O director que conhece o terreno

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Em três anos, João Aidos é o terceiro director da DGA daniel rocha

O novo director-geral das Artes toma hoje posse. Para João Aidos, o importante é saber que equipamentos culturais existem e quais são as necessidades das populações que servem

João Aidos, com um percurso que nos últimos anos se cruza com diferentes estruturas culturais espalhadas pelo país, é o novo director-geral das Artes, nomeado pela ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, depois de Jorge Barreto Xavier, no cargo desde 2008, ter pedido a demissão no final da semana passada.

Aidos, 41 anos, era até segunda-feira o director artístico do Teatro Virgínia, em Torres Novas, para além de assessor do presidente da câmara, António Rodrigues. "O João não era apenas o director artístico do Virgínia", diz António Rodrigues, que é também vereador da cultura. "Fazia um trabalho alargado, era um director de equipas difícil de substituir, mas isso não me preocupa." A sua substituição não está, para já, nos planos do presidente da câmara: "Ele deixa uma equipa de 40 pessoas mais do que preparada, e as direcções não precisam de um rosto. Além disso, ninguém sabe se daqui a um ano ou dois não estará cá novamente. O cargo de director-geral é temporário."

Criada por decreto a 29 de Março de 2007, mas apenas activada em Agosto desse ano, a Direcção-Geral das Artes (DGA) tem como face mais visível a gestão do processo de atribuição de apoios aos criadores independentes nas áreas do teatro, música, dança, artes plásticas, fotografia e design, bem como a organização das participações nacionais em bienais e feiras internacionais. Mas é a atribuição dos apoios o seu calcanhar de Aquiles e o foco de conflito habitual entre as direcções e a tutela.

Pragmatismo evidente

A DGA seguiu-se à extinção do Instituto das Artes, que já tinha surgido na sequência da fusão entre o Instituto Português das Artes e do Espectáculo e do Instituto de Arte Contemporânea. Aidos é o terceiro director, depois de Orlando Farinha, que transitou da equipa de Jorge Vaz de Carvalho, e de Jorge Barreto Xavier, que fora nomeado por José António Pinto Ribeiro pela "necessidade de imprimir nova dinâmica e orientação estratégica ao funcionamento" da direcção-geral.

Em comunicado o Ministério da Cultura (MC) fala do percurso de Aidos como estando "ligado a inúmeros projectos no âmbito da Rede Nacional de Teatros e Cine-Teatros, gestor, programador, produtor e engenheiro projectista com profunda ligação à rede e tecidos culturais em todo o território nacional", mostrando-se confiante com "uma nova estratégia que permitirá uma nova atitude e nova abordagem das problemáticas que afectam o sector cultural".

Patrícia Sousa, artista em media art e design, que esteve com Aidos num dos júris da DGA - precisamente aquele que a ministra usou como argumento para aceitar a demissão de Barreto Xavier -, disse ao P2 que o novo director tem "um pragmatismo evidente que parece privilegiar relações interdisciplinares que estabeleçam pontes entre as artes, as ciências e as tecnologias, com enfoque nas indústrias criativas".

Tiago Guedes, coreógrafo e director do festival Materiais Diversos, que tem no Teatro Virgínia um parceiro-âncora, não se mostra preocupado com esta mudança, assegurando que "a parceria está acordada há muito tempo". Salientando a "transversalidade da programação do teatro atenta à população a que se dirige", e apesar de não ter "ainda indicações sobre quem será o novo interlocutor, Guedes acredita que esta transferência "não será problemática", já que Aidos é alguém que "sabe aproveitar as dinâmicas".

Em entrevista ao P2 no dia em que foi anunciada a nomeação, Aidos salientava do seu percurso "a transversalidade" e o "conhecimento do terreno", não apenas na programação artística, mas também "no planeamento estratégico das cidades". Incluindo no seu currículo a coordenação dos projectos de recuperação de diversos teatros municipais - Aveiro, Torres Novas e Faro -, foi ainda responsável pelas candidaturas dos teatros municipais em Aveiro, Leiria e Faro ao III Quadro Comunitário de Apoio, do Plano Operacional de Cultura.

Maria da Luz Nolasco, hoje vereadora da cultura em Aveiro, e que o substituiu em 2006 na direcção do Aveirense, que Aidos dirigiu entre 1999 e 2005, fala do novo director como alguém com conhecimentos claros das necessidades dos dois lados do sector cultural, o da programação e o da criação: "Ele sabe o que são os constrangimentos do mercado e tem os conhecimentos necessários para avaliar a escala de valores que compete a cada um dos lados."

Construir sem destruir

O nome de Aidos estava em cima da mesa da ministra da Cultura para o projecto de reactivação da rede de cine-teatros, que Canavilhas quer ver concretizado ainda este ano, segundo o agora director. O próprio Aidos dizia em entrevista ao programa Câmara Clara, da RTP2, a 27 de Novembro do ano passado, "que nem o próprio ministério tem noção de quantos equipamentos existem" passíveis de integrar uma rede. "Isso é preocupante", continuava, "porque não permite perceber como é que as populações são servidas ou não. É preciso perceber que projectos autárquicos acompanham [os perfis definidos para os teatros], para que serve um teatro e como é que se mede a sua contribuição para as populações".

José Luís Ferreira, um dos quatro autores do livro Quatro Ensaios à Boca de Cena (Cotovia, 2009), que reflecte sobre o historial das políticas culturais, disse por e-mail ao P2 que esperava que "essa experiência e o conhecimento da fragilidade do edifício da criação artística possa permitir [a João Aidos] uma acção equilibrada". Para José Luís Ferreira, o importante é que a actual direcção-geral "não se deixe obcecar pela ideia de construir uma nova forma de relação com o tecido artístico à custa do pouco que foi adquirido nestes últimos 15 anos e ainda não foi destruído".

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