Ínsua, uma ilha deserta só pa ra nós

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NELSON GARRIDO

São tão diminutas as ilhas existentes na costa de Portugal continental que quando encontramos uma apetece-nos ir até lá e ficar com ela. Jorge Nunes (texto e fotos) guia-nos numa inesquecível aventura raiana, no caso pelo extremo noroeste do país

Há várias formas de aportar na vila de Caminha, situada no extremo noroeste de Portugal, mas nenhuma será tão marcante como fazer a viagem no vagaroso comboio da linha do Minho, que, sobretudo a partir de Viana do Castelo, oferece uma intimidade inigualável com o litoral minhoto.

Uma outra alternativa a não desaproveitar será sem dúvida a velhinha estrada nacional 13 que, entretanto, sofreu consideráveis melhorias passando a designar-se IC1. Quem a percorrer de automóvel, dificilmente conseguirá ficar indiferente à magnífica vista panorâmica que se colhe quando se passa pela praia de Moledo. No cenário destaca-se um estranho navio rochoso - chamado Ínsua - que parece ter sido ancorado a dois passos da costa, na desembocadura do rio Minho.

Ainda que o monte cónico de Santa Tecla, em terras galegas, seja o primeiro a cativar o olhar do viajante, a atenção recairá rápida e inevitavelmente sobre essa curiosa ilhota, que emerge das águas com inexplicável misticismo. São apenas duzentos metros de areia e rocha, rodeados de baixios e de um mar azul-cobalto onde apetece mergulhar, mas é quanto baste para serem considerados um dos lugares mágicos por estas bandas. Num dos seus programas televisivos, interrogava-se o historiador José Hermano Saraiva: "Haverá quem venha a Caminha que não pergunte que ilhéu é aquele e não sinta o desejo de ir até lá?".

Explorar a Ínsua

Vista do céu, em voo de pássaro, a Ínsua assemelha-se a um gigantesco bacalhau que parece ter aflorado à tona de água. No entanto, é bem possível que o constante bater das ondas e o eterno alternar das marés já lhe tenha mudado a forma e pareça hoje outra coisa qualquer. Lobrigada de terra, faz lembrar um estranho navio ancorado a dois passos da costa à espera de visitantes. Mas, para poder apreciar-se de mais perto, terá que transpor-se a cortina verde e fresca do pinhal do Camarido ou calcorrear os areais de Moledo, que distam apenas duzentos metros da pequena ilha. Uma coisa é certa: quanto mais perto chegamos, maior é a vontade de ir até lá explorá-la e de guardá-la só para nós.

Para satisfazer a curiosidade, e viver uma experiência verdadeiramente memorável na ilha totalmente despovoada, não há nada como dirigir-se ao Bar Barracuda, na foz do Minho, e pedir ao senhor Brás, pescador local, que nos atravesse na sua pequena embarcação. O preço da viagem é de cinco euros por pessoa (ida e volta), com horários à escolha (que apenas são condicionados pelas condições atmosféricas e pelo estado do mar).

Na ilhota encontra-se uma pequena fortaleza, conhecida como Forte da Ínsua. Apesar das modestas dimensões, constituiu a primeira de muitas fortificações costeiras que se alinhavam ao longo do litoral e tinham como missão impedir os assaltos feitos por piratas vindos do mar. Hoje, encontra-se completamente abandonado, embora no seu interior persistam ainda as ruínas da capela consagrada à Virgem Maria - conhecida como Santa Maria da Ínsua -, e de um convento franciscano, fundado em finais do século XIV. Mas a maior curiosidade da ilha é mesmo a existência de uma nascente de água doce cristalina, que continua a brotar do solo rochoso. A singularidade do fenómeno - segundo os entendidos, conhecem-se somente três nascentes similares em todo o mundo - levou a que fosse considerada como fonte milagrosa.

Com o passar do tempo, a velha ilha acabou por perder a sua utilidade defensiva e religiosa, mas isso não foi suficiente para lhe retirar o encanto que continua a embelezar os bilhetes-postais da região e a fazer as delícias dos visitantes mais aventureiros. Afinal, quem nunca sonhou em ter uma ilha deserta só para si? µ

Espreitar Caminha

Conquistada a Ínsua - que para muitos será razão mais do que suficiente para ter vindo até ao extremo noroeste de Portugal -, é chegada a hora de pôr pés ao caminho para mais um inesquecível trilho costeiro.

