A greve geral é contra "uma certa burguesia", diz a CGTP
Sindicatos da função pública mobilizaram milhares de manifestantes em protesto contra as medidas de austeridade
Uma torrente de indignação. Esta foi a frase utilizada por uma das milhares de pessoas que ontem à tarde desfilaram entre o Marquês de Pombal e a Praça dos Restauradores, em Lisboa, na manifestação convocada pela Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, a pouco mais de duas semanas da greve geral convocada para dia 24.
A manifestação, que não contou com o apoio da UGT, que se associará à CGTP na greve geral, terá mobilizado cem mil pessoas, de acordo com dados da organização. A polícia no local recusou-se a avaliar o número de participantes.
Professores, enfermeiros, agentes da autoridade e outros funcionários públicos afluíram a Lisboa em autocarros vindos de vários pontos do país, para participarem no ensaio para uma greve geral que os dirigentes sindicais da função pública e da Intersindical consideram uma das mais importantes das últimas décadas. Será a primeira vez, desde 1988, que as duas centrais sindicais portuguesas, a CGTP e a UGT, participam em conjunto numa greve geral.
O líder da CGTP, Carvalho da Silva, defendeu que aquela greve é fundamental para o futuro das gerações mais jovens. Falando nos Restauradores aos manifestantes, considerou que "esta greve geral é, nas últimas décadas, a luta dos trabalhadores que dá mais sentimento de futuro".
Para o sindicalista, é para criar perspectivas e responder às necessidades das jovens gerações", ao defender o "direito ao trabalho e ao salário e não apenas a um subsídio de subsistência". "As novas gerações têm direito a não serem condenadas ao retrocesso", sublinhou.
O sindicalista disse ainda, em declarações citadas pela Lusa, que a greve servirá para castigar o que classificou como "uma certa burguesia". Para Carvalho da Silva, é preciso "instabilizar uma certa burguesia que no espaço privado e do Estado deita escandalosamente a mão a uma riqueza que pertence a todos".
O momento mais marcante da descida até aos Restauradores seria protagonizado pelo secretário-geral do Partido Comunista Português. Jerónimo de Sousa abandonou a sede do partido e fez questão de cumprimentar os responsáveis pela manifestação. Depois, em curtas declarações à imprensa, criticou o Orçamento do Estado, falando em a "sacrifícios que não resolvem problemas estruturais".
Sempre muito saudado por pessoas que saíram do cortejo, Jerónimo de Sousa apelou à mobilização de mais manifestantes em acções futuras, dizendo que os "trabalhadores não podem aceitar a repressão de que estão a ser alvo com resignação e têm de se lembrar que têm direito à greve para fazerem valer os seus outros direitos". O líder do PCP comentou ainda a posição de Pedro Passos Coelho, o qual defendeu, ontem e na sexta-feira, a responsabilização judicial dos dirigentes políticos que colocam em causa o futuro do país. "Estava [Passos Coelho] a falar dos últimos cinco anos ou dos últimos 30?", disse, lembrando desse modo que também o PSD já tomou medidas que, no seu entender, lesaram a economia do país.
Esfumado o entusiasmo provocado pelo líder comunista, despertou a atenção, num dos passeios da Avenida, a voz sumida de uma mulher já idosa que tentava repetir as palavras de ordem. "Estou sozinha. Venho, porque tenho medo que eles [Governo] me tirem a reforma que recebo do meu marido [já falecido]. São 70 ou 80 contos, não sei bem. Pago 35 [contos] de renda de casa e depois tenho a água, a luz, o gás, a comida e os remédios... Se me tiram a reforma do meu marido, não tenho nada. Por isso é que venho sempre", contou ao PÚBLICO Maria Rita Marques, que passou "47 anos a limpar o chão, as paredes e os tectos da Shell".
Antecedendo os discursos dos sindicalistas foram as músicas populares e de intervenção que animaram os manifestantes que resolveram esperar na Praça dos Restauradores. Tocaram-se bombos, concertinas, apitos e gaitas. Agitaram-se bandeiras (as tradicionais negras e vermelhas, do PCP, mas também dos sindicatos dos professores, muito representados) e até se beberam copeiradas de vinho, que as viagens de autocarro, desde o Porto ou de Faro, ainda são demoradas.
Quando subiram ao palanque, os sindicalistas que discursaram tiveram dois alvos: o Governo e Passos Coelho. O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, lembrou ainda que os pobres em Portugal já são dois milhões e que há crianças que apenas comem uma refeição diária. E Ana Avoila, da Frente dos Sindicatos da Administração Pública, afirmou que o "PS e PSD montaram um circo onde não faltam contorcionistas, trapezistas e palhaços" .