Emilia-Romagna em três actos

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A Osteria del Sole já existia no final de 1465

O que se segue é um relato sem ponta de cronologia, às vezes até caótico, de uma viagem cujo pretexto era visitar Bolonha mas acabou por ser muito mais do que isso. Sandra Silva Costa (texto) e Nelson Garrido (fotos) foram para a cozinha, fingiram que têm um Ferrari, provaram vinagre do outro mundo e andaram à procura de Maomé numa igreja. E comeram, comeram, comeram - até que uma noite pediram clemência

I acto?De avental e à mesa

Isto é Outono a caminhar apressadamente para Inverno e os termómetros andam bem abaixo de zero. Chegamos embrulhados em cachecóis, gorros, luvas e casacos compridos. O céu está cinzento e há fortes probabilidades de que ainda hoje nos caiam fiapos brancos em cima (não nos enganamos, a neve há-de chegar sem timidez, mas lá mais para a noitinha - e é ver-nos a atirar bolas à cara uns dos outros...).

No primeiro andar do número 12 da Rua de Santa Bárbara, Luísa recebe-nos em manga curta. "Buon giorno" - e um sorriso de legítima satisfação por ter cinco estranhos a entrar-lhe porta dentro. Deixamos os agasalhos num armário à entrada e aqui estamos nós, em casa de Maria Teresa, a mãe de Luísa, a Cesarine que nos vai ensinar a fazer tortelinni, tagliatelle e ainda umas bolachinhas que, em abono da verdade, deram mais gozo a moldar do que propriamente a comer.

Ainda não tínhamos dito, mas estamos em Bolonha, a cidade capital da região italiana de Emilia-Romagna. E Bolonha, cidade medieval, é também a sede de Le Cesarine, uma associação criada em 2004 que tem como objectivo promover, proteger e divulgar a gastronomia típica italiana. Fá-lo como? Entre outras coisas, através de aulas de culinária na cozinha das Cesarine associadas.

Quando chegamos, pelas dez da manhã, uma grande mesa montada numa salinha anexa à cozinha já está preparada: ovos, farinha, cinco rolos da massa, garfos, tigelas e panos da louça aos quadrados azuis. E, claro, um avental para cada um.

Sob a mesa de trabalho, um enorme lustre colorido. Nas estantes em volta, fotografias de vários casamentos, retratos de crianças (Francesca, Giulia, Laura, Filippo, Federico, Federica), pratinhos de porcelana, bordados a ponto cruz. A um canto da parede, alguém assinalou o seu ritmo de crescimento a partir de 2006: 1,59 metros; 1,79 metros em 2010. O objectivo é chegar a 1,86 metros. Na mesma parede, estão expostos quatro mapas antigos: de Bolonha, de Catânia, de Nápoles e de Calábria, lugares onde a família de Luísa foi vivendo ao longo dos anos.

O que é que isto interessa para o caso? Nada para além disto: estamos numa típica casa de família. (Esta, já dissemos, é a casa da mãe de Luísa, Maria Teresa, 80 anos, que também está cá hoje. Luísa conta que usa sempre a casa da mãe para as suas sessões Le Cesarine - "tem mais espaço e assim ela sempre não fica tanto tempo sozinha." Ri-se e pisca-nos o olho.) Voltando à família, Luísa faz notar que é nela que se aprendem sempre os fundamentos da cozinha - e isso faz toda a diferença.

Posto isto, antes de pormos literalmente a mão na massa, diz-nos que façamos de conta que estamos na nossa própria casa.

