Ranking da hipocrisia

Foto

Quando o ministério conceder efectiva autonomia às escolas, começarão a ser dados passos firmes para o sucesso escolar

Nestes últimos dez anos, surge nos meios de comunicação social, sobretudo na imprensa escrita, o denominado "ranking das escolas secundárias", a que se juntaram as "escolas do ensino básico", em que o único parâmetro para delinear uma duvidosa e malfadada tabela classificativa é apenas e tão-só a classificação obtida pelos alunos nos exames do básico (9º ano) e do secundário (12º ano) no ano lectivo anterior. Este método de escalonar as instituições de ensino é um modelo muito limitado e simplista com o qual o Ministério da Educação (ME) coopera e ajuda a estimular (a pressão dos media para a divulgação destes resultados é enorme) e que não é seguido por mais nenhum país europeu, produzindo uma imagem pouco rigorosa do que é uma escola, já que é apresentada com base em apenas um parâmetro.

O resultado é tremendamente falacioso, injusto e cientificamente inexplicável, pois nem servirá como radiografia de uma escola ou do sistema educativo nacional. Se pretenderem fazer um trabalho sério e proveitoso, devem ter em conta, entre outros factores, o efeito da escola sobre os alunos (valor que acrescenta, desde que o aluno entra na escola até que sai), o número de alunos e seus percursos escolares, o nível socioeconómico dos pais e da região onde a escola se insere e o efeito das explicações. O ME deverá ter condições para fornecer os dados acima referidos e, quando assim for, todos chegarão à conclusão da hipocrisia que exala deste ranking.

Estou convencido de que, com base nesta falsa tabela classificativa, não é sério dizer que a escola que ficou no 1º lugar é a melhor e a que ficou em último é a pior, independentemente de ser pública ou privada. E se assim não é, pergunto: obteriam os alunos da escola que ficou em 1º lugar o mesmo resultado, se a escola estivesse inserida no território educativo da escola que ficou em último lugar, com os alunos desta? Conseguiriam os alunos da escola que ficou em último lugar ter uma classificação melhor, se frequentassem a escola que ficou no lugar cimeiro?

Repugna que as parangonas dos jornais e noticiários possam denegrir a escola pública em favor do ensino privado. É desonesto comparar-se algo que, pela sua essência e pelas suas finalidades, é objectivamente incomparável, quando se sabe que o ensino privado é frequentado por alunos de famílias abastadas, sendo os alunos treinados para fazer um bom exame.

É obrigação da escola pública ser um instrumento que permita que um aluno de um meio socioeconómico desfavorecido suba ao nível do que vem de um meio privilegiado, sendo verdadeiramente inclusiva e não podendo gerar estigmatização social. É obrigação e deve ser motivo de orgulho, pois a escola pública reflecte naturalmente a sociedade que temos e em que vivemos.

Quando o ME conceder efectiva autonomia às escolas que passe, entre outras necessidades, pela contratação dos seus docentes e pela flexibilização do currículo, quando deixar de legislar por tudo e por nada (parar de legislar durante quatro anos deveria ser uma meta do ME) e der sinais efectivos de terminar com o imenso trabalho burocrático com que todos os dias os professores se confrontam nas escolas, começarão a ser dados passos firmes para o sucesso escolar, apesar de a escola pública não escolher os seus alunos.

Contudo, sabe-se que o Orçamento do Estado 2011, se aprovado, retirará 11,2% das verbas atribuídas no presente ano civil à Educação (o segundo ministério mais penalizado), augurando por isso o recurso a critérios estrita e unicamente economicistas para a implementação da política educativa - tremendo e penalizador erro, sobretudo para as gerações vindouras.

Se assim não for, tenho a certeza de que os resultados dos exames dos nossos alunos melhorarão e a posição das escolas, nesta classificação, será alterada, demonstrando, assim, que a natural heterogeneidade de uma instituição educativa e de uma sociedade é mais salutar e benéfica que uma forçada homogeneidade. Director do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, Vila Nova de Gaia; membro da direcção da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP)

Sugerir correcção