Hezbollah passa a controlar Governo libanês

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Os apoiantes de Hariri denunciaram o "golpe de Estado" do Hezbollah ANWAR AMRO/AFP

O partido armado xiita assume pela primeira vez a hegemonia política do país, o que poderá significar um enfraquecimento da Síria e um reforço de Teerão

A imposição de um novo primeiro-ministro pelo Hezbollah desencadeou ontem "um dia de cólera" no Líbano, com milhares de pessoas a manifestarem-se, por vezes com violência, a favor do primeiro-ministro demissionário, Saad Hariri, e denunciando um "golpe de Estado" pró-iraniano. O bilionário sunita Najib Mikati, de 55 anos, antigo primeiro-ministro e dissidente do partido de Hariri, foi encarregado de formar governo pelo Presidente da República.

A crise foi aberta no dia 12 quando os ministros do Hezbollah abandonaram o Governo, depois de um ultimato a Hariri para desautorizar, num "prazo de horas", o Tribunal Espe- cial para o Líbano, da ONU, que está a concluir o julgamento sobre o atentado que matou seu pai e mais 21 pessoas, em Beirute, em Fevereiro de 2005. Foi este atentado que levou à "Revolução do Cedro" e forçou a retirada do Exército sírio do Líbano.

No dia 19, a Arábia Saudita anunciou o abandono da mediação que partilhava com a Síria. Outras tentativas de mediação, como a turca, em nada resultaram. No domingo, esteve em Damasco o ministro dos Negócios Estrangeiros interino do Irão, Ali Salehi, para conversações sobre o Líbano.

Segundo o sistema confessional de partilha do poder, o primeiro-ministro deve ser um sunita. O Hezbollah organizou uma nova maioria - com o outro partido xiita, Amal, e o partido druso de Walid Jumblatt. Este foi um dos protagonistas da "Revolução do Cedro", mas, por tradição, muda de campo ao sabor das relações de força. Segundo analistas, o Hezbollah não lhe deixou qualquer veleidade de escolha. O nome de Mikati reuniu o apoio de 68 dos 128 deputados.

Frisam analistas libaneses que o novo Governo será instável e marcado por falta de legitimidade. Tem a oposição da maioria dos cristãos e, sobretudo, da comunidade sunita, que considera a sua nomeação como uma ruptura do pacto constitucional e a tomada das rédeas do poder pelo Hezbollah, um partido armado. Cresce paralelamente o rumor da implicação de figuras do Hezbollah no atentado de 2005.

Damasco e Teerão

Os analistas não escondem alguma perplexidade, pois apostavam num compromisso. O Hezbollah foi criado pelo Irão mas mantém estreitíssimas relações com a Síria, o seu segundo patrono e de quem depende para o acesso ao armamento.

O jornalista Michael Young explica que a Síria não pode aceitar a hegemonia do Hezbollah no Líbano. Sempre se arrogou a tutela do país e o seu domínio pelo Hazbollah equivaleria a entregá-lo ao Irão. Damasco teme ainda que tal aumente o risco de guerra com Israel. Por fim, a Síria tem vindo a retomar posições no Líbano através da cooperação com os sauditas.

Hillary Clinton declarou ontem à noite que "um governo controlado pelo Hezbollah terá impacto nas relações bilaterais". O jornal saudita Asharq Alawsat prevê um corte da ajuda económica.

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