Mas, antes de partir passo-a-passo num invulgar percurso transfronteiriço rumo a terras galegas, entregando-se à travessia contemplativa do estuário do Minho, vale a pena deambular pelas estreitas ruelas de Caminha, que alguns consideram ser a mais bela e graciosa vila do litoral minhoto.

Instalada numa pequena península encravada entre as fozes dos rios Coura e Minho, a modesta vila raiana é um lugar emocionante, quer se explore do chão, quer se contemple do ar. Muito antes de os romanos terem chegado a estas paragens já os terrenos pantanosos haviam sido cobiçados e ocupados. Primeiro como lugar de pescadores, depois como póvoa marítima, porto de mar e terra de mercadores e navegantes, acabando como povoação fortificada que por inúmeras vezes foi ganha e perdida nas contendas com nuestros hermanos.

Depois de espiolhar o casco urbano, onde não faltam lugares históricos para apreciar, os viajantes naturalistas podem assentar arraiais nas margens lamacentas do rio Coura, para espreitar a passarada. Sobretudo no Outono, são muitas as aves aquáticas que se escondem nos sapais e se alimentam nos bancos de vasa deixados a descoberto pela descida da maré. As gaivotas, bem como as garças - brancas e cinzentas -, os corvos-marinhos, as rolas-do-mar, os maçaricos-das-rochas e outras pequenas aves limícolas são presença constante.

Empanturrado o olhar, é chegada a hora de rumar ao cais do ferryboat à cata da embarcação que nos leve até à outra margem. É curioso pensar que o Minho, que durante séculos constituiu muralha intransponível entre duas nações desavindas, é hoje porta aberta ao convívio entre galegos e minhotos e a toda a sorte de turistas que queiram atravessá-lo livremente.

Subir a Santa Tecla

Transposta a raia húmida, com os seus cerca de 1200 metros de largura, a caminhada inicia-se seguindo pela estrada ao longo do rio em direcção à sua foz. Não há nada que enganar. Se desejar um contacto mais próximo com as águas do Minho e com as inúmeras aves limícolas que se entretêm a procurar alimento na areia húmida e nos lamaçais - sobretudo durante a baixa-mar -, opte pelos carreiros que seguem junto à margem.

Para a aventura a pé de cerca de dez quilómetros (ida e volta) até ao magnífico miradouro de Santa Tecla, reserve quatro a cinco horas de modo a poder desfrutar com calma de cada passada. Se lhe faltar coragem para empreender o passeio pedestre, não deixe de ir até lá acima - Santa Tecla é um pequeno tesouro visual que vale a pena descobrir e constitui (mais) uma das experiências inesquecíveis desta viagem - mesmo que para isso tenha que ceder à tentação de levar o carro.

Apreciada a beleza da embocadura do rio Minho e a peculiar localização da Ínsua e do seu forte, é chegada a hora de arribar a Santa Tecla, seguindo o carreiro que, pela encosta Oeste do picoto, se dirige ao cume. À medida que se vence o declive, vai-se adquirindo uma nova perspectiva e olha-se agora para a paisagem marítima com outro deslumbramento.

O percurso prossegue pelo caminho florestal até desaguar junto do monumento histórico-artístico nacional conhecido por Castro de Santa Tecla - um dos mais emblemáticos e visitados povoados castrejos da Galiza -, que foi descoberto em 1913, mas cujas origens remontam ao ano de 27 a.C. Este museu ao ar livre - que acrescenta uma nova página ao "diário de bordo" desta viagem -, com cerca de 300 metros de largura por 700 metros de extensão, permite admirar inúmeras ruínas de construções ovais, circulares e quadradas, levando-nos a perceber melhor como viviam os povos nos tempos proto-históricos.

Mas o que realmente impressiona o viajante é a chegada ao cume de Santa Tecla, onde as vistas são magníficas. Para Leste, seguindo as águas pachorrentas do rio Minho, o cenário estende-se até terras de Cerveira; para Sul, acompanhando o ininterrupto vai e vem das ondas, espraia-se com o Atlântico até aos arredores de Montedor.

Antes de se debruçar sobre o miradouro e de iniciar a descida que o levará de volta ao ferryboat e a terras lusas, arranje tempo para espreitar a Capela de Santa Tecla (santuário do século XII ao qual foram feitos acrescentos posteriores) e o pequeno museu, onde está patente o espólio arqueológico recolhido na região. Alguns desses vestígios mostram como este mirante natural foi cobiçado desde épocas longínquas, parecendo ter sido criado como lugar contemplativo de poetas e sonhadores.

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