A arte da loucura no Hospital Miguel Bombarda

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Entre as fotografias mais curiosas do acervo do Miguel Bombarda estão as de José Gomes (ao lado, com um chapéu de capitão de navio na cabeça). Este paciente, que seria espanhol, fez-se fotografar sozinho e com outros doentes do hospital, possivelmente no Pátio das Oliveiras, na segunda década do século XX. Quem era este homem, afinal? Seriam estas fotografias registos de instalações surrealistas?

Jaime desenhava obsessivamente, Valentim queria dançar, uma mulher fazia vestidos de palha e um espanhol montava instalações surrealistas. O hospital psiquiátrico Miguel Bombarda está em vias de fechar e é urgente salvar um arquivo cheio de histórias para contar. Por Alexandra Prado Coelho (texto) e Daniel Rocha (fotografia)

Do homem sabemos apenas que terá estado internado no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, em Lisboa, e imaginamos que terá, um dia, pedido a um fotógrafo para o fotografar de tronco nu, com um chapéu de capitão de navio na cabeça, uma série de latas amachucadas aos pés, envolto em ramos de árvores e com faixas a toda a volta, repetindo sempre a mesma palavra: Razon.

A fotografia foi enviada mais tarde, com uma dedicatória, ao professor Júlio de Matos, um dos directores do hospital. O homem, que seria espanhol, identifica-se como José Gomes e a data é 1913. A mesma figura aparece noutra imagem (com data de assinatura de 1914) junto a uma árvore, com as roupas todas rasgadas, acompanhado por outros homens - um parece estar a preparar-se para lhe dar com um pau na cabeça, outro está a tocar guitarra -, vários cães e uma cabra.

Seria uma instalação surrealista?, interroga-se Vítor Freire, um dos administradores do Hospital Miguel Bombarda, que se tem dedicado a organizar o arquivo do hospital em vias de ser desmantelado, e a manter um pequeno museu na antiga 8.ª Enfermaria, mais conhecida como Pavilhão de Segurança, onde estavam os doentes mais violentos, muitos dos quais transferidos da Penitenciária. Quem era José Gomes? Terá esta cena surreal acontecido num dos pátios do hospital? Vítor Freire está convencido que sim, que foi no Pátio das Oliveiras que o grupo de homens e animais se terá reunido para ser fotografado há mais ou menos um século.

Foi um momento, como muitos outros, na história do Miguel Bombarda - a história do mais antigo hospital psiquiátrico de Lisboa (criado em 1848 e durante muito tempo conhecido como Hospital de Rilhafolles). O que Vítor Freire está a tentar agora é que essa história não se perca para sempre. Mas é uma corrida contra o tempo num hospital já semivazio e que muito em breve deixará definitivamente de funcionar.

Quando o administrador chegou ao Miguel Bombarda, em 1999, tinham-lhe dito que havia naquele local no centro de Lisboa (junto ao Campo dos Mártires da Pátria), mas semiescondido da cidade, uns "edifícios interessantes". Encontrou o extraordinário Pavilhão de Segurança (construído em 1892 e que teve doentes a habitá-lo até ao ano 2000) e o Balneário D. Maria II, de 1854 (usado também para doentes exteriores fazerem tratamentos), e quis, em primeiro lugar, garantir a classificação e preservação de ambos, e assegurar a abertura de um pequeno museu.

Na antiga torre sineira da igreja - o hospital nasceu no que antes fora um antigo convento -, encontrou pelo chão antigas fotografias dos primeiros doentes que deram entrada em Rilhafolles, por entre livros de registos e outros documentos. "Estavam ali espalhados, no meio da cal que caía. Não havia nenhum inventário."

Quatro mil fotografias

Entretanto organizado, o Arquivo Fotográfico tem actualmente mais de quatro mil exemplares, entre fotos do final do século XIX e outras mais recentes. Vítor Freire conduz-nos a uma das salas do hospital, onde, aproveitando alguns móveis antigos, montou uma exposição de algumas dessas fotografias. Seguimos por um corredor, por onde se passeiam calmamente alguns dos doentes ainda ali internados. Os rostos dos doentes de há um século, fotografados geralmente de frente e de lado, espreitam por detrás das grelhas metálicas que protegem o vidro dos móveis, alguns olhando-nos com uma intensidade perturbante. Há cabeças e corpos disformes, rostos assustados, olhares vazios, outros de uma serena dignidade.

