Fianna Fáil desmorona-se com a crise e entrega poder aos rivais do Fine Gael

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É quase certa uma coligação do Fine Gael com os trabalhistas PETER MUHLY/AFP

O partido que dominou a política irlandesa desde a independência, em 1921, teve o pior resultado da sua história, conseguindo apenas 15 por cento de votos dos eleitores

Os eleitores irlandeses confirmaram a prometida vingança, fazendo o Fianna Fáil pagar nas urnas o preço pela crise económica que obrigou o país a recorrer à ajuda internacional. Em Dublin, o futuro próximo pertence ao Fine Gael que, segundo indicam os resultados preliminares das legislativas de sexta-feira, deverá governar em coligação com os trabalhistas.

Os resultados finais da votação - que seguem um complexo sistema de preferências - só devem ser divulgados hoje, mas uma projecção divulgada pela televisão pública RTE atribui ao partido de Enda Kenny 36 por cento das primeiras preferências, a sua melhor votação desde 1982. Ainda assim, o partido fica aquém da maioria absoluta em que chegou a acreditar nos últimos dias da campanha, devendo eleger 76 dos 166 lugares na Dáil (a câmara baixa do Parlamento).

Os responsáveis do Fine Gael recusam antecipar cenários, mas torna-se praticamente inevitável uma coligação com o Labour, que conseguiu nestas eleições o melhor resultado da sua história - 20 por cento dos sufrágios, podendo garantir a eleição de 35 deputados. "Foi um dia muito bom", admitiu Joan Burton, um dos primeiros candidatos trabalhistas a ser eleito.

Os ganhos dos dois partidos foram feitos à custa do Fianna Fáil, que não foi além dos 15 por cento de votos, naquele que é o pior resultado da história do partido que dominou a política irlandesa desde a independência, em 1921. Depois de ter sido forçado, em 2008, a ir em socorro da banca, a formação tornou irreversível o seu colapso quando, em Novembro, teve de recorrer ao fundo de resgate da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI). A humilhante perda de soberania financeira e as duras medidas de austeridade impostas ao país valeram-lhe a perda de mais de 50 dos 78 lugares que detinha na Dáil.

"Isto é o desmoronamento do Fianna Fáil", explicou em declarações à Reuters David Farrell, professor de Política da University College de Dublin, que ontem sublinhava "o desconforto" que este desaire eleitoral estaria a provocar em Portugal, "o próximo na fila para aceder ao resgate". Sem esperar pelos resultados finais, o ainda secretário de Estado das Ciências irlandês, Conor Lenihan, veio a público felicitar o rival histórico pela sua "vitória absolutamente extraordinária".

A ira dos eleitores virou-se também contra os Verdes, parceiros no Governo cessante, que deverão ficar sem qualquer representação parlamentar. Em compensação, os nacionalistas do Sinn Féin, durante anos marginalizados pela ligação ao IRA, mantinham as esperanças de eleger 12 deputados, entre eles o líder, Gerry Adams. O sismo político gerado pela crise fortaleceu também os que se candidataram à margem dos partidos e, segundo a imprensa, 13 independentes estavam em boas condições de ser eleitos.

A confirmar-se o acordo entre trabalhistas e Fine Gael, o futuro Governo irá dispor de uma maioria parlamentar sem precedentes, um resultado que agradará aos mercados financeiros, ansiosos pelo regresso da estabilidade política ao país.

Dará também ao executivo um mandato mais forte para renegociar as condições do empréstimo internacional. Este é um objectivo partilhado pelas duas formações, mas enquanto os centristas desejam sobretudo uma revisão das elevadas taxas de juro impostas ao país, o Labour quer aliviar as medidas de austeridade, propondo, para isso, adiar para 2016 a data limite para o país ter o seu défice controlado. Poucos acreditam que a reivindicação possa ser aceite pela União Europeia.

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