O novo "American way of sex"

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O que se passa no quarto, na cama (debaixo dos lençóis) dos americanos? Um novo estudo levanta uma pontinha do segredo e um cientista português propõe que comecemos a olhar também para nós.

Não tive relações sexuais com essa mulher", dizia convictamente para as câmaras o Presidente Bill Clinton em 1998. Ele até podia acreditar no que dizia - que não tinha tido relações sexuais com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, porque tinha apenas sido o alvo das atenções sexuais dela - sob a forma de sexo oral... - sem retribuir o favor. Doze anos depois, ser-lhe-ia ainda mais difícil convencer os seus compatriotas de que não teve relações sexuais com Lewinsky, pois a maioria dos norte-americanos, diz um novo estudo alargado dos comportamentos sexuais na América, praticam frequentemente o sexo oral.

"Os pássaros fazem-no. As abelhas fazem-no. Até as pulgas esclarecidas o fazem - vamos fazê-lo também", diz o refrão da canção do compositor norte-americano Cole Porter. No caso do Estudo Nacional sobre a Saúde e Comportamentos Sexuais (disponível para consulta em www.nationalsexstudy.indiana.edu), publicado numa edição especial de Outubro da revista científica Journal of Sexual Medicine, o que os cientistas do Centro para a Promoção da Saúde Sexual da Universidade do Indiana provam é que os comportamentos sexuais se mantêm de facto ao longo da vida - pelo menos dos 14 aos 94 anos -, é esse o amplo alcance do seu inquérito.

Há duas décadas que não havia um estudo alargado dos comportamentos sexuais e relacionados com a saúde sexual nos EUA - o último, e o primeiro com uma amostra nacionalmente representativa, foi feito em 1992 (publicado em 1994), por cientistas da Universidade de Chicago (National Health and Social Life Survey) e só auscultou adultos entre os 18 e os 60 anos. Os primeiros inquéritos deste tipo foram feitos por um professor de Biologia da Universidade do Indiana, Alfred Kinsey, há cerca de 60 anos (O Comportamento Sexual do Macho Humano, em 1948, e O Comportamento Sexual na Fêmea Humana, em 1953). As amostras que usou não eram representativas em termos populacionais, embora fossem enormes, mas os estudos deste biólogo especialista em insectos com uma vida sexual bastante interessante foram um fenómeno de tal forma importante na sociedade que até inspiraram Cole Porter numa outra canção, Too Darn Hot. O que se passa então debaixo dos lençóis americanos? "Embora estudos de grupos específicos de indivíduos (adolescentes, de "alto risco") tenham examinado o reportório sexual, sabe-se pouco, ao nível populacional, sobre os tipos de comportamentos sexuais que compõem um dado encontro sexual entre homens e mulheres nos Estados Unidos", escrevem os cientistas nos artigos agora publicados.

Entre outras coisas, propuseram-se descobrir que tipo de sexo fazem os americanos (coito? anal? oral? masturbação com o parceiro ou solitária?), onde o fazem, com que tipo de parceiros (companheiro habitual? parceiro ocasional? amigo? pagando?) e, muito importante, porque o estudo é financiado por uma marca de preservativos, quais os seus hábitos na utilização desta forma de prevenir não só a gravidez como doenças sexualmente transmissíveis.

Para isso, usaram uma amostra de 5865 pessoas, representativa da população norte-americana, que foi seleccionada recorrendo a uma empresa de sondagens, e que respondeu às perguntas dos investigadores através da Internet - para garantir o anonimato, de uma forma que, dizem os cientistas, facilita a obtenção de respostas sinceras. O estudo não aborda os comportamentos dos homossexuais, porque as perguntas elaboradas pelos investigadores não permitiam traçar um retrato tão fino que abarcasse essa ou outras minorias, escreve a equipa no Journal of Sexual Medicine.

Oral banal

Um dos resultados curiosos do trabalho - 140 páginas de vários artigos científicos - é a banalização do sexo oral: os homens com mais probabilidades de terem dele beneficiado, diz o inquérito, são aqueles com idades entre os 20 e os 30 anos (80,7 por cento disseram tê-lo recebido nos últimos 90 dias). Os que menos hipóteses têm de o receber são os homens com mais de 70 anos, sobretudo se não forem casados (mesmo que vivam com alguém).