As mais antigas são 143 fotos aplicadas em cartão impresso e identificadas como sendo provenientes do Laboratório D"Analyse Clínica do Hospital Real de S. José e Anexxos. Vêm de um tempo em que as fotos tiradas no momento de admissão serviam para o diagnóstico e em que os "alienados" eram classificados com denominações como "melancólicos" e "furiosos" e avaliados de acordo com as suas características físicas.

Rilhafolles mudou muito quando Miguel Bombarda assumiu a direcção do hospital, em 1892. "A última década do século XIX veio encontrar Rilhafolles num caos indescritível, pouco ou nada se sabendo do período que medeia entre 1872 e a tomada de posse de Miguel Bombarda em 2 de Julho de 1892 [...]. A imprensa da época referia-se a Rilhafolles como sendo um antro em que as condições de vida e assistência eram péssimas e a mortalidade elevada", escreve J. F. Reis de Oliveira no livro Miguel Bombarda e as singularidades de uma época (Imprensa da Universidade de Coimbra).

E, no entanto, quando abriu o hospital, foi uma revolução no tratamento da saúde mental. O cenário anterior era terrível, como conta o próprio Miguel Bombarda num texto publicado na revista Brasil-Portugal em Novembro de 1899: "[...] empilhávamos doidos em escuso recanto do hospital de São José e as devotas administrações gravemente sentenciavam novenas de palmatoadas para castigo dos mais buliçosos ou dos mais maus." O texto de Reis de Oliveira confirma: "Quando em 1848 o duque de Saldanha propõe a transferência imediata dos alienados a viver em condições sub-humanas no Real Hospital de S. José para Rilhafoles, inicia-se, sem dúvida, em Portugal, um novo capítulo na assistência aos doentes mentais."

A criação de um hospital psiquiátrico no antigo convento da Ordem de São Vicente de Paulo, na Quinta de Rilhafolles, foi um avanço, mas não chegava. Escrevia ainda Bombarda: "Em Portugal [há] apenas dois hospitais e não vão além de 1160 os alienados em tratamento. [...] São portanto aos milhares [...] os doidos que não se podem socorrer. Por onde param? Vagueiam aí por montes e vales, enclausuram-se pelas cadeias, acorrentam-se pelos desvãos das habitações, encurralam-se até pelas cortes dos porcos."

Teatro nas noites de Inverno

Em Rilhafolles, exploravam-se diferentes técnicas de tratamento, mas já não se davam palmatoadas aos doentes agitados, como no Hospital de S. José. Um relatório de 1865, assinado pelo conselheiro Guilherme da Silva Abranches, explicava que "só em casos extremos se empregam outros meios de contenção ou repressão, tais como a reclusão temporária, o colete de forças, e mui raro os banhos de emborcação. O mais usado entre estes meios é o colete sem reclusão, porque a prática tem mostrado ser mais eficaz e menos incómodo, permitindo ao mesmo tempo que o alienado respire ar livre e em exercício sem prejuízo dos seus companheiros".

Os divertimentos em Rilhafolles eram considerados terapêuticos. No mesmo relatório, Silva Abranches escrevia: "Os bons efeitos do jogo do bilhar no hospital de Pensilvânia, atestados pelo dr. Cirkbridge, fazem-me esperar igual resultado em Rilhafolles. A sala de teatro foi também aberta em Janeiro do mesmo ano com variadas representações, em que foram actores alguns empregados e alguns doentes a quem podia aproveitar este meio de distracção. O público assistindo a algumas récitas teve ocasião de observar a ordem e o sossego dos alienados espectadores, e a regularidade com que tudo marchava. Mais apropriadas para as noites de Inverno, as representações suspenderam-se no Verão para começarem de novo no Inverno seguinte. Notou-se que muitos alienados pediam com instância para assistirem aos ensaios, e que em alguns a agitação cessava quando isso se lhes concedia, dormindo depois a noite mais tranquilamente."

