Contra a ciber-utopia

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Evgeny Morozov, o autor do livro Julie Dermansky/corbis/vmi

Evgeny Morozov escreveu um livro sobre o lado negro da liberdade na Internet. Se serve para os oprimidos, também serve aos opressores. A sua voz vem refrear ideias utópicas de que as redes sociais são a causa das revoluções. Antes de ter sido inventado o Twitter, elas já se faziam.

É recuando até Junho de 2009 que Evgeny Morozov, jornalista e autor do blogue Net Effect (como a tecnologia molda o mundo) da revista Foreign Policy, começa o seu livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (A ilusão da Net: o lado negro da liberdade na Internet), editado pela PublicAffairs. Lembra-nos que nesse mês milhares de jovens iranianos, "com smartphones nas mãos (e, os mais avançados, com auscultadores a funcionar por Bluetooth nos ouvidos)" saíram para as ruas para protestar contra aquilo que acreditavam ser uma eleição fraudulenta. Havia quem pedisse a demissão do Presidente, Mahmoud Ahmadinejad, e também quem achasse que o escrutínio tinha sido justo. Na verdade, a sociedade iraniana estava a atravessar a sua crise política mais grave desde a revolução islâmica de 1979 mas, recorda Morozov, não foi esta a história que os media ocidentais decidiram privilegiar.

No primeiro de uma série de posts que foram publicados no blogue da revista Atlantic por Andrew Sullivan lia-se: The Revolution will be Twittered (A revolução será "twittada"). O jornalista inglês radicado nos Estados Unidos assegurava que o Twitter tinha sobrevivido com "resultados notáveis" às tentativas do regime iraniano de calar outras formas de comunicação.

Essa opinião foi compartilhada por Jonathan Zittrain, académico da Universidade de Harvard e autor do livro The Future of the Internet and How to Stop It, para quem o Twitter tinha provado ser uma boa ferramenta para organizar pessoas e informação. Nessa onda de optimismo, Mark Pfeifle, ex-conselheiro de segurança de George W. Bush, chegou a lançar uma campanha para que se nomeasse o Twitter para o Prémio Nobel: "Sem o Twitter, as pessoas do Irão não se teriam sentido confiantes para lutarem pela liberdade e democracia."

No entanto, naquela época, poucos eram os iranianos que "twittavam". No seu livro, Evgeny Morozov cita iranianos e outras pessoas de expressão farsi que seguiram a blogosfera iraniana na altura e que o confirmam.

A conclusão é que se os media sociais podem servir, como se viu no Egipto, para organizar protestos, não se deve cair na tentação de aumentar a sua influência real. E quando se pensa nisto, referiu este jornalista e investigador à revista brasileira Época, não nos podemos esquecer de que fica bem passar a mensagem de que uma empresa privada americana está a ser usada para propagar pelo mundo a democracia e os direitos humanos.

Por outro lado, nunca é de mais recordar que os regimes que dão origem a estas revoltas também usam a Internet e as redes sociais para fins políticos. A rede permite que os cidadãos sejam vigiados pelos seus governos e, lembra Morozov, as redes sociais funcionam melhor para as ditaduras do que para os organizadores de protestos. Em poucas palavras: o poder do povo nas redes é efémero. Isto apesar de Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana, ter feito no dia 21 de Janeiro de 2010 um discurso sobre o papel da Internet e a sua importância para as relações externas, no qual defendia: "Precisamos de pôr estes instrumentos nas mãos de pessoas por todo o mundo que os vão usar para fazer avanços na democracia e nos direitos humanos." Como se daí viesse a salvação. Evgeny Morozov, que nasceu em Soligorsk, na Bielorrússia, em 1984, mas vive nos Estados Unidos desde 2008, considera uma ilusão pensar-se que os habitantes de países oprimidos quando estão na Internet procuram sites de direitos humanos e ONG para descobrirem as más práticas dos seus governos. Tal como os que vivem em democracia, os oprimidos também se divertem a procurar imagens de Gwen Stefani em roupa interior ou de Britney Spears despida ou vão à procura de filmes de Hollywood (de preferência de graça). A maioria navega na Internet em busca de entretenimento e não com o intuito de a utilizar como ferramenta política.

O novo mito

Morozov estudou o caso da Alemanha de Leste nos anos 1980, o único país comunista que tinha acesso a canais de televisão ocidental, e ficou surpreendido ao perceber que, na extinta RDA, não se procuravam notícias mas séries como Dallas ou Dinastia.

Na entrevista à Época, Morozov disse ainda que há uma tendência para olhar todos os cidadãos em Estados autoritários como equivalentes ao defunto dissidente soviético Andrei Sakharov. Que a primeira coisa que eles fazem quando se ligam à Internet é navegar em relatórios de direitos humanos. "Os internautas podem descobrir a verdade sobre o horror dos seus regimes, sobre o secreto charme da democracia, sobre o irresistível apelo dos direitos humanos universais, virando-se para os motores de busca do Google e seguindo os seus sábios amigos nas redes sociais como o Facebook. Por outras palavras, que os deixem "twittar" e eles irão "twittar" a saída para a liberdade", escreve Morozov, ironicamente, na introdução do seu livro, publicado em Janeiro nos EUA.

A ideia de que a Internet favorece os oprimidos mais do que o opressor veio daquilo a que este investigador convidado da Universidade Stanford chama "ciber-utopia". Criada nos anos 1990 por "antigos hippies" para quem "a Internet poderia dar-nos aquilo que os anos 1960 não nos deram: incentivar a participação democrática, provocar o renascimento de comunidades moribundas, fortalecer a vida associativa e servir de ponte entre jogar bowling sozinho e "bloggar" em conjunto. E se isto resulta em Seatle, de certeza que também resulta em Xangai."

Numa entrevista à revista argentina Ñ, Morozov adianta que se os jornalistas não se comprometerem a questionar escrupulosamente este novo mito (e a contradizê-lo, se for o caso) correm o risco de ter um efeito corrosivo na construção de novas políticas. Quando analisa os acontecimentos recentes na Tunísia e no Egipto, lembra que os regimes nestes países não eram peritos em controlar a Internet, ao contrário de outros, como o da Rússia (onde o actual Presidente, Dmitri Medvedev, tem Twitter, blogue, faz vídeos e podcasts) ou o da China.

À revista Época, o autor disse ainda que, na Rússia, o regime controla de outra maneira. Dá destaque aos seus bloggers favoritos, oferecendo-lhes programas na TV que lhes aumentam ainda mais as audiências. Mas "dizer que os protestos na Tunísia ou no Egipto foram "fomentados" pela Internet é como dizer que a revolução bolchevique de 1917 foi fomentada pelo telégrafo. Revoluções são eventos complexos que dificilmente podem ser reduzidos a uma só causa, ainda mais a uma tecnologia". Morozov considera que, graças à Internet, regimes fracos podem vir a morrer mais rapidamente. Também graças à Internet, regimes fortes podem tornar-se ainda mais fortes. No livro lembra que já não estamos na era em que as fotocopiadoras serviam para fotocopiar textos subversivos, depois passados de mão em mão.

As novas tecnologias dão a possibilidade aos regimes autoritários de utilizarem filtros baseados em palavras-chave para impedirem o acesso a sites que consideram perigosos. É verdade que a Internet pode ser usada para "passar informação contra o Governo mas também serve para que os cidadãos sejam vigiados, lhes seja satisfeita a fome por entretenimento e se sujeitem a propaganda dissimulada".

isabel.coutinho@publico.pt

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