Pontes: as primeiras sextas de cada mês são dedicadas aos anos 80, por exemplo, há revivalismo "flower power" também, entre outros. Longe, portanto, dos sons "rock alternativo e reggae" que compõem a paisagem musical desta baixa noctívaga, diz, onde "não há muita escolha de qualidade com esta música mais dançável".

A qualidade sempre a intrometer-se. "Que vai ao pormenor, desde a garrafa das bebidas como o whisky cola [a de coca-cola vai com o cliente], ao guardanapo debaixo do copo, ao pessoal vestido a rigor". E "começa pela imagem", "acolhedora e clean porque tinha de ser assim".

Já falámos da dieta colorida (os brancos têm justificação "pragmática": dá um apsecto "mais saudável, de maior profundidade"), não falamos das ilhas de mesas com maples de couro, ou, em versão baixa, com puffs, dos apoios de copos onde se espreitam restos de rolos do Fantasporto (que estava a decorrer enquanto se faziam as obras aqui), dos sofás brancos baixos de longas costas que preenchem as paredes, da ilha-balcão (almofadado branco) bem por debaixo da clarabóia (cujos vidros fazem de espelhos quando as luzes se ligam - iluminação tendencialmente suave), dos quatro plasmas, das fotografias a sépia do teatro por detrás de vidros fumados, dos lustres (revisão moderna do esplendor oitocentista), do "bar do sossego" - o terceiro bar, numa sala à parte, uma espécie de lounge onde a música não chega com a "vontade toda", define Gonçalo.

No bar principal, o mais comprido mas um pouco escondido, um expositor de "Möet et Chandon" dá o "toque de qualidade inerente" (também se vê o café Nespresso, cuja escolha seguiu a mesma lógica), há ainda uma cabina de DJ que fica ao lado do "palco" (quando há concerto; quando não há, são mais mesas e sofás defronte das janelas) e duas entradas: no rés-do-chão do edifício (discreta, ao lado das grandes portas envidraçadas do teatro) entramos para um espaço comprido com duas poltronas prateadas e negras, aparador e candeeiro de pé; saímos de elevador no quinto piso para uma pequeníssima sala na mesma linha da primeira, com espelho estreito, alto a mirar-nos - e só depois entramos na sala principal: "O "tcharan"", diz Gonçalo.

À porta, espere-se encontrar porteiro, "para receber, não para limitar entradas". Quer-se selecção no Café-Teatro Rivoli, mas esta faz-se "pelo próprio ambiente", considera o gerente. Quem se atrever, saiba que é um espaço aconselhado dos 25 aos 80 anos.

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