Radioactividade da central de Fukushima chegou à água das torneiras de Tóquio

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Saudação militar num funeral de vítimas do YURIKO NAKAO/REUTERS

Iodo e césio radioactivos estão a ser encontrados na água, no leite, no peixe e em vários vegetais japoneses. Os efeitos na saúde deverão ser mais psicológicos, dizem especialistas

A água que sai da torneira em Tóquio, uma megacidade de 13 milhões de pessoas, não deve ser bebida por bebés com menos de um ano, porque tem uma radioactividade duas vezes superior ao recomendado. O alerta gerou uma corrida aos supermercados da capital japonesa, que fica a cerca de 240 quilómetros da central nuclear de Fukushima 1.

Doze dias após o sismo e tsunami que fizeram mais de 24 mil mortos e desaparecidos (confirmadas estão já 9452 mortes), as autoridades nipónicas não conseguiram dominar a crise nuclear que se seguiu - e que não matou ainda ninguém. A radiação está a espalhar-se, ainda que em níveis baixos, e já está na cadeia alimentar.

Ei Yoshida, responsável pelos serviços de água e saneamento de Tóquio, disse que tinha sido detectado iodo 131 na água, numa quantidade de 210 becqueréis por litro. A dose recomendada para uma criança com menos de um ano é de 100 becqueréis por litro, e para adultos 300.

"Esse aviso especial é para as crianças, porque são mais sensíveis", salienta José Marques, do Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém, e da Faculdade de Ciências de Lisboa. Mas não é nada de perder a cabeça. "São níveis duas vezes acima do recomendado. Se fossem mil vezes superiores... Mas não são."

A contaminação por iodo radioactivo não é a mais preocupante, pois tem uma semi-vida de oito dias. Passado esse tempo, a sua actividade baixa para metade. "Ao fim de 80 dias, o valor de iodo será mil vezes inferior ao que era. Em toda essa zona, os níveis vão baixar rapidamente."

Mas há também notícias de contaminação de produtos agrícolas, em especial vegetais verdes e folhosos (como espinafres, brócolos, couves), leite, peixe e moluscos com outros isótopos radioactivos, como césio 137 (que é assimilado pelo organismo de forma semelhante ao potássio) e estrôncio 90 (que se acumula nos ossos). Ambos têm uma meia-vida de 30 anos.

Segundo a AFP, foram feitas medições de 82.000 becqueréis relativos a césio em amostras do vegetal kukitachina oriundasdeMotomiya, uma comunidade da província de Fukushima (164 vezes o limite recomendado), bem como de 15 mil becqueréis relativos a iodo - sete vezes o permitido.

A comercialização destes alimentos foi proibida, ainda que o porta-voz do Governo japonês Yukio Edano garanta que não haveria problema se fossem comidos pontualmente. Se se consumisse 100 gramas do vegetal mais contaminado durante dez dias, isso equivaleria a metade das radiações recebidas durante um ano, precisou.

Mas, diz José Marques, "é normal que os japoneses estejam preocupados. A radiação é uma coisa que não se vê". Apesar de "os maiores efeitos para a saúde virem a ser psicológicos", diz Robert Socolow, físico da Universidade de Princeton, ao telefone a partir dos Estados Unidos.

"Quando as coisas fogem do nosso controlo, cria-se receio, e a radiação faz medo", diz Socolow. A equação medo/risco fica desequilibrada, e as decisões que tomamos em consequência também, ainda que o risco de cancro aumente só estatisticamente."

Um exemplo disso? Apesar de o Japão ser sobretudo um importador de comida, a Alemanha e o Reino Unido impuseram medidas de verificação nos alimentos importados do Japão por receio da radioactividade - como molhos de soja. Em 2010, a União Europeia importou 65 milhões de euros de produtos alimentares japoneses.

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