Na estrada para Araçuaí

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Araçuaí. Até agora não consigo dizer o nome direito, enrolo, troco o acento. Nome tupi, disseram-me. Vem no Rosa: "De Araçuaí eu trouxe uma pedra de topázio." João Guimarães Rosa, big bang da língua portuguesa, sempre à nossa frente. No Grande Sertão: Veredas, Araçuaí é o lugar de onde Riobaldo traz uma pedra de topázio para Diadorim. Terra de garimpo, nos caminhos entre Minas Gerais e a Baía, lá no interior dos pobres. "Sertão é onde manda quem é forte com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!" Diz o Rosa, pela boca de Riobaldo, jagunço infinito. "O sertão está em toda a parte."

Nesta parte, tem o rio Jequitinhonha, e o vale do Jequitinhonha era o Brasil da fome, na mão de alguns coronéis, lá tão longe, onde o asfalto chegou tarde.

Começa por ser isso, Araçuaí: chegar lá. Demora mais do que atravessar o Atlântico mudando de hemisfério. Lisboa-Belo Horizonte: nove horas de voo. Belo Horizonte-Araçuaí: dez horas e meia de "ônibus". Impossível fazer a viagem toda com luz de dia.

Então, manhãzinha, sento-me no "ônibus" e arrancamos entre as favelas e a utopia de Niemeyer, motéis e "lanchonetes", ranchos e colinas. Parada para almoço em Curvelo, depois a paisagem capricha. Sítio das Flores, Fazendinha, mato queimado, campos dourados, terra cor-de-colorau. Os moços no "ônibus" discutem a eleição do próximo domingo, candidatos locais com nomes épicos. "Ele apoiou o assessor dele, e o assessor ficou oito anos na prefeitura..."

Morros cabeludos, cavalos, um rio. Subimos a serra para Diamantina. A flor amarela do ipê está vibrante, como acabada de nascer. Hoje é o primeiro dia da Primavera. Uma barraca na estrada, "Parada do Chupa-Cabra". Então começa a aparecer rocha e o horizonte abre-se numa grandeza de cerros. Por baixo do chão, tudo são minérios ricos. Diamantina: viveu dela, Portugal. O "ônibus" sobe e desce morrinhos, e à saída da cidade uma placa aponta o velho caminho de escravos.

Depois é o planalto que à noite hei-de ver em chamas, queimadas sertanejas, linhas de fogo até ao fim do horizonte, visão de fim-de-mundo. Mas agora ainda é o poente, e quando o sol cai, o rio Jequitinhonha aparece como prata lá ao fundo. "É a barragem", diz Ivandi, a moça que vai atrás de mim e sabe tudo sobre a composição desta terra vermelha-colorau. "Tem ferro e alto índice de sulfato de alumínio." Quando o asfalto acaba, o "ônibus" faz a paragem da "baldeação": "Gente, vamos trocar para outro carro", diz o cobrador, mulato de Araçuaí.

A partir daqui, gente, são 40 quilómetros de terra e calhau, já noite, lua cheia. O sertão passa por nós como um fantasma, ou será ao contrário. Por estes caminhos se fez Riobaldo a cavalo. Viver é muito perigoso, é o que ele mais diz. Quando, por exemplo, eu vir a boca de uma mina, vou entender. Minas Gerais, o nome está vivo.

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