Se ainda há sol às 21h00, por que não há vigilância?Praias

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Banhistas após as 19h00, na Praia Grande, em Sintra, onde desaparaceu um rapaz de 13 anos há uma semana Miriam Lago

Desde 1 de Junho morreram oito pessoas nas praias. O jovem que, há dias, desapareceu na Praia Grande, Sintra, está na lista das mortes em zonas não vigiadas, porque foi fora da "hora de serviço". Por Maria Lopes, Idálio Revez e Mariana Pinto (textos)

São 19h25 de uma quinta-feira encalorada. Na Praia Grande, concelho de Sintra, o sol desce no horizonte e o extenso areal ainda tem muita gente. A maré está a vazar, as ondas rebentam com força envoltas num intenso cheiro a maresia. Nos mastros dispersos no areal ondulam bandeiras vermelhas, mas há adultos e crianças a tomar banho nas ondas e do lado de lá da rebentação contam-se duas a três dezenas de surfistas.

Mais uns minutos e os nadadores-salvadores já arriaram as bandeiras, guardaram as pranchas e bóias e rumaram a casa. Indiferentes, as primas Isabel e Mariana, de 12 anos, mergulham nas ondas, vigiadas pela avó sentada na areia molhada. Ciente de que o mar ali é "matreiro", Margarida garante que não tira dos olhos delas. "É o último banho de hoje, também não gosto que estejam sempre na toalha", comenta, quando se lhe lembra a proibição de tomar banho.

No domingo passado, à mesma hora, um rapaz de 13 anos desaparecia nas águas frias desta praia. Fará sentido ter vigilância apenas até às 19h num país com sol no Verão até depois das 21h00? A resposta óbvia parece ser não.

O horário de vigilância é acertado entre o concessionário, a autoridade marítima e a autarquia, lembra o comandante Nuno Leitão, do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), mas "respeita uma tendência normal de frequência". "No Algarve há praias vigiadas até às 20h." Não em todas, como veremos.

Para António Mestre, da Resgate - Associação de Nadadores-Salvadores do Litoral Alentejano, alargar o horário é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada - no Brasil, diz, há vigilância 24 horas por dia.

Os diplomas do ISN das décadas de 40, 60 e 70 emoldurados na parede do restaurante Angra lembram as façanhas dos homens da família nos salvamentos e mostram por que esta é a mais antiga concessão da Praia Grande. O pai e o tio, de pele curtida pelo sol, passaram ali a vida; assim como Francisco, desde há 62 anos. Herdou a concessão que, ao longo dos anos, foi sendo repartida com outros e agora são seis. A lei manda que haja um nadador-salvador por cada 50 metros (lineares) de praia - aqui o areal tem um quilómetro.

Receitas escassas

"O que existe de receitas para fazer face às despesas são os toldos. Em Junho, eu e o meu irmão, que tem outra concessão, fizemos 48 euros nos toldos." Uma gota de água no oceano dos cinco nadadores que custam, cada um, cerca de 1500 euros por mês (alimentação incluída). Há também que pagar o equipamento de salvamento ao ISN, desde a prancha às bandeiras de pano. Este ano nem há torres de vigia, habitualmente patrocinadas.

"Este é um esquema que está falido", queixa-se. A reorganização do calendário e horário da vigilância são de facto urgentes, defende. E, já agora, "profissionalizar a vigilância, passá-la para os bombeiros ou a Marinha". "Quando morre mais gente, é em Abril e Maio, porque não há assistência. Em Setembro [a época balnear termina dia 30] já vem muito pouca gente à praia."

João Miguel, de um dos bares junto ao areal, conhece a Praia Grande há 20 anos e diz que um dos principais problemas é a falta de condições para a vigilância, que começa nos próprios nadadores-salvadores. "São sobretudo universitários que olham para isto como um trabalho de Verão, têm pouca experiência no terreno e meios escassos. Faltam motos de água na praia, quem as saiba usar, conheça as correntes e os agueiros. Aqui muita gente é salva pelos surfistas. Enquanto isto não for profissionalizado, continuará a haver problemas." António Mestre, da Resgate, afina pelo mesmo diapasão: "Há equipamentos cada vez melhores, mas a quem está no areal falta experiência e conhecimento. E o ISN não monitoriza nem controla com seriedade." A solução passa por "criar um corpo de vigilantes profissionais a nível nacional".

Nuno Leitão, do ISN, rejeita as críticas. "A assistência está profissionalizada" e "a formação é adequada à perigosidade das praias", defende. Mas é "impossível ter um nadador-salvador atrás de cada banhista", em 660 quilómetros de praias (270 de praias marítimas vigiadas, 350 não vigiados e 40 de praias fluviais). Aparentemente, nem as multas entre os 100 e os 500 euros por desobediência a ordens do nadador e da bandeira são dissuasoras. "A praia é como a estrada: a segurança depende também do comportamento das pessoas."

Sem rentabilidade

Temperatura da água do mar, 24 graus. O sol ainda "pica" na pele e um mergulho vinha mesmo a calhar, mas não é possível, em segurança, porque passa das 19h00. Na praia de Quarteira, como em quase todas as outras na região, os nadadores - salvadores dão por terminado o dia de trabalho. "Então vão embora?", pergunta Odília, debaixo de um chapéu-de-sol. "Pois, ficam por sua conta e risco", responde o rapaz, deitando um último olhar.

Na zona do Sotavento, nas áreas abrangidas pelas capitanias de Vila Real de Santo António e Tavira, os concessionários pediram licença das 9h00 às 20h00. Mas em todo o resto do litoral o edital de praia informa que a praia "fecha" às 19h00.

A de Quarteira, por causa dos molhes, é particularmente perigosa, quando há ventos de leste - a ondulação empurra os banhistas contra as pedras. O nadador-salvador esteve atento todo o dia, mas a responsabilidade dissolveu-se como espuma na areia, quando terminou o horário.

No dia seguinte, em Vilamoura, na Rocha Baixinha - uma praia que em Agosto chega a registar seis mil entradas - meia hora antes do encerramento oficial da praia, as pessoas começaram a abandonar o areal, como se respondessem ao toque da sirene de uma fábrica. O presidente do Turismo do Algarve, Nuno Aires, considera que "faz todo o sentido, com este clima, que as praias estejam abertas pelo menos até às 20h00". Mas o interesse económico está em primeiro lugar. A partir das 17h00, a exploração da praia deixa de ser rentável para os concessionários, como explica o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas.

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