As Vésperas de Monteverdi, 400 anos depois

Assinalando os 400 anos da edição em Veneza das Vésperas da Beata Virgem, de Monteverdi, o Centro Cultural de Belém apresenta esta tarde (às 19h00) a interpretação desta obra paradigmática da transição para o Barroco pelo agrupamento La Venexiana, considerado uma referência máxima no que diz respeito à música do grande compositor italiano.

Dirigido por Claudio Cavina, o grupo tem uma discografia notável dedicada aos madrigais de Monteverdi e dos seus contemporâneos e registos das ópera L"Orfeo e L"Incoronazione di Poppea na etiqueta Glossa.

A longa experiência de La Venexiana no campo da produção madrigalística será assumidamente transposta para as Vésperas, ainda que neste caso se trate de uma obra de natureza religiosa, conforme referiu ao P2 Claudio Cavina, contratenor e director musical do grupo. "As Vésperas foram escritas por Monteverdi em Mântua, quando o compositor se encontrava no seu período áureo. Tinha publicado e interpretado a ópera L"Orfeo há pouco tempo e o IV e o V Livro de Madrigais acabavam de ser impressos. A nossa experiência de dezenas de execuções de madrigais não podia deixar de nos conduzir a uma visão "de câmara" desta obra-prima escrita para o duque de Gonzaga e que abre com a mesma fanfarra com que se inicia L"Orfeo", explicou Claudio Cavina.

"A nossa abordagem não difere muito da que usamos em relação aos madrigais ou a ópera. O texto é a primeira coisa que estudo a fundo e em segundo lugar estudo a relação entre o texto e música, na qual Monteverdi é um mestre indiscutível." O cantor e maestro recorda que, além dos Salmos policorais, as Vésperas incluem os chamados "Concerti para vozes solistas" que são "pequenas jóias da música de câmara" e, como tal, mais próximos da tradição madrigalística.

"Acreditamos poder transportar toda a nossa experiência no campo do madrigal para a música sacra", diz o maestro. "Isto leva-nos a adaptar as mudanças de tempo ao texto e a evidenciar as linhas e a retórica. Penso que a nossa ideia de uma abordagem à italiana muito centrada na ligação palavra-música pode trazer uma nova ideia sobre esta obra-prima."

Demasiadas notas

Para Claudio Cavina, o uso de um efectivo de dez vozes e de um pequeno conjunto instrumental vai ao encontro das raízes da obra e da sua natureza. "Sabemos que pelo menos parte das Vésperas foram interpretadas em Mântua na Igreja de Santa Bárbara, que era a Capela dos Duques. Não creio que Monteverdi tivesse pensado num outro espaço. Estava ainda longe de imaginar-se em Veneza na grandiosa Basílica de S. Marcos. Santa Barbara é uma pequena igreja, onde seguramente um efectivo de pequenas dimensões podia fornecer uma execução de grande dignidade."

No que diz respeito à possível ornamentação improvisada que se podia aplicar à música desta época, Claudio Cavina é cauteloso. "Não gosto de ornamentos que não tenham sido colocados na partitura pelo compositor. Acho que demasiadas notas não são eficazes para compreender o texto e a ideia musical. No Orfeo, Monteverdi escreve todas as notas das ornamentações da ária Possente spirto e em relação ao Combattimento di Tancredi e Clorinda deixou escrito que o cantor poderia ornamentar apenas na estrofe que se inicia com Notte. Nesta perspectiva, nós procuramos ser fiéis às suas indicações."

Dos dois Magnificat incluídos por Monteverdi na edição das Vésperas de 1910, La Venexiana irá interpretar o Magnificat a seis vozes concertato, representativo de uma "concepção nova e audaciosa" da música sacra. "Deixar o cantus firmus às vozes e realizar jogos concertantes com instrumentos de natureza diversa (cornetos, trombones, flautas, violinos) traz à música religiosa uma dimensão profana e virtuosística que até então era deixada apenas à improvisação e ao gosto dos intérpretes", explica o director de La Venexiana. "Aqui, Monteverdi assume-a e anota-a em detalhe na partitura."

Depois de ter gravado a integral dos madrigais, L"Orfeo, L"Incoronazione di Poppea e a Selva Morale e Spirituale, La Venexiana pretende registar Il Ritorno di Ulisse in Patria, completando assim a trilogia das óperas, e as Vésperas da Beata Virgem. "As Vésperas serão uma digna conclusão do trabalho iniciado há muitos anos por La Venexiana no intuito de levar a música de Monteverdi ao público do século XXI."

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