A arte enquanto necessidade de expressão de mundos interiores fez sempre parte da vida do hospital. Na reportagem feita em 1899 pela revista Brasil-Portugal, o jornalista cruza-se com um homem que "vai lendo alto, arrogante, num papel que leva na mão, versos tremebundos... que lá não existem". E mais à frente encontra uma mulher que faz vestidos de palha e confessa-se impressionado: "Que esplêndidos vestidos de palha, que chapéus tão airosos, que elegantes sapatos [...] que leques caprichosos."

O que resta dessa arte dos doentes é outra parte importante do espólio que Vítor Freire está a reunir. Caminhamos agora em direcção ao Pavilhão de Segurança, o edifício panóptico - redondo, com um pátio no interior e celas a toda a volta, permitindo que uma torre de vigia que em tempos existiu no meio fosse suficiente para controlar todo o espaço.

E os desenhos de Jaime?

Entramos, e numa pequena sala à esquerda está a exposição Um Século de Pintura de Doentes - Outsider Art (Outsider ou Art Brut refere-se à arte feita por autodidactas que não têm a intenção de comercializar, incluindo a dos doentes mentais). Vítor Freire não esconde o entusiasmo pelo que tem vindo a encontrar no hospital. A fotografia do espanhol de chapéu e latas aos pés é uma das que estão na parede. Junto a ela, uma pequena pintura, com um fundo azul forte, e, no centro, um projecto para uma fonte monumental, cheia de estátuas. Um projecto - ambicioso - de António Gameiro, de 1902. Também dele sabemos pouco, mas Vítor Freire encontrou uma referência a este artista, identificado como "bolseiro da rainha", na tese escrita por Júlio Dantas em 1900, Pintores e Poetas de Rilhafolles, em que o escritor descreve um museu criado no início do século por Miguel Bombarda, do qual "não resta nada".

Vítor Freire tem esperança de que a organização do arquivo e uma muito aguardada definição sobre o futuro do museu e do património do hospital permitam recolher mais obras de Gameiro e outros antigos doentes, que estejam dispersas, na posse de várias pessoas. "Só tínhamos um desenho do Jaime, e agora deu entrada outro [sem data, mas identificado como sendo dos anos 60]", conta, apontando para uma imagem na parede em que se reconhece claramente o traço obsessivo de Jaime, preenchendo com linhas, em diferentes tons de verde, todo o fundo e a figura - esta com guache branco a tapar a cara da qual espreitam apenas os olhos, debaixo de duas grossas sobrancelhas.

Jaime é, provavelmente, o mais famoso artista que passou pelo Pavilhão de Segurança. "Ele nunca conservou os trabalhos. Normalmente, pedia o material emprestado e, digamos, em paga dava os trabalhos. Mesmo assim, conseguimos recolher algumas dezenas de desenhos, pinturas e muitas cartas", contou, numa entrevista de 1974, ao Jornal do Fundão, o cineasta António Reis, que nesse ano realizou o filme Jaime. "O Jaime tinha a perfeita noção do espaço a ocupar pelo desenho ou pintura. Como estava limitado pelas pequenas dimensões do papel, muitas das suas "figuras-homens" têm os braços caídos ou levantados, enquanto as "figuras-animais" têm a causa caída. Portanto, as atitudes do desenho estão sempre em função da delimitação do papel, para a qual ele achava sempre uma solução plástica genial. É possível que também estejam ligadas a uma estereotipia emocional obsessiva e a arquétipos. Quanto muito, as leis que presidem à sua arte são equivalentes às da criança ou dos povos primitivos."

Camponês da Beira, Jaime Fernandes tinha 38 anos quando foi internado, com esquizofrenia, no Miguel Bombarda, mas foi só a partir dos 65 que começou a pintar e a escrever de forma obsessiva. Se no tempo em que António Reis filmou existiam ainda muitos desenhos e cartas, nada restou no hospital, à excepção do único desenho que Vítor Freire encontrou no gabinete de um médico. Jaime teve ainda uma exposição na Gulbenkian em 1980, mas a fundação ficou apenas com quatro obras.

