Eis que chega Stephen Colbert, versão semanal

Esta foi uma boa semana para a comédia norte-americana. Começou com um estrondo, literal, com a morte de Osama bin Laden e o frenesim dos media cujo funcionamento ele ajudou a moldar na última década. Depois, foi quase uma corrida à piada mais ácida sobre o raide no Paquistão entre os talk shows das generalistas e o bastião Comedy Central, onde há dois talking heads incontornáveis: um de inclinação à esquerda democrata e outro que festejou a morte do outrora líder da Al-Qaeda com um bolo cujo prazo de validade findou algures em 2002.

Hoje, e para encerrar a semana em beleza, Stephen Colbert e a sua comédia cegamente conservadora estreiam-se em Portugal, na SIC Radical. Stephen Colbert é duas pessoas - Stephen Colbert, o humorista, e The Rev. Sir Dr. Stephen T. Colbert, DFA, o seu alter-ego republicano. Ele é o contraponto de Jon Stewart na Comedy Central, a estação de cabo americana que deu ao mundo o Daily Show, o Colbert Report e as séries South Park eRobot Chicken.

A sua personagem, ao leme do Colbert Report, é uma sátira a fazedores de opinião conservadores como Bill O"Reilly, da Fox News, ou Rush Limbaugh, na rádio. Chega-nos, apetece dizer, quase tão requentado como o bolo da vitória da eliminação do inimigo público n.º 1 da América. É que o primeiro Colbert Report data de 2005 e já ronda os 870 episódios. Mas a figura de um fundit (termo cunhado por Colbert que aglutina fun e pundit - "diversão" e "sábio", respectivamente) como o reverendo-médico-sir republicano não perde a validade. Especialmente porque não vem no formato diário, mas em versão semanal - o Colbert Report Global Edition.

Saído do rol de correspondentes do seminal formato de fake newsDaily Show, Colbert é uma das suas mais bem sucedidas descendências, a par do êxito de Steve Carrell no cinema e nas séries televisivas. Stephen Colbert é a imagem no espelho de Jon Stewart, mas mais histriónico e falsamente popularucho, e uma das personae públicas mais acutilantes da vida americana - dos comics à literatura, passando pela linguística, Stephen Colbert já lá deixou a sua marca.

Colbert chega aos ecrãs televisivos portugueses (porque nos outros, via Internet, há muito que é visto em Portugal) numa altura em que a América vive uma possível viragem na sua psique colectiva face à guerra ao terrorismo. Ao mesmo tempo, os EUA geram alguma da mais influente produção televisiva mundial. Mas Stephen Colbert chega também a Portugal num horário que concorre com o novo Estado de Graça, na RTP (Produções Fictícias), e para nos lembrar que, ao contrário do que aconteceu na década passada, já não vivemos numa era dourada da TV.

A torneira das grandes séries dramáticas como The Wire, Perdidos, Os Sopranos ou Dexter já não jorra - pinga poucas novidades. A comédia, por seu turno, aguenta formatos já quase decanos ou miscigenações de mockumentary ou musical. E muitas apostas fortes da temporada em curso estão moribundas.

Até as novelas diurnas da televisão norte-americana estão a acabar, como reflecte o crítico da Time James Poniewozik, por estarem a ser substituídas pelas telenovelas da vida real chamadas reality shows. Mais do que Big Brother ou formatos como Peso Pesado (SIC) ou Perdidos na Tribo (que se estreia este domingo na TVI), a TV norte-americana está cada vez mais cheia de sagas familiares ou temáticas da chamada vida real como Keeping up with the Kardashians, The Jersey Shore ou Jon & Kate Plus 8 - todos a passar em Portugal em canais da TV por subscrição como E!, MTV Portugal ou Discovery Travel & Living.

É a chamada trash TV e parece ter vindo, por agora, para ficar. Faz parte da cultura popular, goste-se ou não. Está também na sátira política, como o Colbert Report se encarregará de mostrar.

Esta semana, tal como como na Internet pululavam associações entre a morte de Bin Laden e o agente contraterrorista da ficção Jack Bauer, David Letterman lá se encarregou de nos lembrar no seu talk show como nos EUA tudo é, no fundo, cultura visual. "Vocês parecem estar bem-dispostos", disse o apresentador à assistência na segunda-feira. "Gostaram do fim da série Osama bin Laden?" E continuou: "Bem, as boas notícias são que Bin Laden viveu para ver o casamento real".

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