Bruno Fernandes Das redes do Flamengo para trás das grades

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Bruno Fernandes, na quarta-feira, dia em que se entregou à polícia, no Rio de Janeiro Luiza Garcia/REUTERS

Os adeptos do Flamengo estavam habituados a vê-lo impedir a bola de entrar na baliza, mas o que agora vêem é um ídolo desfeito, acusado de assassinar uma mulher que lhe pediu para assumir a paternidade de uma criança. O Brasil está indignado com Bruno Fernandes

Poucos cineastas, mesmos os mais versados em argumentos de terror, se lembrariam de uma história assim. Um guarda-redes do Flamengo junta-se a outros futebolistas numa festa cheia de mulheres bonitas (até aqui, nada de novo). Conhece uma modelo, algum tempo depois ela diz-lhe que está grávida. Ele é casado. Há um amigo que ajuda a raptá-la e um ex-polícia que a terá estrangulado. E um primo de 17 anos que conta tudo à polícia. Esta é a história da descida aos infernos de Bruno Fernandes, que já teve estádios a aplaudi-lo de pé e agora só ouve gritar "assassino", "assassino".

O Brasil está em choque com tudo o que, nos últimos dias, se tem sabido sobre um dos seus ídolos. Bruno Fernandes tinha chegado ao Flamengo em 2006 e depressa as suas defesas conquistaram fãs. Agora já foi expulso do clube, poderá esquecer o seu sonho de estar no Mundial de 2014, está detido em Minas Gerais e as conclusões da investigação por homicídio apontam para que seja culpado. O próprio chefe do departamento de investigação da polícia de Minas Gerais, Edson Moreira, confirmou que há indícios de crime premeditado.

Mas voltemos atrás, a Maio de 2009. Bruno Fernandes está numa festa com outros futebolistas e conhece Eliza Samudio, estudante e modelo de 24 anos. Os dois envolvem-se. Mais tarde, Bruno viria a contar numa entrevista à revista Veja que ela lhe disse que estava grávida e ele soube "que toda a equipa do São Paulo a conhecia". Até confessou: "Fiquei preocupado com a saúde, fiz o teste do HIV."

Eliza Samudio estava grávida, sim, e a criança, que nasceu em Fevereiro, chama-se Bruno Samudio. Ela já tinha pedido ao futebolista que reconhecesse a paternidade do bebé e até apresentado uma queixa na polícia contra ele.

Isso aconteceu em Outubro e a queixa não estava relacionada apenas com questões de paternidade. Eliza acusava o guarda-redes de a ter agredido e até apontado uma arma para a obrigar a tomar uma substância abortiva. Nesse sequestro também terá participado um amigo de Bruno, Luiz Henrique Ferreira Romão, conhecido por Macarrão, que também já está detido.

Eliza, já se sabe, não abortou. Continuou a lutar para que a paternidade da criança fosse reconhecida e um juiz chegou a determinar que o guardião do Flamengo fizesse testes de ADN. Até que, no final de Junho, já a criança tinha quatro meses, a modelo terá voltado a ser sequestrada, desta vez só por Macarrão.

Depois disso, Eliza Samudio não voltou a dar notícias, até que, a 24 de Junho, a polícia de Minas Gerais recebeu uma chamada anónima a dizer que ela tinha sido espancada até à morte pelo jogador e mais dois homens. Começaram as investigações.

"Monstruosidade"

Quando, a 25 de Junho, a polícia chegou à casa do guarda-redes ainda terá visto o bebé, mas ao regressar, mais tarde, já com um mandado de busca, não havia sinais da criança ou da mulher de Bruno, Dayanne Sousa - que entretanto também foi detida.

Inicialmente Dayanne disse à polícia que não sabia da criança, mas depois admitiu tê-la entregue a Wemerson Marques de Souza, conhecido por Coxinha. Foi ele quem ficou encarregue de encontrar quem cuidasse do menino.

Há vários dias que a polícia procura o corpo de Eliza, mas este ainda não foi encontrado. O bebé já foi entregue à avó materna, Sónia Moura.

Bruno Fernandes também esteve desaparecido durante algum tempo, mas na quarta-feira, ao final da tarde, acabou por se entregar à polícia no Rio de Janeiro. Ele e Macarrão. Aos poucos, a polícia tem vindo a divulgar os pormenores da investigação e já confirmou, por exemplo, que o sangue encontrado no Range Rover do guarda-redes era mesmo de Eliza Samudio.

Depois de cruzar os testemunhos de dois primos do jogador que também terão assistido ao crime, o menor de 17 anos, que é apenas referido como J., e Sérgio Salles Camelo, de 22, os investigadores estão convencidos de que foi Bruno quem ordenou o homicídio de Eliza. A modelo foi mantida em sequestro entre 6 e 9 de Junho, quando terá sido assassinada.

As suspeitas recaem também sobre outro amigo de Bruno, Marcos Aparecido dos Santos, também conhecido por Bola, um ex-polícia que agora é criador e treinador de cães rottweiler. Ontem alguns jornais divulgavam um dos pormenores mais macabros deste crime: ao tentar desfazer-se do corpo, Marcos Santos tê-lo-á cortado em pedaços e dado algumas partes aos cães.

"Estamos impressionados com a monstruosidade deste caso", disse aos jornalistas Edson Moreira. Desde terça-feira que estão a ser efectuadas buscas na casa de Marcos Santos, em Vespasiano, a cerca de 30 quilómetros de Belo Horizonte, onde Eliza terá sido assassinada.

Quando ali chegou, a 9 de Junho, a modelo terá dito, segundo as testemunhas, que não aguentava mais tanta tortura - já estaria há três dias nas mãos dos raptores. O ex-polícia terá respondido: "Não vais mais ser torturada, vais morrer." Segundo relata o jornal El País ele asfixiou-a logo a seguir.

Ligação a Portugal

O advogado do jogador, Ércio Quaresma Firme, disse ao Globo que Bruno não irá depor, pelo menos enquanto ele não tiver acesso a uma cópia do depoimento do primo de 17 anos, que denunciou o caso à polícia. O mais provável, no entanto, é que este crime seja o ponto final no estrelato que até esteve muito perto de passar por Portugal.

Em Março, numa entrevista ao canal SporTV, Bruno Fernandes disse que tinha havido contactos entre o seu agente e o seleccionador nacional, Carlos Queiroz, para que o jogador obtivesse a nacionalidade portuguesa - a avó materna nasceu em Portugal - de forma a poder integrar a equipa nacional, o que foi posteriormente negado. Chegou ainda a falar-se numa eventual transferência para o Benfica.

Para trás fica uma carreira no Flamengo que lhe valeu a admiração dos brasileiros, apesar de algumas polémicas. Em Março, Bruno Fernandes estava com outro jogador do Flamengo, o avançado Adriano (agora no AS Roma), numa festa na favela de Chatuba. A namorada de Adriano, Joana Machado, apareceu e atirou pedras ao seu carro. Houve uma violenta discussão e agressões entre os dois. Nessa altura, Bruno Fernandes saiu em defesa do colega. "Qual de vocês é casado e nunca brigou com a mulher? Que não discutiu, que não saiu na mão com a [bateu na] mulher? Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher." A frase foi notícia e caiu mal. Sobretudo num clube como o Flamengo, dirigido precisamente por uma mulher - Patrícia Amorim.

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