Algum do seu trabalho está na Colecção de Art Brut, em Lausanne, Suíça, e na colecção abcd, em Paris. Um pequeno catálogo da colecção suíça que apresenta a obra de Jaime Fernandes considera "lamentável que ele tenha deixado tão poucos traços". Michel Trévoz, autor do texto, diz que, tanto quanto sabe, "não existem hoje mais do que cerca de 50 desenhos, oito dos quais na Colecção de Art Brut, e o resto em mãos privadas". O seu trabalho é descrito como "uma espécie de teia de aranha que encerra as figuras ao mesmo tempo que as compõe. [...] As linhas multiplicam-se, entram em pânico e finalmente impõem-se. Um trabalho sem saída, inflexível. Completa impotência, total negação do ser."

Infelizmente, diz Vítor Freire, "o processo clínico de Jaime Fernandes já cá não está, desapareceu". Os pedaços do puzzle que podiam ajudar a compreender esta figura foram, assim, também desaparecendo. "Ele fazia desenhos de manhã à noite. E esculturas. Mas estas eram destruídas. Tudo o que ele trouxesse lá do exterior não podia entrar no serviço e era deitado fora."

O bailarino e os nazis

Jaime morreu em 1968, no Miguel Bombarda, 30 anos depois de ter dado entrada. Nesse mesmo ano de 1938 em que ali chegou, deu também entrada no mesmo hospital o bailarino Valentim de Barros. Em 68, ano da morte de Jaime, o Diário de Lisboa publicava a dramática história do "bailarino português que julgava ser Nijinsky." Luís d"Oliveira Nunes, autor do texto, lamentava a sorte "daquele que deve ter sido o primeiro bailarino clássico português a internacionalizar-se e que hoje, após trinta anos de cativeiro, continua isolado do mundo, entre as paredes frias dum manicómio".

Segundo o jornal, Valentim, filho de um professor universitário, fugiu de casa para ser bailarino. Foi levado por uma companhia de dança para Espanha, mas caiu em plena guerra civil e foi feito prisioneiro pelos republicanos. Trabalhou num talho antes de conseguir refugiar-se num convento e fugir, vestido de freira.

Passou por Itália e França, mas acabou a dançar na Alemanha nazi, onde terá até recebido uma condecoração de Hitler pelas mãos de Hermann Goering, seu admirador declarado. Nesses tempos, descreve o artigo, "os homens do regime enchiam-lhe o camarim de flores e na sua mesa havia sempre uma garrafa de champanhe".

A guerra obrigou-o a voltar a Portugal, mas os episódios de loucura sucediam-se. Valentim acreditava que era o próprio Nijinsky e vestia-se de mulher. A mãe acabou por interná-lo em Rilhafolles, onde, conta o artigo, "dava prodigiosos saltos, voando por cima de doentes e enfermeiros", mas também "organizava classes de dança para os doidos" e chegou a dançar numa festa do hospital.

O jornalista vai encontrar no Miguel Bombarda uma pálida sombra desse bailarino que encantava os dirigentes nazis. Valentim estava "numa cela do manicómio [no Pavilhão de Segurança], fazendo tricô, rodeado de santos, pássaros e flores [...], falando numa voz de falsete e chinelando nuns sapatinhos vermelhos".

O bailarino ainda haveria de viver muitos anos no Pavilhão. "Era uma figura extremamente popular", conta Vítor Freire. "Todos gostavam dele, conversava com toda a gente, bordava, fazia umas bonecas muito bem feitas, e pintava quadros naïf, que as pessoas lhe encomendavam."

Mas desviámo-nos da exposição de Art Brut na pequena sala do Pavilhão de Segurança, ali a poucos metros da cela em que Valentim de Barros viveu a maior parte da sua vida. Vítor Freire está agora a apontar para um desenho feito a traço negro que mostra um doente, de frente, em corpo inteiro e de perfil, apenas o rosto. Trata-se do "doente Pragana", desenhado em 1919 por Ângelo de Lima, poeta, pintor, também ele internado no Miguel Bombarda.

