São jovens, criativos e ainda acreditam no potencial do Porto

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A Bolos Quentes foi fundada por três colegas de curso que começaram por se reunir para fazer trabalhos académicos nelson garrido

Nos últimos anos o Porto viu nascer várias empresas, dinamizadas por jovens, que legitimam o estatuto de pólo de indústrias criativas que a cidade vem reivindicando para si. Muitas delas foram incubadas em Serralves e na Universidade do Porto. Por Alice Barcellos (textos)

a Numa altura em que a crise parece dominar as mentes de muitos portugueses, há jovens dispostos a remar contra a corrente e a investir em negócios próprios. O local é o Porto e o sector é o das indústrias criativas, um termo que entrou na moda desde que a Região Norte começou a ser encarada como um possível cluster de empresas que se destacam por misturar arte, tecnologia e negócio de uma forma criativa e inovadora. Do marketing interactivo ao restauro e conservação de arte contemporânea, fomos conhecer exemplos de empresas criadas por jovens que decidiram apostar no seu potencial e na sua cidade.

Se alguns negócios arrancaram por iniciativa própria, outros tiveram o suporte de instituições que têm apostado na incubação de empresas criativas. A Fundação de Serralves tem, desde 2008, uma incubadora pela qual já passaram 15 projectos, nove ainda em fase de incubação e três já autónomos. Feitas as contas, "significa que a taxa de sucesso é de 50 por cento", adianta Odete Patrício, directora-geral da Fundação de Serralves.

A Universidade do Porto (UP) tem investido nesta área, com a criação, em 2008, de um pólo de indústrias criativas dentro do seu Parque de Ciência e Tecnologia (UPTEC), que conta também com os pólos tecnológicos do mar e da biotecnologia. Actualmente, existem 24 start-ups voltadas para o sector criativo apoiadas pela instituição, segundo informações dadas pela assessora executiva da UPTEC, Clara Gonçalves.

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21 - Conservação e restauro de arte contemporânea

"Temos de ser nós a empurrar a máquina"

Em frente ao Artes em Partes e ao espaço MUUDA, na Rua do Rosário, fica o atelier da empresa 20

21. Criada em 2007 por quatro conservadores restauradores e um economista, a empresa é a única no Norte do país que se dedica a restaurar e conservar obras de arte contemporânea.

O atelier, em pleno "bairro das artes" portuense que tem a sua principal artéria na Rua de Miguel Bombarda, funciona desde 2008. Pelo amplo e luminoso primeiro andar do espaço já passaram obras de João Cutileiro, José de Guimarães, João Vieira, Júlio Resende ou Noronha da Costa.

A ideia de investir no sector partiu de Pedro Pardinhas, 27 anos. O economista viu o anúncio de recrutamento de empresas para a incubadora da Fundação Serralves e resolveu falar com Marta Palmeira, conservadora restauradora. Juntaram-se mais três especialistas em restauro e conservação, Joana Correia, Raquel Ferreira e Luís Pinho, e estava formada a equipa da 20

21.

"Andámos a investigar e descobrimos que não havia nenhuma empresa que trabalhasse com arte contemporânea no Norte", conta Raquel Ferreira, 29 anos. O projecto foi aprovado pela INSerralves e a empresa arrancou incubada.

"A ligação com Serralves foi muito importante para que as pessoas confiassem em nós nos primeiros tempos", nota o economista, dizendo que, além do "carimbo de confiança", "Serralves é um dos principais clientes da empresa".

Hoje em dia, a 20

21 é independente da incubadora, mas ainda mantém um escritório na INSerralves, até porque está envolvida noutros projectos com a fundação. "A relação com a instituição vai continuar enquanto nossa cliente", refere Marta Palmeira, 26 anos.

Os cinco sócios já conseguiram a independência financeira com os lucros da empresa, reconhecendo o crescimento constante da 20

21. "Uma empresa nos primeiros anos ou cresce ou morre", realça Joana Correia, 26 anos. "Não é fácil ter uma empresa", reconhece Raquel Ferreira. "É um desafio grande e apresenta dificuldades que não aparecem quando se tem outro tipo de trabalho", acrescenta. "Temos de ser nós a empurrar a máquina", resume Pedro Pardinhas.

E a máquina da 20

21 tem rodado bem. Em dois anos e meio de actividade, já tem como clientes galerias de arte, museus, câmara municipais, bancos e coleccionadores. A crise parece passar ao lado desta jovem empresa portuense.

"Quando começámos, disseram-nos que éramos malucos em abrir uma empresa nesta altura", lembra Marta Palmeira. No entanto, "este é um sector que passa um bocado ao lado da crise. É um sector de elite", afirma a especialista em conservação e restauro.

A 20

21 considera-se uma peça importante no "movimento espontâneo que tem devolvido vida à Baixa", considera Pedro Pardinhas, realçando os "quatro postos de trabalho qualificados" e o "movimento apreciável de clientes". "Queremos crescer na Baixa, perto dos artistas e de quem gosta de arte", observa o economista.

Bolos Quentes - Design Gráfico e de Comunicação

"Pôr a escola gráfica do Porto no mapa"

Quando um cliente procura os serviços do atelier de design Bolos Quentes, pode contar que um simples panfleto de divulgação de um evento se transforme num vídeo ou noutra solução mais ou menos inesperada. A versatilidade é, talvez, a característica que mais distingue este colectivo de designers. Albino Tavares, Sérgio Couto, Duarte Amorim, os três de 27 anos, foram colegas de curso da Faculdade de Belas- Artes do Porto e hoje são sócios na empresa criada oficialmente em Fevereiro deste ano.

