Torne-se perito

A fúria da terra e do mar voltaram a castigar o Japão

Ondas de dez metros varreram casas e campos agrícolas, levaram tudo o que encontraram pela frente. Várias cidades do Norte do Japão foram devastadas pelo sismo mais violento no país dos últimos 140 anos

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A muralha de água atinge uma zona residencial em Myagi REUTERS

Um cenário de devastação abateu-se ontem sobre a costa nordeste do Japão. Um sismo de magnitude 8,9 - o quinto maior de sempre - foi só o início. A seguir, uma onda de dez metros carregada de lama e destroços varreu campos agrícolas e casas. Incêndios consumiram bairros inteiros. Mais de mil pessoas perderam a vida. As cidades mais atingidas foram Sendai e Fukushima, a norte de Tóquio, bem como a própria capital.

As imagens ao início do dia deixavam adivinhar a dimensão da catástrofe. Uma parede de água, lama e detritos invadiu terra, arrastando consigo barcos, carros, estufas agrícolas e casas. Esta foi a consequência quase imediata do sismo de maior magnitude a atingir o Japão nos últimos 140 anos.

A catástrofe deixou mais de mil mortos e desaparecidos, segundo informações da polícia citadas pela agência noticiosa Jiji. Dizem as autoridades que morreram pelo menos 378 pessoas, 584 desapareceram e 950 ficaram feridas. Mas o número de vítimas aumenta com o passar das horas e ontem ainda a agência Kyodo já falava em mais de mil mortos. Entre as vítimas estão mais de 200 corpos encontrados numa praia de Sendai, na província de Miyagi, uma das mais atingidas. A polícia acredita que se trata de cadáveres de moradores que foram apanhados pela vaga que arrasou a região costeira.

As autoridades confirmaram o desaparecimento de um navio que transportava cem pessoas, e a agência Kyodo adiantou que foi perdido o contacto com quatro comboios.

Em Sendai, a 300 quilómetros de Tóquio, os sobreviventes passaram a noite com medo, frio e às escuras, depois do corte total da electricidade. As réplicas sucediam-se, contou à AFP Makiko Tazaki, que mora naquela cidade com um milhão de habitantes, capital de Miyagi. "É a escuridão total no meu bairro. Não temos nem luz nem água potável", disse. "Não temos aquecimento e faz frio."

"Uma grande parte da cidade de Sendai ficou inundada", contou um jornalista da televisão NHK. "Cerca de 140 pessoas, incluindo crianças, estão no telhado de uma escola primária rodeadas por água e não têm para onde ir".

Na cidade de Kamaichi, barcos, carros e camiões foram levados pelas águas como se fossem brinquedos. E na ilha de Hokkaido, a norte, Hakodate tornou-se numa cidade fantasma, horas depois da passagem da vaga de dez metros que a submergiu e obrigou à transferência de 30 mil pessoas. "Não posso dormir dentro de casa", desabafou Tsune Kimura, de 80 anos, refugiada nas instalações da câmara com mais 50 pessoas. "Os tremores de terra e as ondas não param, estou aterrorizada", contou à AFP.

O Governo português já tinha conseguido contactar, ontem à tarde, cem portugueses a residir no Japão e estavam todos bem. Dos quatro portugueses que estão na zona mais afectada, apenas uma tinha sido contactada. O gabinete do secretário de Estado das Comunidades indicou à Lusa que estaria a tentar, por todos os meios, contactar os outros três.

Foi o oposto do Haiti

Em Tóquio, o sismo acabou por não provocar os estragos que seriam de esperar após um sismo de 8,9 na escala de Richter. O sismo de 7,0 ocorrido em Janeiro passado no Haiti arrasou - literalmente - o país e provocou entre 95 mil e 220 mil mortos. No Japão, estas estatísticas são muito inferiores. A maioria das vítimas perdeu a vida no tsunami e não no sismo, e a isso não é alheio o facto de o país estar bem preparado para enfrentar este tipo de catástrofes.

Na capital o abalo prolongou-se mais do que o costume. O mundo inteiro viu imagens das pessoas a fugirem dos edifícios de escritórios na baixa de Tóquio em direcção à rua, em busca de lugares mais desafogados, como parques e praças. Um edifício onde 600 estudantes participavam numa cerimónia de entrega de diplomas desmoronou-se, provocando pelo menos 20 feridos.

"Fomos sacudidos tão violentamente que foi preciso baixarmo-nos para não cair", disse uma responsável do município de Kurihara à AFP.

O sismo e tsunami fizeram o país parar. No aeroporto internacional de Narita, a 50 quilómetros de Tóquio, foram suspensos todos os voos. Os transportes ferroviários e rodoviários foram interrompidos em grande parte do arquipélago, especialmente em Tóquio, bloqueando milhões de pessoas que "tomaram de assalto" os hotéis da cidade. Os comboios-expresso Shinkansen pararam em todo o Nordeste e as auto-estradas da região de Tóquio foram encerradas poucos minutos depois do primeiro abalo.

O primeiro-ministro Naoto Kan falou ao país pouco após o sismo, lamentando o sucedido e oferecendo as suas condolências às vítimas.

A comunidade internacional rapidamente ofereceu apoio. A ONU enviou equipas de socorro para o local e a União Europeia e os EUA ofereceram ajuda. O Japão pediu, aliás, apoio às forças dos EUA estacionadas no arquipélago para o resgate das vítimas. O Presidente americano, Barack Obama, e a sua mulher, Michelle, foram dos primeiros a transmitir as suas condolências e a oferecer assistência.

O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, enviou uma mensagem de condolências ao Imperador Akihito pelas vítimas do sismo e do tsunami, manifestando a "muito sentida solidariedade" dos portugueses.

O Japão assenta numa perigosa região sísmica, onde as placas tectónicas se encavalitam. Estas zonas de subducção (onde uma das placas desliza para debaixo da outra) são das mais perigosas do ponto de vista da formação de tsunamis. E foi precisamente isso que aconteceu.

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