Gbagbo denuncia "ocupação" após tropas francesas tomarem aeroporto de Abidjan

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Tropas francesas patrulharam ontem as ruas de Abidjan SCH BLANCHET/AFP

Presidente cessante usa televisão para mobilizar os seus apoiantes quando se aguarda "assalto final" das tropas de Ouattara. Paris dá ordens para "reagrupamento" de todos os cidadãos

Soldados franceses assumiram ontem o controlo do aeroporto de Abidjan para agilizar a retirada dos cidadãos estrangeiros, numa altura em que se agrava a insegurança na Costa do Marfim. "A força Licórnio age como um exército de ocupação", reagiu o campo leal ao Presidente cessante, Laurent Gbagbo, que, apesar de confinado a uns poucos redutos na cidade, continua a usar a televisão para mobilizar os seus apoiantes.

Abidjan era ontem a imagem do medo, com soldados e milícias armadas passeando-se pelas ruas e os habitantes trancados em casa. Em muitas partes da cidade não há água nem electricidade, mas poucos se atrevem a sair à rua e as lojas que ainda não foram pilhadas estão de portas fechadas. "Em breve vamos passar fome", disse à AFP Alice, moradora num bairro popular, que ontem de manhã percorreu dois quilómetros, evitando as barreiras militares, para chegar ao mercado, quase vazio, de Koumassi.

Mas o assalto final prometido pelas forças de Alassane Ouattara, o Presidente reconhecido pela comunidade internacional, às áreas controladas por Gbagbo não foi ainda lançado.

Pela tarde ouviram-se tiros esporádicos de artilharia, incluindo no bairro Plateau, onde está situado o palácio presidencial, mas nada comparável aos intensos combates de quinta e sexta-feira quando, após dias de avanço imparável em direcção a sul, os homens de Ouattara entraram na cidade. Ontem, um porta-voz pediu às forças francesas e aos "capacetes azuis" que retirem às forças leais a Gbagbo "o armamento pesado", em cumprimento das resoluções da ONU, mas é incerto que tal venha a acontecer.

Os apoiantes do Presidente cessante não querem, no entanto, correr riscos. Uma mensagem transmitida pela televisão pública, RTI, pedia aos habitantes de Abidjan para acorrerem ao palácio e à residência presidencial, no bairro chique de Cocoty, a fim de servirem de "escudos humanos" a Gbagbo. Horas depois, um fotógrafo da Reuters via dezenas de jovens no Plateau.

Foi também através da RTI - que estará a emitir a partir de um carro de exteriores depois de a sede da estação ter sido destruída nos combates - que Gbagbo denunciou a ocupação do aeroporto. "Os homens do [Presidente francês, Nicolas] Sarkozy preparam um genocídio à ruandesa", "Estamos todos em perigo", alertavam mensagens postas a correr nos ecrãs. De visita a Paris, um conselheiro de Gbagbo acusou a força Licórnio de ter agido "como um exército de ocupação", tomando sem qualquer legitimidade o aeroporto "de um país soberano".

O Governo francês garante, porém, que a operação foi coordenada com a missão das Nações Unidas (ONUCI) e se destina a "reabrir o aeroporto aos aviões civis e militares" para que seja possível repatriar os estrangeiros, a começar pelos 1600 que, nos últimos dias, se refugiaram na base militar francesa. Ontem partiram já 167 pessoas, na sua maioria franceses e libaneses, em voos militares com destino a Dacar.

Mas face ao endurecimento do discurso dos apoiantes de Gbagbo, o Presidente Nicolas Sarkozy deu ordens para o "reagrupamento sem demora de todos os cidadãos franceses em Abidjan", deixando em aberto a hipótese de repatriá-los em breve. Ao todo, calcula-se que vivam na cidade mais de 11 mil franceses, sete mil dos quais com dupla nacionalidade.

Também ontem, e perante os sucessivos ataques contra os "capacetes azuis" por parte das forças de Gbagbo, a ONUCI retirou "provisoriamente" da cidade o pessoal não essencial. Segundo a AP, 200 funcionários foram levados de helicóptero para Bouaké, no centro do país, tendo ficado em Abidjan apenas os "capacetes azuis".

Face à situação em Abidjan, mas também no Oeste do país (ver caixa), o International Crisis Group pediu ontem uma acção rápida para "tirar a Costa do Marfim do abismo". "A situação lá é tão urgente como qualquer outra que a comunidade internacional enfrenta", avisou o think tank.

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