Às 10h20 já estamos de avental posto e mãos lavadas (a propósito, já tínhamos dito que a casa de banho é um mimo, cheia de paninhos de linho e caixas de várias formas e feitios?), a postos para nos estrearmos nas lidas culinárias. Vamos começar pelos tortelinni: um ovo para 100 gramas de farinha, eis a dose necessária para uma pessoa. Começamos a bater o ovo, depois juntamo-lo à farinha e em seguida é fazê-los passar vezes sem conta pelo rolo da massa, até que fique com a espessura necessária. Isto é uma animação: espreitamos para o colega do lado, rimo-nos com a nossa falta de jeito e coramos de vergonha quando comparamos a nossa massa com a de Luísa - que, em italiano, nos vai incentivando. Paola, a nossa guia nesta viagem pela Emilia-Romagna, traduz - mas daqui a pouco há-de deixar-nos aos cinco sozinhos e a experiência torna-se ainda melhor. Vamo-nos entendendo com algumas palavras e muitos gestos. µ

± Depois de estendida a massa, é preciso cortá-la em quadrados, onde vai ser colocado o recheio (esta parte não foi connosco, o recheio já estava feito: leva mortadela, carne de porco, queijo Parmigiano Reggiano, noz moscada e um ovo). Em seguida fecha-se cada um dos quadrados, transformando-os em triângulos, e depois chega o pior: é preciso enrolá-los à volta do dedo indicador, puxar-lhes as pontas e dar-lhes uma espécie de nó. Os nossos primeiros são absolutamente desastrosos: grandes e a ameaçarem desfazer-se a qualquer momento. Com boa disposição e persistência, levamos o barco a bom porto - dentro do género...

Depois desta experiência, fazer tagliatelle é quase uma brincadeira de crianças. A massa é a mesma que se usa nos tortellini e basta enrolá-la numa espécie de rectângulo bem comprido e depois cortá-la com uma faca. E as bolachinhas de Natal também não têm nada que saber: levam farinha (350 gramas), manteiga e banha de porco (80 gramas), açúcar (150 gramas), dois ovos e uma gema. Moldá-las com a forma e em seguida decorá-las é a parte mais divertida.

E com isto são 11h50. As bolachas estão no forno, os tortellini a cozer na panela, numa espécie de canja. E nós estamos agora na sala, onde sofás brancos tipo IKEA convivem saudavelmente com outros com um ar mais vintage. A mesa onde vamos almoçar já está posta e ostenta uma toalha impecavelmente branca, aqui e ali com uns bordados vermelhos. Enquanto se desdobra entre a sala e a cozinha, Luísa vai respondendo às nossas perguntas. E primeiro queremos saber por que é que uma mulher bem-sucedida como ela - gere, com o marido, a editora L"Inchiostroblu, que publica belíssimos livros de fotografia - decidiu juntar-se ao "exército" Le Cesarine - há em Bolonha 500 casas como esta, que recebem hóspedes para o almoço ou para aulas de cozinha. "Faço-o porque me divirto", responde Luísa, sem mais. Tentamos esticar a corda. "Vi a publicidade de Le Cesarine no jornal e decidi telefonar. Fui ver uma sessão, gostei muito e decidi juntar-me."

Da mãe, Luísa herdou "o prazer de receber pessoas em casa para comer" - e isto explica muito bem toda a essência do projecto. Cada uma das associadas tem o seu menu - o que quer dizer que, noutra casa, teríamos experimentado coisas diferentes. Mas não foi com Maria Teresa que Luísa aprendeu a fazer pasta. "A minha mãe não gosta, aprendi com a minha avó." É isto que Le Cesarine quer: que o saber das avós italianas não se perca.

Às 13h05 sentamo-nos finalmente à mesa. Não é para nos gabarmos, mas os tortellini estão absolutamente deliciosos - talvez porque não fomos nós a fazer o recheio...

Le Cesarine

(O nome oficial do projecto, patrocinado por organismos governamentais, é Home Food, mas é mais conhecido como Le Cesarine.)