Já nas mulheres, mais de metade das que têm entre 18 e 39 anos tiveram a experiência da prática do sexo oral nos três meses anteriores ao inquérito - praticaram-no no parceiro ou foram alvo das atenções deste.

"O recurso ao sexo oral é um indicador extremamente positivo", diz Pedro Nobre, director do SexLab, a Unidade Laboratorial de Investigação em Sexualidade Humana, com sede na Universidade de Aveiro, que se dedica à investigação experimental e psicofisiológica dos diferentes aspectos da sexualidade humana. "O coito é apenas uma das formas de prazer sexual. É fundamental para a reprodução, mas não para o prazer no sexo", explica o cientista, que é também presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.

"Pegando no exemplo de Bill Clinton, não deixa de ser representativo que o Presidente dos EUA, há 12 anos, achasse que conseguia convencer muita gente de que não tinha sido sexo por não ter tido coito", comentou Pedro Nobre. "Espero que este mito esteja a diminuir. Mas de facto continua a ser muito comum a ideia de que sexualidade é igual a coito, e que sem isso não há sexo."

Na altura, ao enfrentar acusações de perjúrio e a ameaça de afastamento da presidência, Clinton defendeu-se dizendo que a definição comummente aceite de "relações sexuais" incluía fazer sexo oral a alguém mas não receber. Para acabar com dúvidas, receber e dar sexo oral são dois comportamentos sexuais da lista de 41 identificados pelos investigadores da Universidade do Indiana. E hoje em dia é quase tão frequente um homem fazer sexo oral à sua parceira como vice-versa, Mr. Clinton.

O mais comum continua a ser o tradicional coito, segundo o estudo da Universidade de Indiana, embora muito tenha mudado desde o estudo de 1992: "Comportamentos anteriormente menos comuns, como o sexo oral e anal parecem ter-se tornado bastante praticados", escrevem os investigadores, na linguagem bem pouco sexy que é usada para redigir artigos científicos. "As modificações nos comportamentos orais-genitais podem estar relacionadas com o aumento das taxas de infecções genitais dos vírus de Herpes simplex do tipo I e de vírus do papiloma humano", acrescentam.

É importante conhecer estas mudanças nos hábitos sexuais das populações por motivos de saúde também. Por exemplo, outros estudos têm apontado possíveis relações do aumento da popularidade do sexo oral com o crescimento de algumas doenças - nomeadamente, com o aumento dos casos de cancro da boca e da faringe, que tem na origem o vírus do papiloma humano (que está por trás também das infecções que, anos mais tarde, dão origem ao cancro do colo do útero). O mais recente foi publicado em Outubro pelos cientistas Torbjorn Ramqvist e Tina Dalianis, do Instituto Karolinska, na Suécia, na revista Emerging Infectious Diseases, editada pelo Centro de Controlo e Prevenção das Doenças dos EUA.

"Let"s talk"

O sexo fez a América - desde logo, Hollywood estimulou a libido de gerações de homens e mulheres de maneiras que nem se julgariam possíveis. O sexo oral pode ser algo bastante mais simples e literal, possível desde que os filmes se tornaram falados, como demonstraram por exemplo Lauren Bacall e Humphrey Bogart em Ter e Não Ter (1944), na célebre frase dela: "You know how to whistle, don"t you, Steve? You just put your lips together and... blow (Sabes assobiar, não sabes, Steve? Basta juntar os lábios. E... soprar)."

Mas é também da América que surgem frequentemente notícias que arrepiam - como a da candidata às eleições intercalares pelo movimento ultraconservador do Partido Republicano Tea Party Christine O"Donnell, que aparece a defender, num vídeo já com alguns anos, que a masturbação é uma forma de adultério, fazendo uma enroladíssima interpretação da Bíblia... O que mostra este inquérito, pelo menos, é que a masturbação é um comportamento sexual muito frequente e universal entre os americanos, durante toda a vida, embora seja comum no início da adolescência e na terceira idade, após os 70 anos.

