Morreu Sidney Lumet, o realizador de "Um Dia de Cão" e "O Veredicto"

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Na promoção de "Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste", de 2007 Vincent Kessler/Reuters

Não é abusivo dizer que, com a morte de Sidney Lumet, aos 86 anos de idade, com um linfoma, é toda uma era do cinema americano que se fecha. A era de um cinema nervoso, realista, atento ao mundo à sua volta, mais do que activista, muitas vezes identificado como "liberal", trabalhando dentro dos géneros clássicos de Hollywood.

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Não é abusivo dizer que, com a morte de Sidney Lumet, aos 86 anos de idade, com um linfoma, é toda uma era do cinema americano que se fecha. A era de um cinema nervoso, realista, atento ao mundo à sua volta, mais do que activista, muitas vezes identificado como "liberal", trabalhando dentro dos géneros clássicos de Hollywood.

Sidney Lumet assinou alguns dos filmes seminais dessa corrente que atingiu o seu píncaro na década de 1970: "Serpico" (1973), "Um Dia de Cão" (1975), "Escândalo na TV" (1976), "O Príncipe da Cidade" (1981), "O Veredicto" (1981). Ao longo de uma carreira de mais de meio século e mais de 40 filmes, dirigiu actores como Al Pacino, Henry Fonda (e a sua filha Jane), Paul Newman, Marlon Brando, Katharine Hepburn, Rod Steiger, Sean Connery, Dustin Hoffman, Faye Dunaway, Robert Duvall, William Holden ou Albert Finney. Foi sob a sua direcção que o malogrado River Phoenix assinou um dos seus papéis-chave, como filho de activistas radicais dos anos 1960 em "Fuga sem Fim" (1988).

Ao todo, 17 actores receberam Óscares ou nomeações por filmes dirigidos pelo cineasta nova-iorquino, que, apesar de quatro vezes citado para Melhor Realizador (por "Doze Homens em Fúria", "Um Dia de Cão", "Escândalo na TV" e "O Veredicto"), teria de se contentar com um Óscar honorário pelo conjunto da sua carreira, atribuído em 2005.

Depois de "Fuga sem Fim", contudo, os tempos que mudam acabaram por relegar o seu percurso para segundo ou terceiro plano, assinando uma série de filmes menores que culminaram em 1999 num mal recebido remake de "Gloria", de John Cassavetes, com Sharon Stone no papel principal.

Televisão e teatro na origem

Regressou à televisão, onde iniciara carreira na década de 1950, supervisionando a série de tribunal "100 Centre Street" e recuperando no processo alguma da sua velha energia. Resultado: dois filmes finais rodados em digital com alguma da equipa técnica da série, "Mafioso quanto Baste" (2006) e, sobretudo, "Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste" (2007), aclamado como um regresso à sua melhor forma. Um último projecto em carteira, "Getting Out", acabaria por não ser concretizado.

A televisão emergente dos anos 1950 fora uma das duas "escolas" de Lumet. A outra fora o teatro nova-iorquino de finais dos anos 1930, onde foi actor adolescente; o realizador voltaria posteriormente aos palcos como encenador e transportá-lo-ia para o seu cinema através de várias adaptações teatrais (de Tennessee Williams, Eugene O"Neill, Arthur Miller ou Anton Tchekhov). Dos palcos reteve a necessidade de criar um ambiente que permitisse aos actores entregarem-se por inteiro às suas personagens. Na televisão, onde assinou cerca de duas centenas de emissões ao longo da década de 1950, aprendeu a economia de meios e a eficácia com que abordava cada novo projecto.

A sua primeira longa-metragem, em 1957, foi uma transposição para cinema de uma peça televisiva que dirigira anteriormente, "Doze Homens em Fúria". O sucesso crítico e público do filme, com Henry Fonda no papel do único jurado de um julgamento convencido da inocência do acusado, foi instrumental na entrada em Hollywood de muitos dos talentos formados na televisão americana.

Vem, provavelmente, dessa dupla escola a modéstia de que sempre fez prova: Lumet nunca foi um estilista visual, nem tinha ambições a ser mais do que um profissional, mais interessado em adaptar-se ao que o filme exigia.

Numa entrevista de 1973, admitia que, à falta de um guião que o motivasse, não tinha problemas em aceitar um projecto desde que o elenco o interessasse ou houvesse um qualquer desafio técnico que enriquecesse a sua experiência.

E não são poucos os filmes que parecem uma "bizarria" no percurso de Lumet, da sua adaptação de sucesso do mistério de Agatha Christie "Um Crime no Expresso do Oriente" (1973) à comédia policial "Negócio de Família" (1989), passando por "O Feiticeiro" (1978), versão musical afro-americana do "Feiticeiro de Oz" com Diana Ross e Michael Jackson.

A pretensão era, para Lumet, o pior de todos os males; apesar do que muitos dos seus filmes pareciam sugerir, não acreditava na capacidade de a arte mudar a sociedade, e dizia fazer cinema apenas "por gostar" - e por ser "uma maneira óptima de passar a vida".

Nascido em Filadélfia em 1924, filho de um actor e de uma bailarina, Sidney Lumet faleceu ontem na cidade de Nova Iorque, onde morava desde sempre, de linfoma. Para além da última das suas quatro esposas, deixa duas filhas, dois enteados, nove netos e um bisneto.