Há uma mulher que deseja pôr os ralis nos eixos

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Hirvonen em acção no seu Ford em frente ao Mosteiro dos Jerónimos PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

Mais aventura, mais equipas de fábrica e mais provas fora da Europa são as propostas de Michèle Mouton, a nova manager do WRC

Michèle Mouton é a mulher com mais história nos ralis. Foi a primeira (e única) a vencer provas do Mundial e sagrou-se vice-campeã do mundo em 1982. Agora, assumiu o cargo de manager do Campeonato do Mundo de ralis e quer acabar com o declínio desta competição.

"Precisamos de recolocar o WRC nos eixos. Temos de o aproximar do público e de ter mais aventura. Tal como estão hoje, as classificativas são muito curtas e não há muito para contar", disse ontem Michèle Mouton, em entrevista ao PÚBLICO, falando da necessidade de mudar - "não uma revolução, mas uma evolução".

A nova manager do WRC não hesitou em reconhecer que o Mundial de ralis entrou em declínio e que hoje já não consegue rivalizar com a Fórmula 1. "Sabe porquê?", perguntou Mouton, para logo de seguida dar a resposta: "Porque nos ralis não há construtores e pilotos suficientes. Na verdade, temos quatro pilotos [a lutar pelo título]."

O cenário vai melhorar, com a entrada da Mini no campeonato, a partir de Maio, no Rali da Sardenha. "E esperamos que a Volkswagen regresse em breve. Se houver quatro construtores, a história será diferente, porque haverá mais competitividade", anteviu a francesa, reconhecendo que o facto de Sébastien Loeb ter vencido os últimos sete campeonatos também não ajudou a captar adeptos. "Se houvesse 10 ou 12 pilotos no Mundial, talvez Loeb não tivesse ganho sete títulos. Mas assim ele está muito acima dos outros", apontou a ex-piloto, que aceitou o novo cargo, por ser amiga e ter uma relação de grande confiança com Jean Todt, actual presidente da Federação Internacional do Automóvel.

Todt, que atingiu o estrelato na Fórmula 1, passou pelos ralis nos bons velhos tempos e tem um plano para rejuvenescer o WRC. Michèle Mouton explica que esse projecto é aproximar a competição do que era no passado. "No meu tempo, o rali era endurance, uma grande aventura, com troços à noite e sem muito tempo para respirar. E todos os ralis tinham 3000 quilómetros. Hoje é um sprint", salientou a antiga piloto, defendendo que se encontre um "ponto de equilíbrio entre os dois" modelos - basta dizer, como comparação, que o Rali de Portugal deste ano tem 1359km, dos quais 385,7 cronometrados.

Outra das ideias reveladas por Michèle Mouton na conversa com o PÚBLICO foi a de alterar o formato das provas. "O Rali de Portugal tem de ser diferente do Rali da Finlândia. Cada um tem de ter as suas particularidades", defendeu Mouton, prometendo "mais liberdade aos organizadores."

Na agenda da nova manager está também acabar com a coincidência de datas entre a Fórmula 1 e o WRC - como vai acontecer neste fim-de-semana com o Rali de Portugal e o Grande Prémio da Austrália - e alargar o Mundial a outras zonas geográficas. "Hoje o WRC é muito europeu e tem de ser um verdadeiro campeonato mundial", disse, referindo-se ao facto de nove das 13 provas do calendário deste ano decorrerem na Europa. Mouton, no entanto, deixa claro que a ideia não é repetir o que fez a F1, ao expandir-se para países sem tradição: "Tem de haver interesse pelos automóveis, porque precisamos de público."

Mulher-piloto por acaso

Aos 59 anos, Michèle está de regresso a um país que lhe traz grandes recordações. Foi cá que conseguiu a segunda das suas quatro vitórias no WRC (San Remo 81, Portugal, Grécia e Brasil 82) "Foi muito especial ganhar cá. Tenho grandes memórias das pessoas. Foi de doidos", contou, entre sorrisos, antes de tocar num assunto obrigatório nas conversas com jornalistas: o facto de ser uma mulher num desporto monopolizado por homens.

"As pessoas que estavam fora viam só homens e depois duas mulheres. É como se tivermos muitas ovelhas negras e depois uma branca. Toda a gente olha para a branca. Mas sempre me vi como um piloto, não como uma mulher", explicou na conversa com o PÚBLICO, no Centro Cultural de Belém, após a apresentação da Academia WRC, um projecto que permite a 20 jovens participarem em provas do campeonato. Esta iniciativa - que apenas inclui uma mulher-piloto - prova que Mouton quebrou uma barreira há quase 40 anos, mas que pouco ou nada mudou depois disso: os homens continuam a predominar nos ralis. Por que será? "Talvez não haja muitas mulheres a tentar", respondeu Mouton, que até se iniciou por acaso nos ralis - um dia, foi co-piloto após o convite de um amigo. Passado algum tempo, o pai comprou-lhe um carro e deu-lhe um ano para conseguir resultados. "Eu disse: "Está bem. Vou mostrar-te como é"", contou Mouton, que até aí nunca tinha pensado em ser piloto: "Aos 22 anos, nem sabia o que eram os ralis e nunca me tinha imaginado numa competição de automóveis". Assim que experimentou, a sua vida mudou para sempre. Deixou para trás o curso de Direito e o trabalho com jovens delinquentes. E nunca mais largou a paixão pelos carros. Agora, é senhora dos ralis.

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