Apesar das notícias estranhas que saltam para os media, que correm mundo na televisão e na Internet, a vida sexual activa, com parceiros - que, segundo o estudo, se inicia por volta dos 14/15 anos, nos rapazes, e entre os 15 e os 16, nas raparigas -, dos americanos sofreu mudanças nos últimos dez a 15 anos. Este estudo da Universidade do Indiana tenta traçar, tanto quanto possível em comparação com outros anteriores, o que mudou. O que hoje os americanos fazem nos seus quartos parece ser mais variado do que faziam no tempo do escândalo de Clinton e Lewinsky - mesmo que não falem ainda muito disso.

"Finalmente, incluímos a masturbação na nossa conversa nacional e, em resultado disso, deixámos de estar sempre a verificar as nossas palmas, a ver se nos estavam a crescer pêlos", escreve no mesmo número da revista Journal of Sexual Medicine Jocelyn Elders, ex-Surgeon General dos EUA (algo semelhante a directora-geral da Saúde).

"O sexo serve para mais do que para procriar, uma ou duas vezes na vida. É também para ter prazer toda a vida. Embora isto não seja novidade para ninguém, a verdade é que isto não faz parte da nossa conversa nacional", diz ainda.

"Temos uma sociedade sexualmente disfuncional por causa das nossas visões limitadas da sexualidade e da nossa falta de conhecimento e compreensão sobre as complexidades e os prazeres da humanidade", escreve Elders, incentivando a investigação científica nesta área.

"A principal mensagem que queremos transmitir é que o sexo é mais do que o coito. Embora este seja o comportamento sexual mais comum, muitas pessoas estão a assumir comportamentos muito diversos nas suas vidas sexuais", disse Michael Reece, director do Centro a Promoção da Saúde Sexual da Universidade do Indiana e um dos autores do estudo, na apresentação oficial do trabalho.

O melhor é variar

A vida sexual dos americanos parece de facto ter-se tornado mais variada - o estudo identificou pelo menos 41 comportamentos sexuais, que podem combinar-se de diversas formas. Os cinco básicos, no entanto, são coito vaginal, masturbação a solo, masturbação acompanhado, sexo oral e sexo anal - e são, com alguma frequência, usados em conjunto num mesmo encontro. "O orgasmo está positivamente relacionado com o número de comportamentos que ocorrem" num evento sexual, escreve a equipa coordenada por Debby Herbenick.

Se o coito tradicional é a prática mais comum numa hot date americana, o sexo oral vem logo em segundo lugar, em especial para os homens entre 25 e os 49 anos e as mulheres entre os 18 e os 39. Mas a maioria diz ter tido apenas relações sexuais que implicam penetração vaginal (32,9 por cento dos homens, 39 por cento das mulheres).

Entre os homens, são os que têm entre 18 e 24 anos (mais inexperientes?) que mais relatam ter sido assim da última vez que foram para a cama com uma mulher. São cerca de 11 por cento os casais que juntam sexo oral à sua noite.

Quanto mais variado, no entanto, for o reportório sexual do encontro, melhor poderá ser o resultado final, descobriram os cientistas, através das respostas dos participantes no inquérito relativamente ao orgasmo e aos diferentes actos em que se envolveram.

Estes resultados não surpreendem Pedro Nobre. A "centralidade no coito tem sido prejudicial, pode trazer mais problemas do que prazer sexual", diz o cientista português. "A mulher dificilmente tem um orgasmo só com estimulação vaginal, e para o homem essa ideia é promotora da disfunção eréctil, da ideia de que é preciso sempre ter uma erecção suficiente para haver penetração e que sem isso não há sexo e não é possível o prazer sexual", explica.

"O coito vaginal é apenas uma das formas de prazer sexual. É fundamental na reprodução - não para o prazer no sexo", afirma o sexólogo português.

