Como vai ser o panorama da música dentro de 15 anos?

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Entre palestras e conferências discutiram-se os vários cenários do futuro da música fotos: frédéric Huiban

Em Paris, no evento MaMA, com a crise em fundo, discutiu-se como será a música criada, vendida, partilhada ou ouvida no futuro. Somos capazes de não estar muito distantes de experienciar um concerto em casa, como se fosse numa sala

O que é que acontece quando dois mil profissionais da música, provenientes de 39 países europeus, se reúnem para reflectir sobre o futuro, quando o contexto é de crise? Mais do que projectar o amanhã, acabam a descrever o presente, porque não é fácil falar do que está para vir, quando uma série de actividades e ramos do negócio estão em risco.

Talvez por isso, a organização do MaMA, que se realizou na zona de Pigalle, em Paris, por entre conferências, palestras e concertos, desafiou personalidades exteriores à indústria para pensar cenários de futuro. Cientistas sociais, críticos culturais, jornalistas, artistas e personalidades da música foram convidadas a projectar o panorama musical daqui a 15 anos.

Curiosamente, uma das áreas que mais tem sido imune à crise, a dos espectáculos ao vivo, poderá ser das que irão sofrer mais transformações. O sociólogo inglês Simon Frith antecipou, por exemplo, que os concertos de estádio desaparecerão do mapa.

"Do ponto de vista económico, estético e ambiental, não farão grande sentido. As pessoas preferirão espaços mais confortáveis, pequenos e flexíveis, capazes de criar maior sensação de intimidade", sentencia. Será necessário reinventar o modelo de apresentação em palco, que nos últimos 50 anos, desde o irromper do rock"n"roll, poucas transformações sofreu. A ideia é que as pessoas querem, cada vez mais, sentir que participam em experiências colectivas, mas ao mesmo tempo querem que sejam exclusivas. Uma das possibilidades, disse Isabelle Gamsohn, da produtora Live Nation, que trabalha com os U2 ou Madonna, é experienciarmos concertos através de realidade virtual, na sala de estar, embora "não seja o mesmo."

Um concerto em casa

"Enormes ecrãs em casa, com grande definição, com um grande som e imagem, já é uma realidade do presente", disse, por sua vez, o artista e realizador de cinema Yoann Lemoine. "São dispositivos que nos permitem viver a música em casa, com família e amigos, de uma forma nova, quase como se estivéssemos num concerto. Essa será a tendência dos próximos anos, tentar captar a experiência de um concerto para casa, até porque é a única coisa que a tecnologia ainda não conseguiu."

Para uns, as multinacionais do disco (Universal, EMI, Sony-BMG e Warner) desaparecerão. Para outros, esse cenário não faz sentido. O que poderá vir a acontecer é uma readaptação. "As editoras serão fornecedoras de serviços", projectou o jornalista e responsável pela Universal alemã Tim Renner. Farão produção executiva, management, agenciamento de promoção, marketing, comunicação Web, planeamento de media, merchandising ou organização de digressões.

Curiosamente, para alguns especialistas, as pequenas editoras, pelo menos as que consigam acrescentar valor ao artista que representam, poderão continuar a ter um papel relevante. Como disse Emmanuel Legrant, consultor de media em entretenimento global, "ser associado à Universal ou EMI não significa nada, é uma abstracção, mas ser-se associado a duas editoras autónomas como a Kitsuné ou a Domino constitui uma mais-valia, pelo menos para alguns nichos de mercado".

Aquilo que já é uma tendência actual, a fragmentação de públicos, mercados e estilos, intensificar-se-á. Isso significa, para Jake Beaumont-Nesbitt, director executivo do fórum internacional de managers, que "a fabricação de estrelas pop, universalmente conhecidas, será uma miragem, o mesmo acontecendo com os top de vendas que se tornarão obsoletos". As carreiras serão mais localizadas e mais erráticas.

Há quem defenda que a música física, em CD ou vinil, e as lojas de discos tal como as conhecemos hoje continuarão a subsistir daqui a 15 anos. Também há vaticine que esses formatos não desaparecerão, mas serão residuais. Prevalecerá a música digital, adquirida através da Internet. Da lógica de posse passaremos para a de acesso. Na visão de Tim Renner não é difícil perceber porquê. "As novas gerações já não têm uma relação afectiva com o objecto. Para eles a música é mais uma experiência e também um serviço."

Mais ainda, disse. "Para esta geração, a música gravada existe em formato digital e de forma gratuita." A grande questão, sobre a qual não existe o mínimo de consenso, é saber como é que será ela paga, de forma directa ou não. "Os consumidores farão subscrições, não só de música, como de vídeos, e-books e todos os outros produtos que estão integrados na sua vida", dizem uns.

Outros defendem uma licença global, que poderia permitir o descarregamento livre de música e a partilha da mesma, mediante o pagamento de uma quantia mensal, à imagem do que fazemos com a água ou electricidade, por exemplo. Para outros ainda, a mudança só ocorrerá quando desaparecer o dogma da música registada. "Essa lógica continua a dominar a forma como pensamos comercialmente, legalmente e politicamente a música, mas a música gravada é apenas uma das muitas formas dos artistas interagirem com o público", considera Legrand.

Há futuro para a música

Independentemente do que os diferentes actores pensam sobre o futuro, existe consenso sobre o facto de nunca como actualmente a música se consumir tanto e sob os mais diversos formatos. Enquanto expressão artística é cada vez mais universal. O que está em causa é a formulação de novos modelos económicos, modos de difusão, questões relacionadas com a propriedade intelectual ou a ligação ao Estado.

A música, essa, continuará a ser uma presença constante nos espaços privados e públicos e uma fonte de prazer, independentemente de todos os avanços tecnológicos que permitam que ela seja criada, vendida, partilhada ou ouvida de formas que nem sequer conseguimos imaginar. O futuro da música não está em risco. Ou, como disse o neurocientista americano Aniruddh Patel, "nós, os humanos, temos mesmo necessidade de música, e isso vai muito além do que uma simples necessidade de ter qualquer coisa que nos entretenha".

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