Home Food

Via Broccaindosso, 41

40125 Bolonha

Tel.: (+39) 051 220797

Participar numa aula de culinária de Le Cesarine não é propriamente barato, mas é uma experiência que vale mesmo a pena. Para além do que lá se aprende, é como se, ainda que por poucas horas, fizéssemos parte de uma família italiana. È verdadeiramente compensador. Quem não quiser ter a aula, pode apenas almoçar numa das casas das associadas. Por regra, as aulas acontecem para grupos de pelo menos duas pessoas, e custam à volta de 100? por pessoa. Este preço inclui a aula e, naturalmente, o almoço. Quem preferir ficar-se pelo almoço, deve contar com pelo menos 50?.

Já tirámos o avental, e não estamos propriamente à mesa, mas no fundo é como se estivéssemos. Estamos em Formigine, a poucos quilómetros de Modena, que por sua vez fica a uns 40 quilómetros de Bolonha. Mais coordenadas? Estamos na exploração agrícola Acetaia Rossi Barattini, a provar, de colheres de plástico brancas, um vinagre balsâmico do outro mundo - e que conquista, indiscutivelmente, o primeiro lugar no top five desta viagem.

Estamos a experimentar um vinagre com mais de 25 anos (Extravecchio) e não sabíamos exactamente ao que vínhamos. Cheiramo-lo levemente e só nos lembramos de Vinho do Porto. Quando o levamos à boca, percebemos que é de comer: o líquido é tão espesso e tem um sabor tão intenso (conseguimos sentir a madeira onde estagiou) que julgamos estar a mastigar um pedaço de chocolate. Não queremos que esta sensação acabe - o vinagre é magnífico. Não admira, por isso, o preço astronómico que custa: uma garrafa de 100 ml vale 80 euros.

Paolo, o dono da propriedade de 20 hectares, explica que este é o verdadeiro vinagre balsâmico tradicional: sob a designação Extravecchio só pode ser vendido quando atingir 25 anos de maturação. O próximo que nos dá a provar tem apenas 12 anos, chama-se Affinato e é vendido a 40 euros (100 ml também). É muito mais líquido, muito mais ácido que o primeiro, mas ainda assim delicioso. Esqueça (quase) todos os vinagres que compramos em Portugal com a inscrição "balsâmico de Modena"...

Começámos pelo fim, pela parte que realmente nos impressionou, mas, para além da prova de vinagre, na Acetaia Rossi Barattini é possível perceber melhor o processo de produção deste líquido precioso. É longo, já entendemos, e Paolo deixa escapar que é tudo menos rentável. Até porque, em muitos casos, o vinagre é produzido e acaba por ser provado apenas pela geração seguinte. "Às vezes, quem o produz não chega a experimentá-lo", adianta Paolo, resignado, enquanto nos mostra as pequenas pipas de madeira onde o vinagre envelhece.

Última nota: estamos na Emilia-Romagna, a região italiana que dá ao mundo o famoso vinho Lambrusco. O autêntico vinagre balsâmico de Modena é feito com as uvas das castas Lambrusco e Trebbiano. Em toda a região, há 500 produtores de vinagre balsâmico tradicional, explica Paolo.

Acetaia Rossi Barattini

Via Giardini sud 170

Formigine

Tel.: (+39) 059 236 115; (+39) 335 842 5571.

info@balsamicodop.it

www.balsamicodop.it

Agora é um fim de tarde de sábado e Bolonha mostra-se em traje de fim-de-semana, descontraída. As ruas estão cheias, há música e dança na Praça do Neptuno - e ainda alguns vestígios do nevão de ontem. E nós, que temos muito respeito aos adágios, decidimos que em Bolonha devemos ser bolonheses. Compramos um bolo "contra a depressão" na pastelaria Atti - mas devíamos ter comprado mortadela... - e caminhamos sem pressas para a Osteria del Sole, nas imediações da Piazza Maggiore. Já cá tínhamos estado antes, de passagem, mas tinha sabido a pouco. Quem não souber ao que vai, passa completamente ao lado desta taberna secular - há registos, no Arquivo de Bolonha, que comprovam a sua existência já no final de 1465: cá fora, há apenas um pequeno cartaz onde se lê "Vini".

