Herberto Helder

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Tenho lido os "poemas mudados para português" por Herberto Helder [HH] no livro a que chamou O Bebedor Nocturno. Logo no "mudados para português" se vê que está bem escrito, acima das velhas desculpas e falsas modéstias das traduções e das traições.

É uma obra maior, que ensina que não se pode aprender a escrever. Mas ver escrever bem já é bem suficiente. Nos Quinze Haikus Japoneses que mudou para português, HH escolheu um de Kikaku que Bashô depois corrigiu.

Kikaku escreveu:

"Libélula vermelha./Tira-lhe as asas:/um pimentão."

Segue-se a "Correcção de Bashô":

"Pimentão vermelho./Põe-lhe umas asas:/Libélula."

A correcção é gigante. O original pega numa coisa bonita (a libélula) e tira-lhe um acessório (as asas) para mostrar que é parecida com uma coisa feia (um pimentão).

Bashô e HH mostram que é melhor transformar uma coisa banal (pimentão) numa coisa mágica (libélula), dando-lhe asas. É melhor acrescentar do que remover, fazer pensar do que fazer troça.

A libélula não precisa de ser vermelha ou de adjectivo sequer - é das cores do arco-íris. Já o pimentão tem de ser vermelho, porque há verdes e amarelos.

Depois, é melhor a indefinição de "umas asas" (quaisquer) do que "as asas" (daquela única libélula). Como voa mais a maiúscula da única palavra da terceira linha ("Libélula.") do que as minúsculas de "um pimentão".

A nossa língua renasceu.

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