A vista é do melhor mas as torres já acusam o peso dos anos

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Da janela do nono andar da torre dois, vê-se o outro "cavaleiro" das Amoreiras . Em cima, à esquerda, João Carlos Oliveira, administrador da Young & Rubicam Brands, que tem escritórios no sétimo e nono andar. À direita, o advogado Miguel Marques dos Santos, da Garrigues, que alega que o Amoreiras está enraizado na cidade

João Baião e Tony Carreira são alguns dos habitantes das Amoreiras, juntamente com diplomatas e figuras do mundo financeiro e político. Há quem fale em "ambiente de bairro"

a É na Sala Lisboa, no 15.º andar de uma das torres de escritórios das Amoreiras, que os advogados da Garrigues recebem os seus clientes. O nome da sala assenta como uma luva no luminoso espaço de reuniões, do qual se tem uma vista deslumbrante sobre a cidade. E essa é, admite o sócio Miguel Marques dos Santos, umas das grandes mais-valias de trabalhar neste empreendimento, juntamente com a proximidade do centro comercial e a grande dimensão de cada um dos pisos de escritórios.

Seis andares abaixo, o presidente da Young & Rubicam Brands avista da sua secretária o mar da Palha e o Bico da Areia, na Trafaria, mas também boa parte da cidade de Lisboa, com a sua "mistura de bairros tradicionais com novas ilhas de modernidade". Este seria aliás, na opinião de João Carlos Oliveira, um óptimo local para os turistas de primeira viagem travarem conhecimento com a capital.

O responsável pela chancela que abrange várias empresas nas áreas da publicidade e comunicação reconhece que, "num primeiro momento", foram para as Amoreiras "um bocado contrariados", deixando para trás um edifício nas Docas. Mas hoje, diz João Carlos Oliveira, o balanço é positivo: a localização dos escritórios, que ocupam o 9.º e o 7.º andar, é muito central e tem um estacionamento usado tanto por trabalhadores como por clientes.

A tudo isso junta-se o centro comercial, com área de restauração. "Não é um entreposto de passagem. É como se fosse uma grande mercearia de bairro", diz João Carlos Oliveira. "É o centro comercial de que mais gosto. Nota-se que não é supermoderno, mas tem a dimensão ideal e lojas boas e variadas", afirma também Miguel Marques dos Santos, da Garrigues.

Para este advogado, responsável pelo departamento de imobiliário e urbanismo, há também desvantagens: o valor da renda, "encostada ao máximo razoável", o facto de o empreendimento ter um quarto de século de vida e se notar "o peso dos anos" na organização do espaço e nas instalações. A remodelação dos espaços comuns prometida para este ano ainda não avançou. A Mundicenter entregou o projecto ao atelier Promontório e não a Tomás Taveira, só que o arquitecto não gostou e acenou com uma providência cautelar.

Outra queixa de Marques dos Santos é a demora em fazer o metropolitano chegar às Amoreiras, tornando a zona "relativamente mal servida de transportes públicos".

"Para 25 anos, as Amoreiras estão muito bem conservadas", contrapõe João Carlos Oliveira, que, aliás, considera que o valor da renda "é muito razoável". O presidente da Y&R Brands acredita que hoje este empreendimento "já não é tema de conversa" porque "já não é tão disruptivo" como quando surgiu e "transformou a linha do horizonte da cidade".

Aí Miguel Marques dos Santos está de acordo: "Já não se comenta o facto de a obra ser menos agradável à vista, nem o facto positivo de ter sido uma pedrada no charco. As Amoreiras estão completamente enraizadas na vida das pessoas", conclui.

Quem aqui vive também lhe tomou o gosto. É o caso de Inês Barahona, que reside há 25 anos no 9.º andar de um dos lotes. Quando foi para lá, no início da adolescência, não lhe interessavam as polémicas em torno do projecto. Hoje, aos 40 anos, valoriza a centralidade da zona e goza o privilégio de ir ao supermercado e trazer logo as compras no elevador para casa. Mas a moradora não esconde o desagrado com alguns problemas de construção do edifício. "O elevador de serviço foi mal construído, pára sempre a meio dos andares e temos de fazer o resto pelas escadas. Quando trazemos coisas pesadas, não dá jeito nenhum", diz. Também lhe faz confusão a "coluna enorme que existe na sala, em frente às janelas". E ainda há o mau isolamento dos apartamentos, lembra o porteiro, que trabalha na torre há 15 anos. É ele quem abre a porta ao cantor Tony Carreira, que ali mora "uma grande parte do tempo", e a outras figuras do mundo financeiro e político. "Escreva aí que faltam transportes públicos", afirma. "Há muitos autocarros, mas praticamente só vão para o Cais do Sodré e Benfica. E a estação de metro do Rato fica longe. Os mais idosos não conseguem subir a rua toda", explica. A solução, sugere, seria reactivar o eléctrico entre as Amoreiras e o Rato.

A zona está muito melhor

Mas para quem tem carro próprio, o problema é menor. Para Francisco Teixeira, que mora há dez anos num 2.º andar, a questão nem se coloca. Este director de um hotel em Angola tem até dificuldade em apontar desvantagens. "Há 15 anos a zona era boa e actualmente está muito melhor", sublinha. O facto de ser um espaço "limpo" e de ter o centro comercial - que é, para ele, "um dos melhores de Lisboa" - à porta agrada-lhe.

Mora num apartamento T1 comprado em segunda mão, com 100 metros quadrados e vista para o jardim. E não se queixa. "É uma zona cosmopolita, não vem para cá toda a gente", diz. No mesmo lote, vive o apresentador João Baião. Por lá já passou também o cronista social Carlos Castro, que garante ter feito "um bom investimento" no imóvel. Morou na torre dez anos, até 2008, mas depois trocou o 8.º andar por um apartamento no 12.º andar em Sete Rios, de onde vê as Amoreiras.

No lote ao lado, no lugar do porteiro está um polícia, de olho em quem entra e sai. Não é para menos. Ali reside o embaixador de Israel em Lisboa, Ehud Gol. E não é o único embaixador a escolher as Amoreiras: a embaixadora do Senegal, Maymouna Diop Sy, e um adido cultural de Marrocos também lá vivem.

Vários pisos abaixo, no centro comercial, Teresa chama a dona da loja das malas que fica numa das entradas: "Vem cá, Leonor! Já tomaste café?". As lojistas tratam-se por tu entre si, e muitos clientes pelo nome próprio. "Somos um bairro dentro da cidade", explica Teresa Bravo, que aqui tem um pequeno snack-bar vai para duas décadas. Momentos maus? Ambas são unânimes: as complicações de trânsito provocadas pela construção do túnel do Marquês. Pior que o aparecimento do Colombo? "Com o Colombo tornámo-nos mais selectos", nota, satisfeita, Leonor. "Já vamos na segunda geração de clientes: depois dos pais, começaram a ser os filhos a frequentar-nos". Como diz o arquitecto Manuel Graça Dias, o centro comercial teve já várias vidas desde o dia em que abriu, há 25 anos. E sobreviveu a todas elas.

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