E esta informação não podia ser mais verdadeira: aqui vende-se vinho (uma carta com 37 entradas, onde há Porto Graham"s e Madeira a três euros o cálice) e pouco mais - há cervejas (duas) e algumas bebidas destiladas. Não há água, sumos, café ou chá. Nem tão-pouco comida. É por isso que neste fim de tarde vemos de tudo em cima das mesas, mas comprado no exterior: a tão típica mortadela, o delicioso queijo Parmigiano Reggiano, batatas fritas, salgadinhos...

Pedimos um copo de branco gaseificado (2,50 euros) e, com licença, sentamo-nos numa das várias mesas corridas que compõem a sala. Isto é uma imersão na vida de Bolonha: o povo está alegre, festivo, faz brindes atrás de brindes e ficamos com a sensação que daqui a pouco já seremos todos amigos. Vemos malta com piercings, homens com gravata, uma ou outra mulher com ar de mãe de família, ali ao fundo algo que se parece com uma despedida de solteiro - mas mais daqui a pouco saberemos que não, era tão-só uma festa de final de curso de um estudante µ

±da Universidade de Bolonha. Aqui faz-se a festa toda, fazem-se todas as festas, mas um papel na parede avisa que "é proibido tocar e cantar".

À saída, reparamos num painel de azulejos escrito em português. É uma espécie de "código penal" a aplicar a quem maltratar o vinho. Entre outras coisas, determina que quem não fizer "continência a uma pipa cheia" será condenado a "seis anos de trabalhos forçados". Quem "jurar não beber mais" merece "pena de morte". Pedimos mais um copo, pelo sim, pelo não?

II acto?De olhos bem abertos

Sinceridade acima de tudo: não tínhamos expectativas muito elevadas sobre Bolonha. Partimos, no entanto, de espírito aberto: tudo o que viesse seria lucro. E talvez as melhores viagens sejam mesmo estas. Já dissemos que temos muito respeito pelos adágios, e quem diz adágios diz clichés, e por isso cá vai mais um: Bolonha revelou-se uma bela caixinha de surpresas.

As arcadas (e as torres, mas lá chegaremos) são o elemento arquitectónico mais marcante da cidade. Estão por todo o lado e, somadas, perfazem um total de mais de 40 quilómetros. Contam os locais que protegem Bolonha dos elementos: no Inverno, quase tornam os guarda-chuvas dispensáveis; no Verão, são um excelente resguardo para o sol.

Muita da vida de Bolonha faz-se sob estas arcadas, que começaram por ser construções abusivas dos proprietários das casas e acabaram por ser regulamentadas pelas autoridades municipais, que determinaram que, uma vez construídas a título particular, o seu uso teria de ser público. Hoje, a maior parte das lojas das grandes cadeias internacionais ficam sob estes pórticos, assim como os cafés mais frequentados de Bolonha.

As arcadas são tantas e tão diversas arquitectonicamente que há mesmo um roteiro turístico que lhes é exclusivamente dedicado. Passa por oito dos pórticos mais relevantes de Bolonha, a começar desde logo pelo do Pavaglione, um dos mais simbólicos e calcorreados da cidade - ou não fosse sob ele que se encontra o Archiginnasio, onde pela primeira vez se reuniram todas as escolas da Universidade de Bolonha, até então espalhadas por vários locais.

