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"A arquitectura é ainda uma coisa muito honesta"

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Herzog deu uma grande lição de arquitectura na Aula Magna pedro cunha

O arquitecto suíço Jacques Herzog encerrou ontem em Lisboa a Trienal de Arquitectura 2010

Foi mesmo no final, já em resposta a uma pergunta sobre a melhor forma de os arquitectos explicarem os seus projectos, que Jacques Herzog, o arquitecto suíço da dupla Herzog & de Meuron, que projectou o novo estádio olímpico de Pequim, disse ontem, em Lisboa: "Em arquitectura não podemos fazer batota. A arquitectura é ainda uma coisa muito honesta, mesmo vivendo nós no século XXI."

O que Herzog queria dizer era que não há estratégia de comunicação que salve um mau edifício ou que afunde um bom - mais cedo ou mais tarde as pessoas vão experimentar o espaço, viver nele, e é aí que a arquitectura se revela em toda a sua honestidade. Ou é boa ou é má.

A Aula Magna da Reitoria da Faculdade de Letras, em Lisboa, estava praticamente esgotada para ouvir Herzog (Pierre de Meuron também estava na sala, mas ficou entre a assistência). E o suíço deu uma grande lição de arquitectura naquela que foi a conferência de encerramento da Trienal de Arquitectura de Lisboa 2010. Mostrou vários dos mais recentes projectos do seu atelier e explicou que uma das coisas fundamentais para ele e De Meuron é compreender "a psicologia das cidades" para onde projectam edifícios. Porque, afirmou, as cidades reflectem os seus habitantes. O que procuram perceber não é o "sabor local", é a mentalidade dos que nelas habitam.

É por isso que as soluções que propõem são sempre diferentes. Um edifício enorme, imponente, em forma de pirâmide, destacando-se no horizonte (Project Triangle) só faria sentido em Paris, "uma cidade divina, imaginada por reis e pelos seguidores destes, que ainda hoje têm um espírito monárquico".

Tal como a Tate Modern - que é, a par com o estádio Ninho de Pássaro em Pequim, uma das obras mais emblemáticas da dupla -, com o espaço esmagador da Turbine Hall, "integra-se na perfeição" em Londres e não teria nunca lugar na Suíça, país onde os dois arquitectos nasceram e onde continuam a trabalhar.

Sendo filhos da "geração de 68", Herzog e De Meuron reivindicam "um forte background democrático" que os leva a acreditar que "as pessoas gostam de espaços públicos e abertos" - locais onde as fronteiras entre o interior e o exterior se podem confundir, e onde os encontros podem acontecer de forma inesperada (foi pensando nisso que desenharam, por exemplo, um novo complexo cultural para São Paulo, no Brasil, um edifício, ainda não construído, feito de lâminas de betão que se cruzam e entrelaçam, num exemplo daquilo a que chamam "edifício esqueleto"). Mas, lembrou Herzog, a ideia de espaços democráticos não está garantida, sobretudo numa altura em que muitas "economias em crescimento são tudo menos democráticas".

Na pequena apresentação do trabalho da dupla que fez no início da sessão, o arquitecto Eduardo Souto Moura tinha dito que Herzog & de Meuron são os arquitectos "mais copiados em Portugal". Mas a admiração de Herzog pelo que se projecta no país parece não ter nada a ver com isso. "Portugal é um dos grandes países para a arquitectura contemporânea", declarou. "E não estou a dizer isto para vos agradar."

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