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Merkel elogia reformas mas quer que estas vão mais longe

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Sócrates e Merkel falaram aos jornalistas antes de um longo jantar conjunto THOMAS PETER/REUTERS

A líder alemã deu um voto de confiança às medidas do Governo, mas tem pouca margem interna para aceitar reformas no EFSF

Angela Merkel, chanceler alemã, e José Sócrates, primeiro-ministro português, recitaram ontem escrupulosamente e a uma só voz o discurso que têm vindo a assumir cada um por seu lado na esperança de convencer, finalmente, os mercados sobre a solidez financeira de Portugal.

Durante uma conferência de imprensa realizada conjuntamente em Berlim depois de um encontro de meia hora dedicado à situação portuguesa, os dois líderes sublinharam que o país não precisa de ajuda do fundo de estabilidade europeu (EFSF) e do FMI, como os mercados têm vindo a antecipar. "Nunca disse que Portugal precisava de pedir ajuda", garantiu Merkel. "Não precisamos de nenhuma ajuda externa, contamos com as nossas próprias capacidades para resolver sozinhos os nossos problemas", acrescentou Sócrates.

A chanceler assumiu, por seu lado, o discurso de apreço que era esperado pelo Governo, ao saudar a consolidação das finanças públicas e as reformas económicas aplicadas em Portugal, embora pedindo o seu aprofundamento. "A Alemanha acredita que Portugal está a tomar as medidas correctas", afirmou, citada pela Reuters. Virando-se para Sócrates, prosseguiu: "Obrigada pelos seus corajosos passos para reduzir o défice. Foram introduzidas muitas reformas estruturais que dependem agora da concretização". E, ainda segundo a Reuters, Merkel defendeu que não são necessárias reformas adicionais, mas sublinhou que as que estão previstas "têm de ir mais longe".

Sócrates, por seu lado, disse o que a chanceler queria ouvir, ao dar o seu "acordo" ao "pacto de competitividade" pretendido pela Alemanha como contrapartida para o reforço e sobretudo flexibilização do EFSF que está actualmente em discussão entre os países do euro. Este pacto obrigará Portugal, e os outros países mais frágeis, a ir mais longe na consolidação orçamental e nas reformas estruturais, assumindo, de certo modo, uma boa parte das disciplinas alemãs.

Em reacção à pergunta de um jornalista, o primeiro-ministro insurgiu-se contra a ideia de que o seu encontro com a chanceler alemã poderá constituir um sinal de "subserviência" de Portugal face à maior economia europeia: "O meu país tem oito séculos de história, não é subserviente com ninguém, a não ser com o seu povo e com o que o povo tem a dizer", afirmou, segundo a Lusa.

Cimeira ao jantar

Depois de concluído o número para a imprensa, e longe da atenção dos jornalistas, os dois líderes prosseguiram a conversa durante um jantar que não constava do programa oficial anunciado pelas duas capitais.

Neste encontro, o tema da conversa foi a preparação das cimeiras de líderes da zona euro de 11 de Março e dos Vinte e Sete países da União Europeia (UE) a 24 e 25, que deverão culminar no anúncio de uma muito esperada "resposta abrangente" à crise da dívida soberana.

Esta resposta engloba uma série de questões ligadas ao reforço e flexibilização do EFSF, o aprofundamento do pacto de estabilidade do euro, o novo pacto de competitividade, e uma solução para o problema português. Esta é a "resposta europeia" que o Governo tem pedido, esperando que seja suficiente para convencer os mercados financeiros sobre a determinação da zona euro em defender os seus membros.

Nesta discussão, no entanto, Merkel mostrou-se reservada, deixando clara a sua reduzida margem de manobra para aceitar grandes reformas do EFSF devido à hostilidade crescente da sua opinião pública.

É precisamente a perspectiva de que as dificuldades da Alemanha poderão reduzir drasticamente a ambição da prometida "resposta abrangente" à crise que está a levar um número crescente de analistas a afirmar que Portugal não conseguirá evitar pedir ajuda nas próximas semanas, como foi ontem o caso da agência de notação financeira Standard & Poor"s, e da Axa Investment Managers, devido ao aumento regular das taxas de juro.

A chanceler já tinha, aliás, dado sinais de alguma rigidez nesta discussão quando, durante a conferência de imprensa com Sócrates, não assumiu qualquer compromisso sobre uma redução das taxas de juro pretendida pelo novo primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny, para os empréstimos do EFSF ao seu país. Dublin está a pagar uma taxa média de 5,8 por cento, o que é considerado insustentável. "Não podemos reduzir artificialmente as taxas de juro", afirmou Merkel, sublinhando que, por exemplo, Portugal está a financiar-se no mercado a mais de 7 por cento para emprestar à Irlanda a 5,8 por cento.

Merkel, que ontem se encontrou de manhã com o primeiro-ministro austríaco Werner Fayman, e nas últimas semanas com os seus homólogos grego, George Papandreou, e espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, prosseguirá os contactos para a preparação das cimeiras europeias durante um encontro em Helsínquia entre os líderes do Partido Popular Europeu, largamente maioritários na UE. Uma outra cimeira dos chefes de Governo socialistas decorrerá no mesmo dia em Atenas, mas José Sócrates não conta participar.

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