Um escândalo provocado no Teatro Dona Amélia em Dezembro de 1901, durante o qual proferiu obscenidades, levou-o ao internamento. Miguel Bombarda declarou-o alienado e inimputável. No artigo do jornal O Dia do ano seguinte sobre os doentes de Rilhafolles, Ângelo de Lima, cujos poemas foram publicados pela revista Orpheu, é descrito como uma figura triste, mergulhada numa profunda depressão. Viveria mais cerca de 20 anos e acabaria por morrer no hospital.

"O que é extraordinário nesta colecção é a variedade", explica o administrador. Há diferentes tipos de registo - há exemplos de quase todas as tipologias de Outsider Art que encontrou nas grandes colecções de referência, nomeadamente a recolha de mais de cinco mil obras feita no início dos anos 20 pelo alemão Hans Prizhorn, um dos primeiros a estudar e a valorizar a arte dos doentes mentais.

Ao lado dos projectos de fontes de Gameiro, das malhas densas de Jaime, e do desenho mais académico de Ângelo de Lima, aparece por exemplo uma carta de 1939, que começa da forma mais clássica possível, com a localidade e a data, o nome da pessoa a quem se dirige e que, subitamente parece mergulhar noutra realidade, com a frase "eu não quase estou..." a transformar-se numa espécie de código feito de números e desenhos com uma lógica que nos escapa. Ou aparece, ainda, um estranho desenho, numa pequena folha, em que o doente Alfredo dos Santos, internado nos anos 30, desconstruiu a enfermaria, na qual há uma fileira de camas direitas e outra fileira invertida, como se a primeira fila se reflectisse numa superfície de água.

A par dos arquivos fotográfico e da arte dos doentes, Vítor Freire reuniu os livros de registos dos doentes, com nomes, filiação, idade, diagnóstico de entrada e de saída. "Existe esse registo relativamente a todos os doentes desde 1848, incluindo os que vieram do Hospital de S. José. É um registo sistemático que possibilita estudos nos mais diversos campos científicos. Pode-se perceber toda a evolução da Psiquiatria, das terapêuticas, e ainda estudar os dados sociais relativos aos doentes."

Está aqui grande parte da história da saúde mental em Portugal e toda a história de um hospital pelo qual passaram figuras como Júlio de Matos e Miguel Bombarda (e, muito mais tarde, outras como o escritor António Lobo Antunes, que foi aqui médico). "Há muito trabalho a fazer", suspira Vítor Freire, que acha urgente a recolha de testemunhos e memórias de muitos dos que trabalharam no Miguel Bombarda. "É preciso registar, fazer entrevistas, passar do registo oral para o escrito."

Voltamos a sair para o exterior, dirigindo-nos para o portão de entrada. Mas, antes, uma visita a uma última sala. A porta, junto à entrada principal, é discreta. Vítor Freire pede a chave a um dos guardas. A sala está na penumbra, mas percebe-se uma secretária e um quadro na parede. Era o escritório de Miguel Bombarda. Foi aqui que, na véspera do 5 de Outubro de 1910 - a revolução republicana na qual o director do hospital tanto se empenhara -, um louco que ali estivera internado o matou a tiro. Levado para S. José, Bombarda ainda teve tempo de passar aos companheiros documentos com os planos revolucionários.

O que vai acontecer à sala onde Bombarda foi assassinado ou ao resto do hospital não se sabe ainda. Isabel Paixão, responsável do Centro Hospitalar Psiquiátrico, afirma que a intenção desta instituição, transmitida ao Ministério da Saúde, é que o Pavilhão de Segurança seja preservado e transformado em museu. Seja como for, "o espólio do Hospital Miguel Bombarda será sempre acautelado", garante.

Vítor Freire sente que o tempo escasseia. A cada dia que passa, chegam-lhe às mãos mais fotografias, objectos e obras de doentes, entregues por pessoas que sabem que ele está a reunir o espólio. Cada peça - das gaiolas de pássaros dos doentes do Pavilhão de Segurança, às imagens de festas, de teatros, de oficinas ou de trabalhos na horta - ajuda a contar como durante mais de um século tantos homens e mulheres viveram a sua loucura no mundo fechado de Rilhafolles.

Pavilhão de Segurança, Enfermaria-Museu. Rua Dr. Almeida Amaral, 1. 4ª entre a 11h30 e as 13h, sáb., entre as 14h e as 18h. Entrada livre

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