A casta das esperanças renovadas

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Na região dos vinhos verdes estão algumas das melhores castas autóctones paulo pimenta

Porque será que continuamos a desperdiçar tempo e oportunidades com um grupo acanhado de castas estrangeiras, demitindo-nos de investigar e aproveitar uma das maiores riquezas do Portugal vinícola, a incrível colecção de castas autóctones? Porque será que continuamos a malbaratar variedades extraordinárias como o espantoso Avesso?

O discurso sobre as castas portuguesas, apesar de relativamente recorrente, mantém-se válido e pleno de sentido. Portugal é o segundo país do mundo, depois da caótica mas luminosa e ardente Itália, com maior abundância de castas nativas, desvelando um número perfeitamente assombroso de variedades autóctones, de famílias de uvas que não crescem em nenhuma outra paragem do mundo. Variedades que propagam valores e sabores originais aos vinhos portugueses, emprestando-lhes o carácter e a singularidade que os distingue e destaca de um autêntico oceano de vinho indistinto, produzido por milhares de produtores em dezenas de países espalhados por todos os continentes.

Enquanto as variedades francesas, e, embora em menor grau, as castas italianas, alemãs e espanholas se disseminaram pelo mundo, impondo a presença de celebridades como o Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Nebbiolo, Sangiovese, Riesling ou Tempranillo, as variedades lusas mantiveram-se fechadas dentro do território nacional, prosseguindo obscuras e misteriosas para a imensa maioria dos enófilos internacionais... e nacionais! Na verdade, mesmo em Portugal, poucas são as castas que conseguiram atingir o estatuto de estrelas incontestáveis, de valores seguros e ratificados por enófilos e produtores. Poucas são as variedades conhecidas pelo seu nome, enaltecidas com uma presença assídua e valorizante em vinhos estremes. Para além do Alvarinho e, fortuitamente, da Touriga Nacional, quantas outras castas nacionais são realmente identificadas, reconhecidas e glorificadas pela maioria dos consumidores nacionais? Que outros nomes de nomeada aventam uma ratificação automática do público?

As evocações serão, necessariamente, dispersas. Se alguns conseguirão sintetizar glórias efectivas como a Baga, Tinta Roriz, Antão Vaz, Arinto ou Castelão, usualmente sob o epíteto Periquita, desventuradamente poucos se lembrarão de designar variedades como o Vinhão, Loureiro, Azal, Avesso ou Trajadura, nomes de castas da região do Vinho Verde. Na vinha, tal como na vida, nem todas as castas são iguais, nem todas as regiões desfrutam da mesma abastança, e a riqueza não se encontra repartida de forma equitativa. De entre todas as denominações de origem pátrias, duas em particular podem orgulhar-se de beneficiar de uma generosidade sem par da natureza. São elas o Douro e o Vinho Verde, bafejadas pela ventura de possuir um grupo alargado de castas de qualidade e personalidade ímpares.

Se as castas do Douro são hoje sobejamente conhecidas e valorizadas por uma legião de enófilos dedicados, com referências como a Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão, Tinta Barroca, Sousão, Tinta Francisca, Gouveio, Rabigato, Viosinho e Códega do Larinho, no Vinho Verde os nomes continuam recônditos, pouco transparecendo para além do trio costumeiro que envolve Alvarinho, Loureiro e Trajadura. O que é uma pena, porque à extraordinária dupla formada pelas castas Alvarinho e Loureiro, duas das melhores castas brancas nacionais e parte integrante de qualquer lista que englobe as melhores castas internacionais, há que juntar a casta Avesso, uma das mais valorosas... e mais esquecidas e injustiçadas variedades brancas portuguesas.

Dos poucos que a conhecem, menos ainda se recordam de a integrar no núcleo restrito das melhores castas lusitanas ou, sequer, de a incluir no lote das melhores castas da região do Vinho Verde. E no entanto, o Avesso tem tudo para se afirmar como a nova coqueluche das castas brancas nacionais. Originária da região do Vinho Verde, maioritária na sub-região do Baião, na área vizinha à fronteira com a região do Douro, o Avesso reúne num só bago algumas das qualidades mais interessantes... e improváveis em castas brancas, conseguindo facilitar uma quase quadratura do círculo. Se por um lado consagra uma frescura ímpar, uma sensação excepcional de leveza e mineralidade, por outro lado canoniza vinhos realmente estruturados, de corpo denso e cheio, vigorosos, quase mastigáveis na espessura e complexidade.

Estranhamente, tendo em conta as suas incríveis e excelsas qualidades naturais, por ora continua confinada à pequena sub-região de Baião, quase sem expressão real para além das suas fronteiras micro-regionais. Mas não será difícil arremessar com a previsão de um alastramento rápido para fora dos limites regionais, assegurando-lhe um futuro que prevejo radioso e eloquente. Afinal, quantas outras castas brancas nacionais conseguem afiançar tamanhas e tão díspares qualidades em simultâneo? A resposta é fácil, nenhuma!

Se no Douro, Dão e Bairrada, para além do Vinho Verde, os seus atributos são mais que desejáveis, é mais a Sul, sobretudo no Alentejo, que os seus predicados mais se ajustam e melhor se enquadrarão. Consegue imaginar um vinho branco alentejano de corpo denso e espírito tenso, complexo e compacto, fresco e vibrante, sem necessidade do amparo da madeira para engrossar a untuosidade e complexidade? Será difícil idealizar o seu contributo num lote, introduzindo a mineralidade, tensão e frescura que o Arinto não consegue sobrepor, acrescentando ainda volume e massa a outras castas aromáticas como o Antão Vaz?

Uma casta portuguesa de perfil alteroso e empertigado, que continua embaciada pelo excesso de brilho de outras castas bem mais mediáticas... mas muito menos capazes e assertivas. Ou será mais simples deixar-se simplesmente embalar pelas tendências da moda, cultivando castas francesas de gosto e interesse duvidoso como o Viognier ou o Petit Verdot? Quanto tempo tardará até que o potencial latente da casta Avesso seja finalmente compreendido?

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