Faz-nos falta medir a felicidade interna bruta?

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Governo britânico quer medir a satisfação dos seus cidadãos LUKE MACGREGOR/REUTERS

A ideia já conquistou muitos economistas, tem adeptos no Banco Mundial e na ONU. Alguns países começam a tentar aplicá-la

O Governo conservador britânico quer medir a satisfação dos cidadãos. Aferir a sua felicidade, a satisfação com a vida que levam. A ideia é cara ao primeiro-ministro, David Cameron, que a defende pelo menos desde 2006 e agora quer mesmo pô-la em prática. O Reino Unido vai começar a recolher estatísticas que o poderão levar a criar um índice da felicidade interna bruta (FIB), em oposição ao PIB.

O produto interno bruto (PIB) é o índice mais usado para determinar a riqueza e o desenvolvimento das nações, permitindo compará-las. Mas tem limitações. "Quando há grandes alterações de desigualdade (de forma geral diferenças na distribuição de rendimentos) o PIB ou qualquer outro agregado computado per capita pode não dar uma avaliação precisa da situação vivida pela maior parte das pessoas", lê-se no relatório da Comissão Stiglitz - o nome pelo que ficou conhecido o grupo de peritos convocado em 2008 pelo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, para identificar outras formas de medir o progresso social.

Recheada de nomes sonantes, ligados economia, à estatística e ao desenvolvimento, teve pelo menos três prémios Nobel da economia a dar o seu contributo (Stiglitz, Amartya Sen e Daniel Kahneman) e elaborou uma série de recomendações. Um dos pressupostos de que partiu é o de que a forma tradicional de usar as estatísticas "pode dar uma visão distorcida das tendências dos fenómenos económicos".

Os cientistas explicam (está tudo disponível on-line, em stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/índex.htm): "Por exemplo, os engarrafamentos podem fazer crescer o PIB, pois aumentam o consumo de gasolina, mas obviamente não fazem subir a qualidade de vida. Além disso, se os cidadãos se preocupam com a qualidade do ar, e a poluição do ar aumenta, estatísticas que ignorem a poluição do ar vão dar uma estimativa pouco precisa do que se está a passar com o bem-estar dos cidadãos."

Política feliz

A ideia de medir a felicidade dos cidadãos não começou com Stiglitz, que é economista chefe do Banco Mundial, nem com Cameron, nem com Sarkozy. Há toda uma área de investigação que floresceu nas últimas décadas - a economia da felicidade - concentrada em desenvolver novas técnicas de medição do bem-estar e da satisfação social, nascida no seio da econometria. O Banco Mundial e as Nações Unidas estimulam estes estudos e debates, que têm sido particularmente activos em países como o Canadá, o Brasil ou França.

No Reino Unido, o tema ganhou definitivamente contornos políticos, embora não apenas com Cameron. Isso já tinha acontecido graças ao economista Richard Layard, membro da Câmara dos Lordes pelo Labour desde 2000 e que era considerado como o "czar" da felicidade dos anteriores governos trabalhistas, tanto o de Tony Blair como o de Gordon Brown.

O Office for National Statistics britânico (o equivalente ao português Instituto Nacional de Estatística) já há alguns anos que está a trabalhar no problema de encontrar métodos para medir o bem-estar e a felicidade dos súbditos da rainha Isabel, para além de recolher e processar números sobre a inflação, o desemprego e o crime. A iniciativa dos conservadores de David Cameron não surge, portanto, do nada.

No entanto, a ideia não deixa de ser vista "com nervosismo" em Downing Street, dizia o Guardian, pois surge num momento em que a infelicidade tende a aumentar, devido à crise económica e à política de austeridade que os governos estão a impor.

Mas se há um movimento para levar a sério o conceito da felicidade interna bruta, o FIB em alternativa ao PIB, também há quem não acredite que vingue. "Como conceito é importante", disse à Reuters Ross Walkers, economista do Royal Bank of Scotland. "Mas a felicidade não é algo que se possa medir directamente, portanto olho com cepticismo para o valor acrescido que isto poderá trazer."

No entanto, a directora dos serviços nacionais de estatística britânicos está feliz com a perspectiva de poder lançar-se nesta novo tipo de inquérito, que deve começar a ser formulado este mês, para ser transformado em perguntas a fazer aos cidadãos já na próxima Primavera. "Há um crescente reconhecimento internacional de que para medir o bem-estar e o progresso das nações é preciso desenvolver uma visão mais abrangente, em vez de nos focarmos apenas no PIB", disse Jill Matheson, citada pela AP.

O Canadá, que já criou um índice de bem-estar nacional, pergunta regularmente aos cidadãos coisas como "Está satisfeito com a sua vida?" e "Sente-se confortável com o seu nível de endividamento actual?", além de se interessar pelos seus valores morais e condições de vida. As estatísticas britânicas poderão seguir pelo mesmo caminho.

Quanto a lorde Richard Layard, o ex-"czar" da felicidade dos trabalhistas, está mesmo feliz com a iniciativa dos conservadores. "Acho maravilhoso", declarou à AP. Pelo que diz, estas futuras estatísticas podem ser o início de novas políticas. "É uma coisa que eu e outros temos vindo a defender: até medirmos as coisas certas, não vamos poder fazer as coisas certas."

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