A noite não era de santos, mas Lisboa saiu à rua e foi às compras

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A ideia de promover o comércio encheu passeios e lojas como a Prada MIRIAM LAGO

Lojas abertas até tarde, champanhe a jorrar no fashion district, passadeiras vermelhas. Não é Nova Iorque. É uma noite Vogue à portuguesa

É quinta-feira e a noite de Lisboa está diferente. "A esta hora não era para estar tanto trânsito", queixa-se um taxista. São 21h15 e numa rua perpendicular à Avenida da Liberdade o trânsito está entupido. A avenida e os seus passeios estão cheios de gente. Parece uma noite de santos populares, mas as filas não são nem para a cerveja nem para a sardinha. Loja Louis Vuitton, à pinha. O que chama este mar de gente é a ideia do luxo.

Não é Natal e, no entanto, há lojas com passadeira vermelha à porta. Porquê tudo isto? A resposta está colada nas montras: Lisboa junta-se a outras capitais mundiais (Roma, Madrid, Berlim e Camberra, na Austrália) e estreia-se nas noitesFashion"s Night Out, vestindo fato de gala.

A organização prometeu uma "cruzada da moda". Não se enganou. No chamado fashion district lisboeta (Avenida da Liberdade, Chiado e Rua Castilho) há colecções novas a pedir clientes. Prometem-se descontos especiais em muitas das 96 lojas abertas fora de horas, distribui-se champanhe e cocktails.

O ambiente é um misto de estilos, entre a descontracção e a formalidade. Aqui e ali unsjeans, mais à frente vestidos de noite e saltos altos. "São só caras bonitas", diz alguém. "Estou a reparar que as pessoas se arranjaram um bocadinho mais", nota a actriz Sara Prata, cara de novela da TVI. "Acaba por ser a moda dentro das lojas e fora delas", acrescenta.

Quem desce a Avenida da Liberdade percebe que não são apenas os estilos que se misturam. Há pessoas de todas as idades. Trouxeram filhos, sobrinhos e amigos. Algumas são caras conhecidas. Anda-se sem pressas, como se o dia seguinte fosse fim-de-semana e não sexta-feira, ontem. "Nunca vi esta avenida assim. Tirando as marchas e os santos populares", afirma a actriz Sílvia Rizzo, que saiu de casa para esta noite de compras - promovida pela revista Vogue -, mas não tenciona comprar nada.

Os menos ou nada famosos também notam algo de diferente. "Lisboa está animada. Até dá gosto aqui andar", diz uma cliente da Furla. Nuno Porfírio, cliente da Burberry, não tem dúvidas: "Há mais pessoas do que carros. Fantástico." Este naco de Lisboa parece outra cidade, na opinião de alguns.

Pouco negócio

Subindo até ao Chiado, a história não é muito diferente. A Rua do Carmo está cheia que nem um ovo, pairam as notas de uma saxofonista, do lado oposto à gelataria Santini. Há uns quantos que vieram ao engano, não sabiam que a Vogue descarregou o seu marketing no centro de Lisboa. Não escondem o seu desagrado. "Está muita confusão para o meu gosto", resmunga uma jovem, enquanto come um gelado, encostada à entrada de uma das poucas lojas que está fechada.

Na Rua Garrett, há manequins vivos. À porta da Zara, a fila parece não ter fim. Só de perto se percebe que nemtodos querem entrar. Estão ali, de copo de champanhe na mãocomo se estivessem à porta de um dos bares do Bairro Alto. Lá dentro, um DJ põe música. Mas na caixa de pagamento, as empregadas da loja estão sozinhas.

Como estão as vendas? "As pessoas não param de entrar e de comprar", assegurava a responsável da Burberry, na Avenida da Liberdade. A solidão das funcionárias da Zara, no Chiado, é o outro lado da moeda. Na rua, as conversas parecem confirmar que uma noite mais fashion não significa necessariamente mais negócio. São poucos aqueles que passam de saco na mão, quer se esteja na avenida, no Chiado ou na Rua Castilho. Efeitos da crise? "Falta ganhar dinheiro para gastar", sugere Sílvia Rizzo.

Apesar de o evento pretender ser um incentivo ao comércio, há quem diga que só vem para ver. Por exemplo, Marta Rodrigues, algures nos 30 anos, que, mal chegou à Avenida da Liberdade, foi para a fila que entupia a entrada da Prada - não que a loja esteja cheia, mas por política da casa. E a Marta veio para comprar? "Não." Apenas quis "entrar em lojas que de outra forma não entraria". Quais? "São as lojas com mais glamour e mais conhecidas", assegura Marta. Exemplo disso é a Louis Vuitton, especializada em acessórios de moda, onde não faltam clientes. Um panorama que é bem diferente do que é habitual durante o dia, quando grande parte das pessoas que passam na Avenida da Liberdade não entra nas lojas.

Descontos de Cinderela

Numa noite tão diversa, há cenários para todos os gostos e também há quem esteja à espera de "fazer alguns bons negócios". Isto porque são muitas as lojas que incluem descontos especiais. Podem chegar aos 50 por cento e, por isso, são um atractivo especial, cortesia daFashion"s Night Out.

São raras as lojas que estão fechadas. Até algumas das que não fazem parte do roteiro fashion fazem horas extraordinárias, mantendo-se abertas das 19h00 à meia-noite. Há quem aplauda a iniciativa. "As lojas fecham muito cedo e não dá para as pessoas visitarem", sustenta Filipa Baguinho, segurando entre mãos dois sacos da Massimo Dutti. No roteiro desta cliente segue-se "Furla, Timberland, Tod"s e Burberry, para dar uma vista de olhos". Pelos vistos, o luxo satisfaz só de olhar para ele. Para as compras, o segmento médio continua a ser o mais atractivo.

Faltam poucos minutos para o fim. Na Avenida da Liberdade são ainda muitas as pessoas que andam pela rua. Dentro das lojas são cada vez menos. Por esta hora na Louis Vuitton a porta já está fechada, embora ainda haja gente lá dentro. Outras lojas seguem o exemplo. Adivinha-se que esta parte da capital portuguesa, qual carruagem da Cinderela, se transforme à meia- noite e fique menos brilhante, mais vazia. Mais Gata Borralheira, como muitos a vêem, habitualmente.

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