Torne-se perito

"Saia, senhor primeiro-?-ministro. Precisamos de uma coligação"

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Paulo Portas disse que Sócrates é o "político errado para esta hora difícil" Miguel Manso

Foi uma autêntica pedrada no charco. Paulo Portas petrificou o Parlamento ao pedir a substituição de José Sócrates sem recurso a eleições antecipadas

Estava o debate do estado da Nação posto em sossego, cada partido no seu habitual reduto argumentativo, quando, ao fim de duas horas de discussão morna, Paulo Portas lançou a provocação que tem agitado os corredores políticos e económicos: pediu ao primeiro-ministro para sair e avançou com uma solução de estabilidade. Uma coligação de governo tripartida, composta por PS, PSD e CDS-PP, sem eleições antecipadas e até ao fim da legislatura.

"Saia, senhor primeiro-ministro. Permita que o seu partido escolha outro primeiro-ministro, alguém moderado, credível, com os pés na terra", desafiou o líder do CDS-PP, gelando o Parlamento e a bancada do Governo. José Sócrates esboçou um sorriso nervoso. E ainda que as respostas do PSD e da maioria governamental tenham sido curtas e peremptoriamente negativas, Portas tinha conseguido colocar o dedo na ferida da governabilidade.

A análise política que tinha antecedido o desafio começara no retrato negativo feito a José Sócrates: um primeiro-ministro "descredibilizado", que "não consegue fazer uma remodelação" por ser já "passado", um "político errado para esta hora difícil". Teorizou sobre a hipótese de o Orçamento do Estado não ser aprovado e, ainda assim, não poder haver eleições antecipadas devido à proximidade das presidenciais. E concluiu que, devido aos "prazos insolitamente longos da Constituição", Portugal só terá "um novo Governo, um novo rumo, daqui a mais de um ano".

"Poderá ficar o país, nesta situação difícil, mais um ano à deriva?", questionou. Para desafiar Sócrates a "pôr a mão na consciência", a "ter um gesto de humildade", a demitir-se. Não só do Governo, como da liderança do partido, já que o repto foi também lançado ao PS para que este escolha um substituto nas duas funções. "Nesse caso, e só nesse caso, o país devia ter uma coligação PS/PSD/CDS para três anos, para tirar o país deste atoleiro", defendeu Paulo Portas.

O povo é quem mais ordena

Ninguém pediu esclarecimentos a Portas e o debate quase seguiu indiferente com uma intervenção de Jerónimo de Sousa que ignorou o assunto. A agitação era subterrânea: Portas e o líder parlamentar do PSD, Miguel Macedo, conversaram pelo telefone interno, e multiplicaram-se trocas de mensagens por telemóvel. Mas as respostas do Governo e do PSD vieram no encerramento do debate. Luís Montenegro, vice-presidente da bancada laranja, reservou apenas uma frase no fim da sua intervenção: "Apresentaremos a nossa alternativa para governar quando os portugueses nos escolherem. Eu repito: o PSD só governará quando os portugueses nos quiserem", frisou.

Já o ministro da Economia, Vieira da Silva - escolhido para encerrar o debate -, desvalorizou a provocação, qualificando-a como "um coelho tirado da cartola", o seu autor, "conhecido pela consistência que dá a coligações", e rematou com o argumento da legitimidade democrática: "Estamos aqui a governar porque o povo português quis que assim fosse".

À saída, José Sócrates insistiu: "Quem nos elegeu foram os portugueses e não qualquer deputado". Sublinhando que "uma crise política só iria agravar a crise económica", devolveu as críticas a Paulo Portas, a quem classificou como "político incorrigível que só pensa em eleições" e no regresso ao poder. "Nunca vi um político querer ir para o Governo de forma tão expressiva. Agora fazíamos um arranjinho, uma coligação tripartida, para irmos todos para o poder", ironizou.

Um país, dois retratos

O fantasma da crise política já tinha andado pelo debate. Foi José Sócrates o primeiro a falar no assunto, quando pediu "sentido de responsabilidade" e de "estabilidade política" à oposição. E acusou o PSD de "só pensar em duas coisas: eleições e sondagens", mantendo "o país sob a permanente ameaça de crise política".

À esquerda, PCP, BE e Os Verdes lembraram por diversas vezes que existe, na verdade, um acordo entre os dois maiores partidos, ainda que estes tentem "disfarçar" o entendimento com as divergências de discurso. "PS e PSD alimentam uma guerrilha pública que não é coerente com o acordo que fizeram", sublinhou o líder do BE, Francisco Louçã. "Não se queixe da direita", acrescentou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.

No entanto, também deram conta que começa a haver sinais exteriores de campanha eleitoral. "Aqueles senhores estão à espreita", avisou Heloísa Apolónia (PEV), apontando para o PSD: "Eles querem abocanhar o país em 2011".

Em uníssono, a oposição tentou desconstruir o discurso do "optimista inveterado" José Sócrates - como recordou Louçã, citando o Financial Times. "A sua intervenção não foi sobre o estado da Nação, foi sobre uma nação que só existe na sua cabeça", acusou o comunista António Filipe. "Parece que temos dois países em Portugal: o da fantasia, que é o do primeiro-ministro; e o das dificuldades, que é o dos portugueses", apontou Miguel Macedo.

Na sua exposição inicial, o primeiro-ministro tinha exposto a sua visão do país, salientando "o caminho da consolidação orçamental", os "sinais animadores da economia" e os resultados obtidos na redução da pobreza e das desigualdades sociais. "A nossa agenda é a defesa do Estado social", sublinhou Sócrates, distinguindo-se daqueles que querem "cortes profundos nos salários dos funcionários públicos mas acham que é um sacrilégio estabelecer tectos nas deduções fiscais".

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