O mercantilismo chinês é bom ou mau para os países pobres?

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A balança comercial da China prepara-se para registar este ano outro enorme superavit. Entretanto, continua a aumentar a preocupação com a recuperação económica norte-americana. São duas conjunturas que indicam que a China sofrerá constantes pressões para valorizar substancialmente a sua moeda.

Esta discussão sobre a moeda chinesa centra-se na necessidade de reduzir o superavit comercial do país e corrigir desequilíbrios macroeconómicos globais. Muitos analistas esperam que com uma moeda menos competitiva a China passe a exportar menos e a importar mais, dando uma contribuição positiva para a recuperação dos Estados Unidos e de outras economias.

Em toda esta discussão o yuan é, em larga medida, considerado uma questão Estados Unidos-China e os interesses dos países pobres são praticamente ignorados, mesmo em fóruns multilaterais. Todavia, um aumento significativo do valor do yuan pode ter fortes implicações nos países em vias de desenvolvimento. Mas se ganham ou perdem com a valorização do yuan é uma questão discutida com veemência.

De um lado está Arvind Subramanian, do Peterson Institute e do Center for Global Development. Ele defende que os países em vias de desenvolvimento têm sofrido muito com a política chinesa de manter a sua moeda subvalorizada, o que tornou mais difícil para eles competirem com produtos chineses nos mercados mundiais, retardou a sua industrialização e atrasou o seu crescimento.

Se o yuan fosse valorizado, as exportações dos países pobres tornar-se-iam mais competitivas e as suas economias ficariam mais bem posicionadas para colher os benefícios da globalização. Assim, segundo Subramanian, os países pobres têm de partilhar esta causa com os Estados Unidos e outras economias avançadas, e pressionar a China a alterar a sua política monetária.

Do outro lado temos Helmut Reisen e os seus colegas do Centro de Desenvolvimento da OCDE, que concluem que os países em vias de desenvolvimento, especialmente os mais pobres, seriam prejudicados, se o yuan sofresse uma valorização acentuada. O raciocínio deles é que uma valorização da moeda iria quase certamente abrandar o crescimento da China e que qualquer coisa que provoque esse abrandamento é necessariamente mau também para outros países pobres.

Eles apoiam o seu argumento em trabalho empírico que sugere que o crescimento nos países em vias de desenvolvimento se tornou cada vez mais dependente do desempenho económico da China. Estimam que o abrandamento de um ponto percentual na taxa de crescimento anual chinesa conduziria a uma redução de 0,3 pontos percentuais nas taxas de crescimento dos países de baixo rendimento - quase um terço.

Para compreendermos essas duas perspectivas, que se contradizem, há que recuar um pouco e considerar os motores fundamentais do crescimento. Pormenores técnicos à parte, o debate resume-se a uma questão fundamental: qual é o modelo de crescimento melhor e mais sustentável para os países de baixo rendimento?

Em termos históricos, as regiões pobres do mundo contaram muitas vezes com aquilo a que se chama um modelo de "exportação de excedentes". Esse modelo implica exportar para outras partes do mundo matérias- primas e recursos naturais, como produtos agrícolas ou minerais.

Foi assim que a Argentina enriqueceu no século XIX e os países produtores de petróleo se tornaram prósperos nos últimos 40 anos. O crescimento rápido que muitos países em vias de desenvolvimento registaram antes da crise foi, em larga medida, resultado desse mesmo modelo. Em particular, os países da África subsariana foram impulsionados pela crescente procura dos seus recursos naturais por parte de outros países - entre os quais, e principalmente, a China.

Mas este modelo tem duas terríveis fragilidades. Em primeiro lugar, ele depende fortemente do rápido crescimento da procura externa. Quando essa procura esmorece, os países em vias de desenvolvimento enfrentam a queda dos preços das suas exportações e, não raro, sofrem uma prolongada crise interna. Em segundo lugar, ele não estimula a diversificação económica. Economias dependentes desse modelo ficam muitas vezes excessivamente especializadas em produtos primários, normalmente com reduzido crescimento de produtividade.

Na verdade, o principal desafio do desenvolvimento económico não é a procura externa, mas sim uma mudança estrutural interna. O problema, para os países pobres, é que eles não produzem o tipo adequado de bens. Eles precisam de se reestruturar - sem recorrer aos tradicionais produtos primários - e dedicar-se a actividades de produtividade mais elevada, principalmente transformação e serviços modernos.

A taxa de câmbio real é aqui de extrema importância, pois determina a competitividade e rentabilidade das modernas actividades passíveis de comercialização. Quando os países em vias de desenvolvimento são forçados a sobrevalorizar a sua moeda, a actividade empresarial e o investimento nessas actividades entram em declínio.

Dessa perspectiva, as actuais políticas monetárias da China não só enfraquecem a competitividade de sectores de actividade africanos e de outras regiões pobres, como também arruinam os motores fundamentais de crescimento dessas regiões. O que os países pobres ganham com o mercantilismo chinês é, na melhor das hipóteses, um crescimento temporário do tipo errado.

No entanto, para que não culpemos demasiado a China, devemos lembrar-nos que nada impede os países em vias de desenvolvimento de imitarem o essencial do modelo chinês. Também eles podiam ter usado as suas taxas de câmbio mais activamente para estimular a industrialização e o crescimento. É verdade que os países do mundo não podem todos ao mesmo tempo desvalorizar as suas moedas. Mas os países pobres poderiam ter transferido o "fardo" para os países ricos onde, como sugere a lógica económica, ele deveria ser colocado.

Em vez disso, muitos dos países em vias de desenvolvimento permitiram que as suas moedas se tornassem sobrevalorizadas, dependendo de grande procura de commodities e de fluxos financeiros. E pouco foi o uso sistemático de políticas industriais explícitas que poderiam substituir a desvalorização.

Assim sendo, talvez não devêssemos culpar a China por cuidar dos seus próprios interesses económicos, mesmo que, nesse processo, tenha agravado as consequências das políticas monetárias desacertadas de outros países.Dani Rodrik,

Universidade de Harvard

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