Morreu Annie Girardot, em tela e em vida a actriz popular francesa por excelência

Foto
Annie Girardot em dr

Elogiada por Jean Cocteau, tornou-se célebre em 1960, interpretando a Nadia de Rocco e Seus Irmãos. Morreu em Paris aos 79 anos, vítima da doença de Alzheimer

Jean Cocteau viu nela "o mais belo temperamento dramático do pós-Guerra". Cocteau, que a vira interpretar a sua La Machine à Ecrire na década de 1950, não se enganou. Annie Girardot revelou-se em cenário do neo-realismo italiano, no papel da trágica Nadia que Luchino Visconti filmou em Rocco e Seus Irmãos (1960), mas o papel que a história lhe reservou foi outro. A mulher que morreu ontem em Paris, aos 79 anos, foi nos anos 1960 e 1970 a actriz popular francesa por excelência.

Entregou-se ao papel de tal forma que, no seu percurso, sobrepuseram-se representação e vida - tudo o que representava, dizia, tinha de o sentir verdadeiro e pessoal.

Há três anos, Nicolas Baulieu gravou com ela Annie Girardot, Ainsi Va la Vie, o seu depoimento sobre a doença de Alzheimer de que sofria. No momento da sua morte num hospital parisiense, ladeada pela neta, Lola Vogel, e pela filha Giulia, fruto do casamento com o actor italiano Renato Salvatori (conheceram-se no plateau de Rocco), há muito que perdera a memória das centenas de filmes que protagonizara. Ela que, em 1996, depois de vários anos longe da ribalta, improvisara um discurso emocionado na cerimónia de entrega dos Césares desse ano, em que foi distinguida como melhor actriz secundária pelo papel em Os Miseráveis, de Claude Lelouch - "não sei se fiz falta ao cinema francês, mas o cinema francês fez-me falta... loucamente... perdidamente... dolorosamente" -, ela esquecera. O cinema e o público nunca o farão.

O Estado francês, pela voz do ministro da Cultura, Frédéric Mitterand, citado pelo Figaro, referiu-se à morte como "um momento doloroso para o cinema, que perdeu uma das suas grandes estrelas, mas também para o público, com quem ela manteve uma longa e calorosa cumplicidade".

Nascida em Paris em 1931, Girardot estudou primeiro Enfermagem, percurso que rapidamente trocou pelo da Representação. Em 1949, entrou no Conservatório, em 1954, concluiu os estudos e integrou a Comédie Française. A estreia no cinema chegou dois anos depois, na comédia popular Treize à Table. Em 1960, com Visconti, com Rocco e Seus Irmãos, ao lado de Alain Delon, tornou-se inesquecível. A mulher marcada para a tragédia, amante prostituta assassinada com treze punhaladas (pelo actor que viria a ser seu marido e pai da sua filha, Renato Salvatori), distinguia-se. Com o seu cabelo curto e olhos expressivos, ignorada pelos realizadores da emergente Nouvelle Vague, filmaria depois com Mario Monicelli, Roger Vadim ou Marco Ferreri. Foi estrela em comédia e em melodrama. Foi controversa em Morrer de Amar (1971), bateu recordes de bilheteira com Docteur Françoise Gailland (1976) e ganhou o seu terceiro César com O Pianista, de Michael Haneke, em 2000.

Como escrevia ontem o Les Inrockuptibles, era mais "actriz popular que uma star". Com o seu "temperamento à vez vulcânico e depressivo", era, nas suas próprias palavras, "verdadeira, totalmente verdadeira." O público, principalmente as mulheres, que a ergueram a ícone feminista, reconhecia-se nela, sentia nela alguém que o representava.

Tal como o público, repetimos, o cinema não a esquecerá.

Sugerir correcção