Descobrir sem pressas a ilha do Pessegueiro

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Vista do ar, a ilha do Pessegueiro mostra alguns dos seus vestígios arqueológicos

Imortalizada pela voz inconfundível de Rui Veloso, esta é a cereja em cima do bolo neste passeio ao litoral alentejano. Mas os arredores da aldeia piscatória de Porto Covo, com as suas magníficas prainhas e os seus recantos encantados, têm muito mais para oferecer a quem esteja disposto a palmilhar os seus trilhos costeiros, garante Jorge Nunes (texto e fotos)

Para quem venha sem pressa de chegar à ilha e com vontade de andar a pé, a aventura pode começar logo na Praia de São Torpes, às portas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Embora as chaminés da Central Termoeléctrica de Sines possam fazer alguma confusão aos ecologistas mais ferrenhos, a verdade é que aqui começa uma das mais belas áreas protegidas do nosso país, candidata a uma das sete maravilhas naturais de Portugal. Inicia-se na desembocadura da pequena Ribeira da Junqueira e estende-se ao longo de cem quilómetros de faixa costeira, até findar em terras algarvias (Burgau), já no concelho de Vila do Bispo. Esta é "uma zona única a nível nacional e europeu pelo elevado estado de conservação do litoral e riqueza ambiental e paisagística que a caracterizam", enaltecem os promotores da área protegida.

Embora pudesse ser uma experiência verdadeiramente inesquecível, percorrer toda a extensa área desta zona protegida, a proposta é que arranje pernas para galgar apenas os seus primeiros dez quilómetros - aqueles que faltam para arribar a Porto Covo. Como o percurso se desenrola em terreno relativamente plano - salvo algumas incursões obrigatórias até à beira-mar para explorar as pequenas baías que se escondem no rendilhado dos rochedos - está, com certeza, ao alcance da maioria dos caminheiros de fim-de-semana. Todavia, caso as pernas ou as crianças dêem parte de fraco, é sempre bom saber que a estrada para Porto Covo está ali à mão de semear.

Após palmilhar o areal de São Torpes, refúgio habitual de surfistas e bodyboarders nacionais e estrangeiros, a praia arenosa vai dando lugar à costa rochosa e alcantilada, que se inicia de forma tímida, mas vai-se alteando e rendilhando progressivamente à medida que nos abeiramos de Porto Covo.

O passeio dispensa mapas e GPS. Segue-se sempre em direcção a Sul, não há que enganar. Qualquer carreiro que escolha levá-lo-á até ao seu destino. Os mais selvagens e deslumbrantes são naturalmente aqueles que se afastam da estrada de alcatrão e seguem sobranceiros ao mar. É nesses que se escondem os melhores hotspots fotográficos e se podem surpreender as espécies animais e vegetais mais emblemáticas.

A partir da Praia de Vale Figueiros começam a surgir mais amiúde plataformas rochosas que ficam a descoberto durante as marés baixas. Para os coca-bichinhos, estes locais constituem verdadeiros oásis zoológicos. Mesmo os leigos em ecologia marinha vão ficar espantados com a diversidade de bicharada que é possível encontrar numa singela poça de água deixada a descoberto durante a baixa-mar: são comuns os caranguejos, as estrelas-do-mar, os ouriços-do-mar, os camarões, vários moluscos (mexilhões, lapas, burriés, caramujos...) e uma miríade de outros misteriosos organismos marinhos - assim haja tempo e perseverança para os descobrir.

Mais adiante, na Praia do Burrinho, continua a desfilar diante dos olhos a beleza natural dos rochedos esculpidos pelo mar, que tanto atrai os mergulhadores e pescadores até estas paragens. Lá em baixo, a pequena concha de areia que forma a prainha encaixada entre as arribas convida ao isolamento e ao sossego. Todavia, com o casario alvo de Porto Covo cada vez mais próximo, não há lugar para mandriice. As pequenas praias selvagens de areia fina e água transparente que se vão sucedendo ficarão para ser desfrutadas com vagar nos dias seguintes, quando tivermos empanturrados de cenários idílicos e quisermos dar descanso às pernas doridas das caminhadas.

A jóia do litoral alentejano

Quem não aceitar a sugestão de arribar a Porto Covo a pé, partindo de São Torpes ou de qualquer outro ponto a partir da estrada municipal 554, que nasce algures perto de Sines, poderá chegar de carro, de moto ou de bicicleta. O importante é vir. Depois de cá estar não faltarão oportunidades para longos e maravilhosos passeios pelo litoral.