O Palácio do Archiginnasio foi construído em 1563, a universidade remontava ao ano de 1088 - considerada a mais antiga da Europa e a terceira do mundo. Foi o Papa Pio IV que mandou erigir o edifício, que tem a assinatura do arquitecto Antonio Morandi. É composto por dois pisos e tem um pórtico frontal e um pátio central. Duas longas escadarias dão acesso ao piso superior, onde ficavam as salas de aula das escolas de Leis (Direito Civil e Canónico) e Artes (Filosofia, Matemática, Física, Medicina e Ciências Naturais). Estas salas já não são visitáveis, pois é lá que se encontra depositado parte do impressionante acervo documental da que é hoje a Biblioteca Comunale dell"Archiginnasio (800 mil livros, entre os quais 12 mil manuscritos, 2500 incunábulos e 15 mil obras datadas do século XVI). A biblioteca foi instalada no Archiginnasio em 1838, já depois de a universidade ter sido trasladada para o Palácio Poggi, em 1803.

Os brasões que ornamentam os tectos do Archiginnasio são um elemento absolutamente distintivo - e talvez o mais impressionante do edifício. Têm inscrições relativas a proeminentes professores da universidade e também às famílias dos estudantes. Decifrar o que está escrito nestas paletas históricas é, por si só, um exercício interessante. Estão aqui mais de 7000 brasões, diz-nos Paola, a guia, e entre eles encontrámos pelo menos um português.

A construção do Archiginnasio foi um momento singular para Bolonha: não só representou a unidade da Universidade, como também marcou o início de um plano de renovação do centro da cidade. Este ciclo começou com a construção da fonte e da praça do Neptuno, em 1565, e prosseguiu com a edificação do Palácio Banchi, que deu à Piazza Maggiore a sua aparência final.

É este o autêntico centro histórico e é aqui que a cidade mostra, orgulhosa, o seu lado medieval. Aqui e nas torres que marcam o seu skyline, que fazem com que Bolonha seja uma cidade que se fotografa maioritariamente ao alto.

Mais de 100 torres foram construídas em Bolonha nos séculos XII e XIII, fruto da rivalidade entre as mais poderosas famílias aristocráticas da cidade - qualquer coisa do género "a minha torre é maior que a tua". Hoje mantêm-se de pé menos de vinte. As mais famosas - e que são, aliás, o símbolo da cidade - são as prosaicamente chamadas Duas Torres (Due Torri), atribuídas às famílias Asinelli e Garisenda. A mais alta, a Asinelli, tem 97 metros de altura e 498 degraus até ao topo e está aberta ao público (3?, das 9h00 às 18h00, 17h00 no Inverno) mas uma superstição local aconselha que os estudantes da Universidade de Bolonha não a escalem antes de terminado o curso. Crê-se que, se o fizerem, correm o risco de ficar burros - um jogo de palavras com o termo asinelli, que em português quer dizer burricos.

E agora ala burro que se faz tarde, a Basílica de San Petronio está quase a fechar as portas. Olhos bem abertos, por favor, que precisamos de encontrar a grande ameaça da cidade.

A Basílica de San Petronio, cuja construção começou em 1390, domina a Piazza Maggiore de Bolonha - e à volta dela dominam as forças de segurança. Aquela que é uma das maiores igrejas do mundo é patrulhada sete dias por semana, 24 horas por dia, ora pelos Carabinieri, ora por elementos do Exército italiano. Tudo porque estará na mira dos terroristas islâmicos, que não se conformam com o fresco da autoria de Giovanni da Modena que, numa interpretação datada de 1415 de A Divina Comédia, de Dante, põe Maomé no Inferno. À conta deste fresco já houve uns quantos alertas de atentados terroristas na basílica.

Entramos, finalmente, e vemos logo que é uma igreja gótica gigantesca - depois confirmamos que tem 130 metros de comprimento por 58 de largura, com uma cúpula de 45. Nesta tarde de sábado estarão cá dentro mais pessoas a rezar do que propriamente turistas. Estamos tão determinados a encontrar o fresco de Giovanni da Modena que quase não reparamos no famoso relógio solar construído por Cassini em 1655. µ

± A má notícia: com pouca luz e sem mais referências nem guia a quem perguntar - Paola, a falta que nos fizeste! -, não conseguimos descobri-lo. (Já agora, quem quiser procurá-lo, saiba que está na ala esquerda da igreja, à quarta capela.)

