Um facto histórico

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No meio da berraria por causa do défice e da dívida, ninguém notou um acontecimento histórico, que há trinta anos teria causado a maior emoção e perplexidade: as conversações entre o PC e o Bloco, ou seja, entre o estalinismo oficial e um grupo de trotskistas e maoístas. Claro que o PC, em Portugal e no mundo inteiro, já se tinha aliado com partidos "burgueses" de vária espécie e pinta. Mas nunca com os próprios heréticos da sua seita, excepto evidentemente para os caluniar e os matar. A história começou logo com Lenine, que liquidou centenas de milhares, com razão ou sem ela, e continuou com os seus fidelíssimos sucessores (unânimes pelo menos nisto) até chegar a Estaline que, entre 1934 e 1937, assassinou, segundo se calcula, um milhão de camaradas dele, para maior pureza e felicidade da seita.

Nessa "grande purga" morreram alegadamente trotskistas (não existiam ainda maoístas), terroristas (que, apesar da sua enorme quantidade, não conseguiram praticar um único acto de terror), espiões (da Inglaterra, do Japão, da Polónia e da Alemanha), militares (que, em princípio, se preparavam para entregar a URSS ao "capitalismo" estrangeiro), sabotadores (a quem cabia, evidentemente, a responsabilidade pela ineficiência da indústria soviética) e multidões de ingénuos que se queixavam ou falavam de mais. Cada preso, pelo simples facto de estar preso, comprometia quase sempre a família inteira, que também levava um tiro profiláctico na nuca. O comunismo foi invariavelmente a purga e o terror; e sem a purga e o terror, em última análise, não há comunismo.

Ainda em 1980 e 1990, vimos sair do PCP dúzias de militantes que a ortodoxia deixara de tolerar e que não se dispensou de cobrir de calúnias. Nessa altura, ainda Álvaro Cunhal velava pelos costumes da casa. Com Carvalhas, que é um exemplar atípico, e a seguir com Jerónimo, parece que o PC amoleceu. E, agora, escândalo sem remédio, resolveu conversar com o sr. Louçã, um trotskista notório (que o PC, em bom princípio, devia torturar e abater, como torturou e abateu os trotskistas de Espanha), e com a nojenta babugem maoísta que o rodeia. Ao lado do Bloco, e talvez pouco a pouco misturado com o Bloco, o PCP de Cunhal e Catarina Eufémia que nós conhecemos na sua pétrea imobilidade e repousante intolerância acabará por se transformar num partido de trabalhadores (num partido "obreirista"), ao serviço do capitalismo. Quem iria imaginar em 1974 uma decadência destas?

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