Porto Covo já não é a pacata aldeia piscatória que Carlos Tê e Rui Veloso deram a conhecer ao mundo. No entanto, apesar do seu crescimento - que é muitas vezes o preço a pagar pela notoriedade -, continua a manter viva a sua harmoniosa arquitectura popular, que se aprecia sobretudo ao passear pelas pequenas ruelas ou quando se sobrevoa a península sobranceira ao porto marítimo, onde o lugarejo parece ter sido desenhado a régua e esquadro.

Embora esta terra já conste dos roteiros turísticos como conhecido abrigo para a fruição dos prazeres balneares, ainda oferece recato e tranquilidade aos visitantes que aqui chegam cansados do rebuliço citadino. Mesmo quando parece haver gente a mais - o que acontece sobretudo nos fins-de-semana de Verão -, não faltarão trilhos à beira mar para procurar recantos mais selvagens e contemplativos, onde é possível roer uma laranja na falésia, escutando apenas o vai-e-vem das ondas e olhando um mundo azul à nossa frente.

Para Norte estende-se a costa rochosa recortada, onde exíguas mantas de areia criam as famosas prainhas da região. Algumas das mais conhecidas são a Praia dos Buzinhos (que herdou o seu nome do hábito de aí serem recolhidas as conchinhas usadas na decoração do artesanato local), a Praia do Banho (associada ao banho santo de 29 de Agosto que, segundo a tradição, vale por nove), a Praia Grande (que de grande parece ter unicamente o nome, embora seja uma das maiores da zona norte), a Praia da Cerca Nova (junto à entrada norte do casco urbano), entre muitas outras até onde vale a pena andarilhar - sobretudo pela fresca, quando o bafo do estio alentejano se torna mais convidativo para demorados passeios. µ

A Ilha do Pessegueiro

Se para norte não faltam motivos de interesse que justifiquem agradáveis caminhadas em família, o mesmo acontece para sul. Entre eles, a ida pelos trilhos dos pescadores até às imediações da famosa ilha do Pessegueiro, considerada o ex-líbris da região. A distância a percorrer é de aproximadamente três quilómetros (seis para quem se aventure na ida e volta a pé) até à Praia da Ilha do Pessegueiro, um grande areal que fica defronte da vetusta ilhota - considerada paisagem fóssil, dado que constitui um dos mais espectaculares vestígios da antiga paisagem dunar onde têm sido realizadas curiosas descobertas paleontológicas, como os fósseis de elefantes-antigos que viveram neste local há mais de 30 mil anos.

Escusado será dizer que a maioria dos veraneantes prefere ir de automóvel até essa praia, que por estrada dista cerca de sete quilómetros de Porto Covo. Se a intenção é fazer praia e dar descanso às pernas, o carro será uma opção aceitável. Porém, para quem gosta de andarilhar, este é um percurso que vale a pena ser feito a pé, sentindo o hálito fresco e húmido do mar a bater-nos na cara.

Para partir à aventura, basta descer até ao porto marítimo de Porto Covo, onde se refugiam as embarcações dos últimos pescadores, e fazer-se ao caminho do outro lado da pequena baía. Ainda nas proximidades da antiga aldeia piscatória, as magníficas falésias oferecem interessantes perspectivas sobre pequenos nacos de areia deixados a descoberto pela descida da maré. São lugares completamente desertos de vida humana, banhados por sedutoras águas transparentes e encaixados entre as arribas, onde gaivotas e pequenas aves limícolas encontram poiso seguro e procuram alimento.

Já próximo do areal do Pessegueiro, uma das praias mais procuradas da região, pressente-se a proximidade da estrada de alcatrão onde os automóveis se deslocam apressados. No entanto, por essa altura já o visitante tem olhos apenas para a curiosa ilha do Pessegueiro, que emerge das águas límpidas e parece agigantar-se a cada nova passada. A sua peculiar localização, ali quase à mão de semear, torna-a misteriosa e irresistível, principalmente quando se admira a partir do forte da ilha, miradouro privilegiado para lhe apreciar os exíguos trezentos e tal metros de comprimento. Mesmo à distância, percebe-se que conserva ainda alguns testemunhos arqueológicos a exigir que o visitante se esqueça, por algumas horas, da sua condição de caminheiro e se torne marinheiro, aproveitando os passeios turísticos de barco, que são organizados a partir da baía de Porto Covo.