Não disfarçamos a frustração - e decidimos afogá-la numa chávena de chocolate quente, que nos dá o conforto necessário para a caminhada final pelas ruas de Bolonha. Não é muito longa, felizmente - a Via delle Belle Arti, onde está instalada a oficina de Bruno Stefanini, um dos três construtores de violinos que sobrevivem em Bolonha, é a menos de cinco minutos.

Ouvimos falar em violinos e pensamos imediatamente em Cremona e, claro, nos famosos Stradivarius. Bruno parece ler-nos os pensamentos e é ele mesmo quem toca no assunto: "A construção de instrumentos em Bolonha é muito mais antiga do que em Cremona. Desde 1400 que cá se fazem alaúdes. Com o tempo, os que faziam alaúdes tornaram-se também construtores de violinos. E, mais importante ainda, em Bolonha a produção de violinos nunca foi interrompida, o que já não aconteceu em Cremona."

O que diz a seguir, num inglês fluentíssimo, é que não é muito auspicioso: "Eu construo violinos há trinta anos, mas a minha geração será provavelmente a última a fazê-lo." Um mês é o tempo que demora a fazer um violino, para um violoncelo são precisos três. No que toca a preços, um violino saído desta pequena oficina pode custar entre oito mil a vinte mil euros.

A conversa de Bruno foi música para os nossos ouvidos. Tivéssemos mais tempo e teríamos visto o Museu Internacional da Música - instalado, desde 2004, no seiscentista Palácio Sanguinetti - com olhos de ouvir. (Aos verdadeiramente apaixonados pelo mundo musical, aconselhamos sem sombra de dúvida uma visita com tempo.) Tivéssemos mais duas noites em Bolonha e teríamos ido à ópera ao Teatro Comunale. E por falar em teatro, antes que corra o pano talvez seja melhor reformularmos o título deste II acto: de olhos bem abertos e de ouvidos bem apurados.

III acto?Prego a fundo

... até Maranello, a 17 quilómetros de Modena. E Maranello resume-se com uma cor: vermelho. Maranello é a Ferrari e o resto é paisagem. É aqui que está instalada a fábrica dos míticos Cavallino Rampante e é por ela que, todos os anos, uma legião de aficionados se põe a caminho desta cidadezinha de 16.500 habitantes de arquitectura industrial desinteressante. Em bom rigor, não é pela fábrica, aonde as visitas estão interditas, mas sim pela Galeria Ferrari, onde acabámos de chegar.

À entrada do museu, duas raparigas na casa dos 20 anos, bonitas, perguntam-nos se queremos experimentar um Ferrari. Não resistimos à brincadeira: "Não, obrigada, temos um em casa." Um test-drive de 10 minutos custa 60?.

Aceleramos, isso sim, para a galeria. Não somos propriamente fãs de carros, mas uma concentração de Ferraris deste calibre impressiona qualquer um. O primeiro encontro é com o primeiro Ferrari: o 125 S, de 1947. Tem 12 cavalos, volante à direita e todo o charme dos carros de outros tempos. Nesta que é a primeira sala expositiva (Competition Hall) há também fotos dos vários pilotos que, ao longo dos tempos, guiaram a Ferrari no caminho das vitórias no mundo da Fórmula 1 - desde Teodoro "Dorino" Serafini (italiano) a Niki Lauda (austríaco) ou o alemão Michael Schumacher, que representou o Cavallino Rampante entre 1996 e 2006. Em exposição nesta ala estão também os oito motores que conseguiram as vitórias nos mundiais de Fórmula 1 na última década. E capacetes, e pneus, e luvas e a restante parafernália dos carros de corrida.

