E como estão a correr as coisas na Grécia?

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Esta semana fiz essa pergunta a um colega grego, de direita, na intenção de agregar lições para Portugal. A resposta foi sucinta e - até para descontar um possível efeito de parcialidade da minha parte - vou resumi-la, parafraseando, nos três parágrafos seguintes. O comentário segue depois.

1. A primeira coisa de que precisas saber é que te vais sentir sob chantagem permanente. Naturalmente, eles têm o dinheiro e tu não; o dinheiro só passa para o teu lado se fizeres o que eles quiserem. Portanto, fazes o que eles querem. Só que, mesmo aí, o dinheiro passa por cima de ti, e vai para os bancos alemães.

2. Em segundo lugar, considera o efeito que isto tem sobre o Governo do teu país. Como as pessoas sabem que, no fundo, o Governo não manda nada, passam simplesmente a desconsiderá-lo. Quem manda é o FMI, Bruxelas, a Alemanha - seja quem for, ninguém eleito por ti.

3. O pior de tudo é que isto não funciona: a situação fica igual ou pior. Apesar de todo o esforço, as dívidas não diminuem, não crias confiança na economia, e as pessoas simplesmente desistem. Primeiro pensavam que isto ia durar três anos, depois cinco, e agora pelo menos dez.

Tudo junto, isto resume-se nas três palavras que dão título a esta crónica. Elas dão da situação grega - e da nossa, dentro em breve - uma imagem mais texturada do que os simples números do défice, da dívida e do PIB. Descendo até à psicologia coletiva, elas permitem-nos lembrar que as pessoas são o material de que é feita a economia, a sociedade e a democracia. Ora - para o bem e para o mal - o material tem sempre razão.

"Chantagem", por exemplo: não me importa tanto justificar se é correto ou não usar este termo quanto notar que ele resume o sentimento dominante entre os gregos. Pior; notando a enorme exposição dos bancos alemães à dívida grega, sentem que o objetivo dessa chantagem é simplesmente salvar os outros. Neste momento, os gregos ainda se culpam a si mesmos pelo que aconteceu. O que acontecerá quando chegarem à conclusão de que os bancos alemães foram pelo menos tão irresponsáveis e incomparavelmente mais cínicos do que os Governos gregos?

A segunda palavra, "desrespeito", vai direta para qualquer futuro Governo saído das próximas eleições em Portugal. Ele poderá contar com a nossa indiferença, mas não haverá qualquer estado de graça. Pedro Passos Coelho, em particular, não pode ter sobre isso qualquer ilusão - não é por ser uma cara nova, no caso de vencer as eleições, que as pessoas deixarão de considerar que ele não será mais do que um capataz do FMI.

A terceira, "futilidade", corresponde a todo o exercício, na Grécia, em Portugal, na União Europeia e para lá das nossas fronteiras. Não sei adivinhar se daqui a uma década tiraremos qualquer benefício destas medidas, a não ser o de nos termos colocado muito pior para depois podermos sentir o alívio de qualquer melhoria marginal.

Mas as coisas podem resultar ainda pior. Se na semana passada o BCE subiu os juros para enfrentar uma inflação que não temos, as economias emergentes demonstram agora verdadeiros sinais de aquecimento. Quando os Governos de fora da Europa tentarem dominar o seu consumo (por exemplo, de carros alemães) para combater a inflação excessiva que de facto começam a ter, não tenho esperanças de que Sr.ª Merkel venha a reconhecer o absurdo de ter partido a Europa e arriscado um regresso à recessão mundial para poupar os seus bancos e por temer as suas eleições. Historiador. Deputado independente ao Parlamento Europeu pelo BE (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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