Governo fala a duas vozes na questão dos despedimentos

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Helena André não fala de alargar novas regras a actuais contratos MIGUEL MANSO

Posição na liberalização das rendas também não é clara. Algumas medidas do PEC não constam do acordo proposto a parceiros sociais

Na hora de apresentar novas medidas de controlo da despesa, o Governo tem falado a duas vozes. Uma, mais musculada, dirige-se a Bruxelas e aos mercados internacionais e a outra, mais contida, tem como interlocutores os parceiros sociais e o país. O acordo tripartido para a competitividade e o emprego e as novas medidas do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) são o exemplo mais recente destas diferentes posturas e que levaram a CGTP a abandonar a Concertação Social.

Na proposta de acordo que a ministra do Trabalho ontem apresentou aos representantes dos sindicatos e dos patrões não se refere em nenhum ponto a possibilidade de se vir a aplicar a redução das indemnizações aos contratos de trabalho existentes, nem nunca se fala na liberalização do controlo das rendas (ver caixa). Estas são precisamente duas das medidas apresentadas pelo ministro das Finanças na passada sexta-feira e que fazem parte da nova versão do Programa de Estabilidade e Crescimento.

Confrontado com a discrepância de posições, o gabinete da ministra do Trabalho, Helena André, limita-se a dizer que "a aplicação desta reforma está em discussão com os parceiros sociais". A resposta só será conhecida na próxima quinta-feira, dia em que se prevê o encerramento do processo de discussão do acordo para a competitividade e emprego, que teve início em Janeiro.

Na passada sexta-feira, durante a apresentação das linhas de orientação do novo Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), o ministro das Finanças garantiu que a redução das indemnizações por despedimento de 30 para 20 dias por cada ano de trabalho e a introdução de um tecto máximo de 12 meses poderia ser aplicada aos contratos de trabalho existentes. No documento apresentado por Teixeira dos Santos fala-se em avaliar, até ao final de 2011, a aplicação da medida aos actuais contratos.

Porém, esta posição vai totalmente contra o que a ministra do Trabalho tem defendido e nem sequer consta da proposta de acordo tripartido que ontem foi entregue aos parceiros. No documento que chegou às mãos da UGT, CGTP e das confederaçãoes patronais fica claro que os limites às indemnizações pagas pelas empresas aos trabalhadores despedidos é aplicável aos contratos a celebrar após a data da entrada em vigor do novo regime. E nem mesmo nos compromissos relativos à agenda futura da Concertação Social se fala em estender o regime aos actuais contratos. Fala-se, sim, em avaliar o impacto da reforma nas rescisões por mútuo acordo, cujas indemnizações não têm qualquer limite máximo.

A proposta do ministro das Finanças vai ao encontro das pretensões da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), que desde o início do processo tem defendido que a redução das indemnizações só terá efeitos, se se estender aos actuais trabalhadores. Mas o líder da UGT, João Proença, numa posição tomada ontem ao final do dia voltou a dizer que "não aceita" que a redução das compensações por despedimento seja alargada aos actuais contratos, embora se mantenha disponível para continuar as negociações.

O tema promete inflamar a reunião da concertação de quarta e quinta-feira, altura em que, finalmente, se ficará a conhecer qual o desconto exigido às empresas para financiarem o fundo dos despedimentos - uma espécie de conta-poupança que os patrões serão obrigados a criar por cada trabalhador contratado.

Na proposta ontem apresentada aos parceiros sociais, o Governo diz que a taxa será inferior a um por cento e deverá variar consoante a dimensão da empresa. Além disso, o fundo deverá garantir de forma progressiva metade da indemnização devida ao trabalhador vítima de despedimento colectivo ou por inadaptação.

A medida também não é unânime; a CCP, em particular, recusa qualquer agravamento de custos.

Contrato a prazo avaliado

Quem ficará de fora da recta final das negociações é a CGTP, que ontem decidiu abandonar a discussão. Depois de sucessivas críticas à forma como o processo tem sido conduzido pelo Governo, a gota de água foram as novas medidas do PEC, que não foram previamente discutidas com os parceiros sociais.

Na proposta de acordo tripartido há um conjunto de outros temas que o Governo e os parceiros sociais se comprometem a abordar na Concertação Social durante os próximos meses. Um deles é a "apreciação do impacto da reforma recente do regime jurídico da contratação a termo", efectuada em 2009 durante a revisão do Código do Trabalho.

Desta forma, o Governo responde a uma das principais reivindicações da Confederação Empresarial de Portugal (CEP). Na semana passada o seu presidente, António Saraiva, tinha deixado claro que a CEP não abdicaria de alguma flexibilização dos contratos a prazo. Ao admitir rever a contratação a termo, o Governo quer reduzir ao mínimo os riscos de receber um não da CEP na próxima quinta-feira e potenciar um sim da CCP, que também gostaria de uma maior flexibilização da contratação termo, nomeadamente um número ilimitado de renovações ao longo dos três anos permitidos pela lei.

Nas reuniões bilaterais com os parceiros, a ministra do Trabalho mostrou abertura para avançar com um outro tema caro aos patrões: o alargamento aos pequenos empresários do regime de protecção no desemprego.

O tema, tal como os contratos a termo, não faz parte da iniciativa para a competitividade e o emprego e deverá ser discutido mais tarde.

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