"Quando um cliente nos pede um flyer, pensamos que se calhar esta é opção mais óbvia, mas que podemos fazer de outras formas", diz Sérgio Couto. "Em relação às empresas grandes, temos mais flexibilidade e mais espaço para a experimentação", acrescenta Duarte Amorim.

O projecto que veio dar origem à empresa começou a germinar em 2003, quando os três futuros designers se juntaram num atelier alugado para desenvolverem trabalhos de curso. "O colectivo surgiu por uma questão de necessidade. Éramos estudantes e precisávamos de um espaço para trabalhar", explica Sérgio Couto.

A partir daí, o desenvolvimento de trabalhos em conjunto tornou-se mais frequente e começaram a surgir os clientes. No portfólio da empresa estão dois videoclips para a banda bracarense Peixe:Avião, a imagem gráfica do Festival de Música de Barcelos, bem como o vídeo Spong Ice, que ganhou, em 2008, o prémio de melhor vídeo de música no Festival Internacional de Animação em Otava, no Canadá.

No início do ano, os designers optaram por sair da zona da Faculdade de Belas-Artes e mudaram-se para a Avenida dos Aliados. Estão hoje no quarto andar do edifício da antiga companhia de seguros A Nacional.

Com a empresa ainda numa fase de arranque, não é possível viver apenas dos projectos realizados. "Grande parte do dinheiro que fazemos actualmente é para investir na empresa", conta Duarte Amorim. "O objectivo é solidificar a empresa, para depois tirar os dividendos", explica Sérgio Couto.

O colectivo não pensa em sair do Porto, o que poderia ser uma opção, já que Duarte Amorim é de Braga e Albino Tavares é de Setúbal. "Mudar de cidade seria mais difícil, a não ser que cada um de nós seguisse carreiras individuais e não queremos isso neste momento", sublinha Duarte.

Os três jovens acreditam, aliás, que a nova movida na Baixa do Porto pode ajudar a empresa a crescer. Prova disso é a participação no Festival 20/20/20, organizado pelo bar e associação cultural Plano B. O colectivo é responsável pela organização da exposição do festival, que reúne 20 cartazes elaborados por designers, ilustradores ou artistas. A segunda edição do certame aconteceu em Junho e contou com a presença de 20 músicos e 20 DJ na mesma noite.

Os designers reconhecem que existe uma escola gráfica no Porto e querem ajudar a fortalecê-la. "Queremos pôr a escola gráfica do Porto no mapa", salienta Albino Tavares. "Há uma estética do Porto que é forte e o nosso maior contributo é fortalecer esta identidade gráfica", completa Sérgio Couto.

Gema - multimédia e marketing interactivo

"Encaramos cada projecto de forma singular"

Quando, no final de 2006, Diogo Melo, Luís Agrellos e David Quinta fundaram a empresa Gema, já tinham consciência de que iriam trabalhar com um pé no futuro. Os três profissionais de áreas distintas (artes digitais, engenharia electrotécnica e marketing) juntaram-se para desenvolver novos modelos de interactividade com suportes multimédia.

À primeira vista, o termo parece difícil de compreender mas os exemplos concretos são esclarecedores: sensores de movimento, três dimensões (3D) ou realidade aumentada. Estas são algumas das tecnologias utilizadas pela empresa, que já concebeu jogos em 3D, lojas interactivas e plataformas multitoque.

"Criámos um conceito de exploração de novos modelos de interactividade através da multimédia", explica Luís Agrellos, engenheiro electrotécnico e de computadores. Com a particularidade de responderem de forma personalizada a cada pedido de um cliente. "Encaramos cada projecto de forma singular", adianta Diogo Melo, especialista em artes digitais.

A Gema tenta responder a uma sociedade ávida de inovações tecnológicas mas com a preocupação de produzir resultados duradouros. "A tecnologia já é uma realidade, mas se calhar existem uma série de gadgets que são descartáveis. Nós queremos tornar as coisas úteis. Por exemplo, optimizar o processo de compra numa loja, para que o acesso aos produtos seja feito de forma mais fácil", realça Luís Agrellos.

O mercado da publicidade é aquele que tem procurado mais os serviços da Gema, que já desenvolveu soluções de marketing interactivo para o grupo Portucel, Unicer, Zon, Optimus, TMN, Turismo do Porto e Norte de Portugal, entre outras empresas.

"Apesar de estarmos em crise, o nosso mercado é emergente e vale cada vez mais dinheiro", nota Luís Agrellos. "A crise pode ser um factor de inovação", lembra Diogo Melo, realçando que para uma empresa "não basta investir num anúncio televisivo", é preciso adoptar "canais alternativos e não convencionais".

Em 2008, a Gema fez uma parceria com a UPTEC para estar mais próxima da investigação, uma componente importante neste sector. Actualmente, emprega 12 pessoas, entre designers, engenheiros e informáticos, sempre com uma média de quatro a cinco projectos em desenvolvimento.

Luís e Diogo, ambos de 32 anos, sabem que este mercado é exigente, mas acreditam que podem triunfar, até porque não existem muitas empresas do género no país. A YDreams é a principal referência nacional.

Com uma representação em Lisboa, através da empresa Oneway Group, e já a pensar na internacionalização, uma vez que um dos sócios, David Quinta, está a viver em Nova Iorque, a Gema optou pode ter sede no Porto e está, desde o início do ano, no Pólo das Indústrias Criativas da UPTEC na Baixa.

"O Porto continua a ser uma cidade boa para a inovação", defende Luís Agrellos. "A criatividade está no nosso DNA", acredita Diogo Melo. Os dois empresários sentem que a cidade está a mudar e que podem contribuir para "consolidar o espírito de inovação e criatividade do Porto", crê Luís Agrellos.

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