"A única acção que tem lugar nesta peça é quando as pessoas saem"

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The Author stephen cummiskey

Das mil pessoas que talvez tenham visto The Author no Reino Unido, umas 200 terão saído zangadas, transtornadas. Mais tarde, algumas falaram do melhor teatro que alguma vez viram

Da peça de The Author, não há registo em vídeo de ensaios ou de espectáculos anteriores. Nem ensaios abertos marcados em Lisboa, onde os quatro actores - Tim Crouch, Chris Goode, Vic Llewellyn, Esther Smith - aterraram ontem para os espectáculos esta noite, amanhã e depois, na Culturgest. Talvez, entre eles, tenham relido o texto. Mas esta é uma peça que parecem transportar à flor da pele, desde a estreia em Setembro de 2009.

Depois disso, The Author, encenada por a smith e Karl James, foi um dos acontecimentos mais falados no Fringe Festival de Edimburgo, em Agosto deste ano, e correu mundo.

O que se sabe sobre o espectáculo não parte de algo visto. Mas de algo falado - numa entrevista pelo telefone com o autor e actor Tim Crouch - e lido: as críticas unanimemente elogiosas de uma forma diferente de fazer teatro.

The Author foi a primeira encomenda do Royal Court Theatre de Londres ao autor britânico que, há sete anos, à beira de completar 40 anos, sem meios para sustentar a família e depois de um percurso feito de frustrações, pensou deixar o teatro e ser professor.

Hoje é "um dos artistas mais inteligentes a fazer teatro actualmente no Reino Unido", escreveu a revista alemã Kulturflash. My Arm, a sua primeira peça (2003), marcou uma viragem na sua vida - antes de An Oak Tree (2005), England (2007) (todas apresentadas na Culturgest) e agora The Author.

É possível descrever The Author?

É possível, mas é difícil. Conta a história de outra peça, violenta, escrita e dirigida por um escritor, Tim Crouch, que não sou eu.

É o seu alter-ego?

É o meu alter-ego, mas não é muito simpático [risos]. Eu represento essa personagem, Tim Crouch, um autor que conta a história dessa outra peça, fala do efeito que ela teve nos dois actores e no efeito num elemento do público que, na última noite do espectáculo, é atacado por um desses actores. O autor fala do perigo inerente à tentativa de fazer as coisas parecerem realidade. De certo modo, é uma sátira muito forte a uma escola de teatro que anda à volta do realismo, ou do teatro que pensa que a sua função é representar a realidade.

Como representam essa história?

O palco é a audiência. Não há distinção. Há dois bancos corridos, de um lado e de outro, face a face e com muito pouca distância entre si. A audiência vê a audiência e, no meio, nós, os quatro actores, representamos personagens que têm os nossos próprios nomes. Estamos sentados e contamos uma história. A única acção que tem lugar nesta peça é quando as pessoas saem. Às vezes zangadas, outras vezes transtornadas. Talvez mil pessoas tenham visto o espectáculo no Reino Unido. E dessas, talvez umas 200 tenham saído antes do fim.

Porquê zangadas?

Porque não estamos a dar ao público o que um público tradicionalmente espera no teatro: sentar-se no escuro, ver acção, movimento e som, a uma certa distância. Nesta peça, a audiência está sob o foco de luz. É difícil porque a audiência está dentro da peça. Nada lhes é pedido, mas estão presentes. Isso é importante quando falamos de responsabilidade.

Fala da peça como suave ou subtil. A crítica descreve-a como explicitamente violenta.

A um certo nível, é suave, mas o tema explorado não é fácil. Não há acção, portanto, tudo o que é explícito não é através da acção. É através das palavras. Já tive pessoas a dizerem-me, no fim, "isto foi terrível" e, uns dias depois, escreverem-me a dizer: "Foi a coisa melhor que alguma vez vi".

O que há de explícito no texto?

No fim, há uma confissão pela personagem de Tim Crouch, mas não temos a certeza se ele confessa ter cometido um abuso ou ter visto alguém cometer um abuso no computador. A peça é também sobre a responsabilidade que nós espectadores temos na escolha do que vemos. Há uma descrição de um acto em que olhar para este acto é cometer um acto criminoso.

Como se não houvesse distinção entre o que se vê e o que se faz?

É nessa fronteira que esta peça existe. A história é quase cronológica e contada de forma muito clara. Como em todo o meu trabalho, é a coisa mais importante.

Num texto de apresentação, dizem que esta é uma peça sobre a essência do teatro, que tenta responder a perguntas como "por que voltam as pessoas, sempre, ao teatro". Já há respostas?

Não... não há respostas. A nossa mensagem é: "Por favor vão ao teatro, mas pensem sobre o teatro". Penso de forma apaixonada que o teatro é um espaço público muito importante para se pensar de forma colectiva. É uma coisa real, parte da vida real. Não é uma diversão, nem um escape.

Também descrevem The Author como uma peça sobre a esperança. Esperança no teatro?

Espero que seja sobre estarmos juntos. É o que acontece num teatro. As pessoas juntam-se. E tem que haver esperança nesse movimento de nos juntarmos. Vivemos num mundo muito privado, em que as pessoas estão sozinhas frente ao computador e organizam as suas vidas através dessa relação individual e solitária. É muito importante que as audiências se juntem para pensar antes de voltarem a essa solidão.

Tem uma forma diferente de fazer teatro, como diz a crítica?

O teatro é um local para contar uma história, não só a narrativa do texto mas a história de um grupo de pessoas que se juntam. Não me entusiasmam tanto os aspectos materiais tradicionais, como cenários e figurinos, que podem esconder as razões de estarmos juntos. As pessoas descrevem o nosso trabalho como conceptual. Talvez seja uma expressão apropriada. Um trabalho conceptual não se apoia na materialidade. Apoia-se no público para trazer a sua mente. É a junção dessa mente com a mente dos artistas que cria a peça na sua totalidade. Um não existe sem o outro.

The Author

Tim Crouch (autor) Karl James & a smith (encenação) Ben Ringham e Max Ringham (música e som) Tim Crouch, Chris Goode, Vic Llewellyn, Esther Smith (actores) Culturgest, dias 23, 24 e 25 de Novembro

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