O abismo de orgasmos

Mas nem tudo são rosas e progresso neste mapa dos segredos dos lençóis americanos (Marilyn, essa all americansex-symbol, gostava deles de cetim e com umas gotas de Chanel n.º 5). Persiste o chamado "orgasm gap", o abismo de orgasmos que separa homens e mulheres, que neste estudo é de 21 por cento: 85 por cento dos homens dizem ter chegado ao orgasmo na sua última relação sexual, enquanto apenas 64 por cento das mulheres dizem o mesmo.

Hum, tratar-se-á de um caso agudo da famosa cena do filme Um Amor Inevitável, em que Meg Ryan finge um orgasmo à mesa do restaurante frente a um encavacado Billy Chrystal? "Até esperava que a diferença fosse maior, não é uma surpresa", responde Pedro Nobre. "Na verdade, até me surpreendeu pela positiva, se dois terços das mulheres dizem que atingiram o orgasmo. A diferença entre homens e mulheres podia ser muito mais do que 20 por cento."

Então quais são os motivos que explicam esta discrepância entre os dados de homens e de mulheres relativamente ao prazer? "Infelizmente, ainda há muito desconhecimento sobre a fisiologia, sobre os aspectos mais básicos da resposta sexual, sobretudo das mulheres, não se sabe a forma de estimulação mais adequada", começa por explicar o cientista português. "Muitas pessoas continuam a achar que o coito é a melhor forma de atingir o orgasmo, continuam a apostar no orgasmo vaginal, quando a investigação já mostrou que a vagina não é propriamente o órgão mais sensível - o orgasmo implica sempre a estimulação directa ou indirecta do clítoris."

Se muitas mulheres desconhecem isto, muitos homens continuam sem fazer ideia também - aqui e nos EUA, apesar da televisão, da Internet e de toda a informação que corre mundo. Mas também não é só isso. "Por uma questão de manter a auto-estima do parceiro, há mulheres que preferem não dizer. Continua a ser e continuará a ser isso. Seria curioso perceber se em Portugal a situação é parecida ou não, teria muito interesse..."

À espera de Portugal

Até que ponto um estudo feito nos Estados Unidos pode ser válido para ler a realidade portuguesa - os hábitos sexuais foram globalizados, também? "Nunca podemos ter a certeza se podemos extrapolar, por falta de dados. Seria necessário que existissem estudos transculturais, feitos em diferentes países, em diferentes contextos culturais", responde Pedro Nobre. "Claro que há algumas grandes tendências, houve grandes mudanças tecnológicas, como a Internet, estilos de vida, o Viagra... Algumas tendências podemos extrapolar."

Mas a falta de estudos é um problema que não é só português, nem sequer norte-americano. São raros os países que têm estudado os hábitos sexuais dos seus habitantes, e menos ainda os que os têm feito regularmente, para poder compreender que tipo de evolução houve. Pedro Nobre, no entanto, está envolvido num projecto internacional que tentará começar a recolher pistas para resolver os mistérios dos nossos hábitos sexuais.

"Enquanto presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, fui eleito para a comissão consultiva e para a comissão científica da Associação Mundial de Saúde Sexual e estou envolvido no projecto de criação de uma base de dados online que tenha todos os trabalhos de investigação sobre saúde sexual, e direitos sexuais, todos os principais indicadores científicos, acessíveis publicamente", explica o coordenador do SexLab.

Para além desse grande projecto internacional, Pedro Nobre pensa também no que fazer em Portugal. "Temos estudos de menor dimensão. O que nos falta é um estudo mais transversal, que não seja apenas sobre disfunções, ou só sobre comportamentos sexuais de risco", reconhece.

Ele tem uma ideia para isso - criar um Observatório Nacional da Saúde Sexual. "Mas isso precisaria da criação de parceiras entre várias entidades que se interessam pela sexualidade, como a Associação para o Planeamento Familiar, a Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, e implica ter muito dinheiro para o financiamento", adianta.

Recolher estatísticas, ter indicadores sobre a vida sexual dos portugueses, a saúde sexual - mas também para além disso. "Devíamos ir para além do que é norma, estudar os aspectos positivos da sexualidade, que traz bem-estar, física e mentalmente." a

cbarata@publico.pt

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