Se o propósito for encontrar o célebre pessegueiro que terá dado nome à ilhota e que foi celebrizado pela música de Rui Veloso - quem não se lembra do verso: "Havia um pessegueiro na ilha"? -, não vale a pena fazer-se ao mar, porque tal árvore já não existe - se é que alguma vez existiu... Mas, mesmo sem o famoso pessegueiro para condimentar a viagem, a visita à ilhota, com apenas duas centenas de metros de largura, é sempre um acontecimento memorável. Mesmo que a linha da costa esteja ali a uns escassos trezentos metros, a insularidade continua a ser uma experiência marcante para muitos turistas. Até porque, se excluirmos os abundantes leixões - que pelas suas acanhadas dimensões apenas servem de lar às aves marinhas -, ao longo de toda a costa continental portuguesa contam-se pelos dedos de uma mão as ilhas verdadeiramente dignas desse nome onde os humanos podem aportar e passear-se.

Como notava Júlio Gil a propósito da Ilha do Pessegueiro, na sua obra Os Mais Belos Castelos de Portugal, a verdade é que "olham-se suas arruinadas muralhas, seu velho cais, e logo se pensa em piratas, assaltos, esconderijos, repouso e curas de abordagens, histórias de dramas e outras de assombro". Quem se fizer ao mar na embarcação turística Novo Horizonte (com visitas guiadas a funcionar quatro vezes por dia, entre 3 Julho e 15 de Setembro), poderá verificar que, afinal, as pedras do Pessegueiro têm muitas estórias para contar. A começar pelos vestígios arqueológicos romanos, de que as vetustas salgadeiras são o resquício mais visível, passando pelas ruínas do antigo forte, que, conjuntamente com o seu homólogo em terra (conhecido pelo nome de Forte da Ilha de Dentro) terão sido mandados construir pelo rei D. Pedro II., e terminando na Lenda de Nossa Senhora da Queimada, que o povo associa a uma velha capela que aqui terá existido em tempos pretéritos. Estas são apenas algumas das razões por que vale a pena passear em Porto Covo e descobrir a Ilha do Pessegueiro.

um percurso que vale a pena ser feito a pé, sentindo o hálito fresco e húmido do mar a bater-nos na cara.

Para partir à aventura, basta descer até ao porto marítimo de Porto Covo, onde se refugiam as embarcações dos últimos pescadores, e fazer-se ao caminho do outro lado da pequena baía. Ainda nas proximidades da antiga aldeia piscatória, as magníficas falésias oferecem interessantes perspectivas sobre pequenos nacos de areia deixados a descoberto pela descida da maré. São lugares completamente desertos de vida humana, banhados por sedutoras águas transparentes e encaixados entre as arribas, onde gaivotas e pequenas aves limícolas encontram poiso seguro e procuram alimento.

Já próximo do areal do Pessegueiro, uma das praias mais procuradas da região, pressente-se a proximidade da estrada de alcatrão onde os automóveis se deslocam apressados. No entanto, por essa altura já o visitante tem olhos apenas para a curiosa ilha do Pessegueiro, que emerge das águas límpidas e parece agigantar-se a cada nova passada. A sua peculiar localização, ali quase à mão de semear, torna-a misteriosa e irresistível, principalmente quando se admira a partir do forte da ilha, miradouro privilegiado para lhe apreciar os exíguos trezentos e tal metros de comprimento. Mesmo à distância, percebe-se que conserva ainda alguns testemunhos arqueológicos a exigir que o visitante se esqueça, por algumas horas, da sua condição de caminheiro e se torne marinheiro, aproveitando os passeios turísticos de barco, que são organizados a partir da baía de Porto Covo.

Se o propósito for encontrar o célebre pessegueiro que terá dado nome à ilhota e que foi celebrizado pela música de Rui Veloso - quem não se lembra do verso: "Havia um pessegueiro na ilha"? -, não vale a pena fazer-se ao mar, porque tal árvore já não existe - se é que alguma vez existiu... Mas, mesmo sem o famoso pessegueiro para condimentar a viagem, a visita à ilhota, com apenas duas centenas de metros de largura, é sempre um acontecimento memorável. Mesmo que a linha da costa esteja ali a uns escassos trezentos metros, a insularidade continua a ser uma experiência marcante para muitos turistas. Até porque, se excluirmos os abundantes leixões - que pelas suas acanhadas dimensões apenas servem de lar às aves marinhas -, ao longo de toda a costa continental portuguesa contam-se pelos dedos de uma mão as ilhas

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