O renascimento da Alemanha

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PHILIPP GUELLAND/afp

De 1914 a 1939, a Alemanha provocou duas guerras na Europa, que se tornaram guerras mundiais. Derrotada na primeira (pelo menos, 10 milhões de mortos), conseguiu ressurgir, apesar das sanções que lhe impuseram, para a segunda. E a segunda, que Hitler planeou e o nazismo conduziu, foi de uma barbaridade única na história: o Holocausto, 55 milhões de mortos (só na URSS mais de 20), as maiores migrações de sempre e a destruição planeada da civilização material que o liberalismo legara. Depois do irresistível avanço russo para o ocidente e do desembarque da Normandia, houve uma única preocupação comum às potências já presumivelmente vencedoras: não deixar que a Alemanha renascesse para tornar a fazer o que fizera. Embora com soluções diferentes, nesse ponto toda a gente concordava.

A partir de 1945, a descoberta pelo Exército americano e pelo Exército do império inglês dos campos de concentração (Bergen-Belsen, Dachau, Buchenwald, Mauthausen, Ravensbruck e dezenas de outros) confirmou a política aliada de nunca permitir que a Alemanha voltasse a ter plena autonomia. Embora muitas vezes se escreva o contrário, nem a guerra fria alterou esta resolução básica. O choque do que se descobrira em 1945, e do que se descobriu a seguir, durou gerações. Tanto a América, como a Inglaterra continuaram a ocupação (agora a título de defesa contra o comunismo) e discretamente tutelaram a República Federal. Para já não falar da França, onde o medo e a desconfiança da Alemanha persistiram praticamente até agora. Sem compreender isto, não se compreende a "Europa".

Por uma razão muito simples. Porque a "Europa" desde o princípio serviu, a troco de alguma prosperidade e dignidade, para impedir uma acção independente da Alemanha. O euro, em particular, parecia teoricamente garantir um destino democrático e solidário. Mas nessa panaceia havia dois perigos que ninguém previu. Para começar, a existência de uma moeda comum sem finanças comuns não passava de um contra-senso e, em tempos de crise, era evidentemente uma fraqueza. E, sobre isso, a Alemanha podia a qualquer momento recuperar, como de facto recuperou, a autonomia e restabelecer a sua preponderância sobre a Europa. É precisamente o que sucede hoje, com a reunificação consumada e perante a indiferença da América (que lembra a indiferença de 1914 e 1939). Os pequenos problemas de Portugal (e a sua suposta "perda" de soberania) não pesam nestas grandes contas.

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