Democratas estão mais divididos mas aprovam fundos para a guerra no Afeganistão

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Obama admitiu que fuga pode "pôr em perigo indivíduos e operações" SAUL LOEB/AFP

Presidente norte-americano desvaloriza revelações do WikiLeaks sobre o conflito. Soldado já detido é o "principal suspeito" da fuga de informação

A Câmara dos Representantes dos EUA desbloqueou, após seis meses de debate, o dinheiro para financiar os 30 mil reforços enviados por Barack Obama para a guerra no Afeganistão. A votação, em que ficou clara a crescente divisão dos democratas no apoio ao conflito, coincidiu com a divulgação de relatórios militares no site WikiLeaks - uma fuga de informação que o Pentágono admite ter partido do soldado já detido por outro processo.

Numa declaração horas antes da votação (a primeira desde que os documentos foram publicados, no domingo), o Presidente norte-americano admitiu que a fuga "pode pôr em perigo indivíduos e operações", mas garantiu que os quase 92 mil documentos "não revelam nada que não constasse já do debate público". O mesmo foi dito pelo general James Mattis, nomeado para a chefia do Comando Central: "Não vi qualquer grande revelação", disse numa audição no Senado. Vários membros da Administração insistem ainda que os relatórios, escritos entre 2004 e 2009, vêm dar razão à revisão da estratégia anunciada por Obama no Outono, quando decidiu aumentar para cem mil as tropas no Afeganistão.

Mas na Câmara dos Representantes nem todos concordam. "As coisas estão feias [no terreno] e creio que a Casa Branca continua a subestimar o quão profundo é o sentimento anti-guerra", avisou o democrata Jim McGovern, eleito pelo Massachusetts, no debate de terça-feira à noite.

O fundo de emergência de 59.000 milhões de dólares (45.300 milhões de euros), dos quais 33.000 milhões para financiar os novos reforços no Afeganistão, foi aprovado por 308 votos contra 114. Uma maioria que só foi confortável graças ao apoio da bancada republicana, já que 102 representantes democratas votaram contra.

A crescente impopularidade da guerra, numa altura em que se aproximam as eleições para o Congresso, explica as reticências de muitos democratas. Mas na votação de terça-feira, vários representantes aludiram às revelações do WikiLeaks. "Acorda América! A publicação dos documentos secretos dá-nos 92 mil razões para pôr fim à guerra", disse Dennis Kucinich, um feroz opositor ao conflito.

O Pentágono anunciou, entretanto, a abertura de um inquérito para apurar quem entregou ao WikiLeaks os relatórios, que não eram já secretos mas que, por conterem informação sensível, ainda não tinham sido publicados. A investigação foi confiada à unidade que está a investigar Bradley Manning, o analista de segurança detido em Maio por suspeita de ter passado àquele site dados confidenciais. Entre eles estava o vídeo de um ataque de helicóptero que, em 2007, matou 12 civis em Bagdad, incluindo dois jornalistas da Reuters.

Um porta-voz do Departamento de Defesa confirmou que Manning, de 22 anos, é "pessoa de interesse" para a investigação, mas fontes militares citadas ontem pela CNN adiantaram que ele é mesmo o "principal suspeito" pela fuga de informação.

Quem não está convencido desta versão é uma das figuras visadas nos documentos. Hamid Gul, o general que liderou os serviços secretos paquistaneses (ISI), acusou os EUA de terem orquestrado a fuga de informação para justificarem uma retirada antecipada do Afeganistão. Em entrevista ao Washington Post, Gul considerou ainda uma "ficção" as suspeitas de que é um dos mais poderosos aliados dos taliban, fornecendo armas e informações aos rebeldes afegãos.

E, numa nova acha para a fogueira, o primeiro-ministro britânico, de visita à Índia, disse ontem não ser possível tolerar que o Paquistão "promova a exportação do terrorismo, seja para a Índia, seja para o Afeganistão". Declarações de imediato repudiadas por Islamabad e que obrigaram Downing Street a esclarecer que David Cameron estava apenas a sublinhar a necessidade de o Governo paquistanês "se esforçar mais para combater os grupos terroristas" activos no país.

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