E agora eis-nos no hall das vitórias - que é uma espécie de apoteose para os visitantes. Não há quem passe por aqui e não sinta a tentação de ser fotografado frente a estas máquinas de fibra de carbono. Nos ecrãs gigantes vão passando as glórias da Ferrari no mundo na F1. O filme termina com uma provocação: "We don"t sell cars, we sell a dream" ("Nós não vendemos carros, vendemos um sonho").

Pela parte que nos toca, sonhamos que um dia poderemos comprar um destes Enzo Ferrari 2002, que vai dos 0 aos 100 km em 3,5 segundos. Deste modelo, dedicado ao fundador da marca, foram construídas 399 unidades mais uma: para vender a favor das vítimas do tsunami do sudeste asiático. Tentámos saber quanto rendeu, mas sem sucesso.

Galleria Ferrari

Via Dino Ferrari, 43 - 41053 Maranello

Tel.: +39 0536 949713; fax: +39 0536 949714

galleria@ferrari.it

www.galleria.ferrari.com

Preços: 13? para adultos; 9? para crianças

De Bolonha, quem não tiver carro pode chegar a Maranello via Modena, de comboio (30 minutos de viagem). Depois é só procurar a paragem de autocarros que fica a uns 800 metros e entrar no número 800, direcção Pavullo. Há uma paragem específica para a Ferrari, bastará perguntar ao motorista.

Da Ducati também a reza a história, não é verdade? São famosas as suas motas, produzidas nesta fábrica onde acabámos de entrar. É manhã, ainda cedo, e aqui estamos nós a deitar o olho à forma como se fabricam os potentes motores destas "duas rodas".

Livio Lodi é o guia que nos acompanha e já faz parte da mobília da Ducati.Trabalha aqui desde 1987 e fala da empresa com uma paixão que se nota a léguas. E já tem os números na ponta da língua: "Produzimos 350 mil motos por ano, contra os 12 milhões da Honda. Mas, atenção, as nossas têm imensa qualidade", assegura. Desta unidade fabril saem entre 160 a 350 motos por dia e, explica ainda Livio, "a produção é sazonal". "Vendemos muito mais entre Janeiro e Setembro, por causa do tempo, e exportamos 75 por cento do que produzimos."

A esta altura do campeonato já sabemos que são precisos perto de 70 minutos para completar um motor e daqui a nada saberemos que as Ducati podem custar de 6900 a 35.000?. "Acessíveis a qualquer pessoa", sublinha Livio (os óculos e a barbicha dão-lhe um certo ar de Salman Rushdie...), enquanto nos encaminha para o museu. É um espaço que conquista mesmo aqueles que não percebem nada de motas. Abriu em 1998 e tem 44 "duas rodas" em exposição, dos mais variados modelos - desde o Il Cucciolo, de 1948, os primórdios da Ducati nos motociclos (a empresa foi fundada pelos irmãos Ducati em 1926, mas dedicava-se ainda apenas a produtos eléctricos) aos mais potentes usados em competição.

Por ano, o museu e a fábrica de Bolonha recebem 45 mil visitantes. Agora que o campeão Valentino Rossi vai acelerar numa Ducati - a Desmosedici GP11 - no campeonato de Moto GP, espera-se que o número aumente.

A Fugas viajou a convite da Ryanair e do Turismo de Emilia-Romagna

Museo Ducati

Via Cavalieri Ducati, 3

40132 Bolonha

Tel.: +39 051 641 3864

Fax: +39 051 641 3357

www.ducati.com

Para chegar ao museu poderá apanhar um táxi do centro de Bolonha (à volta de 15?, viagem de 20 minutos) ou, em alternativa, ir de autocarro. O bilhete custa 1? (40 minutos) ou comboio (1? também, 10 minutos). O melhor será pedir informações na estação ferroviária, tanto para a opção comboio como autocarro. Para visitas ao museu e à fábrica é aconselhável que marque com alguma antecedência - pelo menos uma semana é ideal. Os adultos pagam 10?, as crianças 8?. O horário de abertura varia consoante os dias.

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